Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
A jornada que Henrique Meirelles cumpriu em Brasília ajudou a exibir o constrangedor enfraquecimento político do ministro da Fazenda Joaquim Levy e a profunda dificuldade do governo Dilma tomar qualquer atitude definitiva a respeito.
A própria Dilma não parece inteiramente convencida do que fazer, embora o nome de Meirelles tenha a benção inicial de Lula e de uma parcela importante de aliados do governo.
"Em minha opinião, essa troca de ministros é totalmente inviável. Dilma simplesmente detesta o Meirelles e não faria isso de jeito nenhum", disse ao 247 uma fonte próxima à presidente. "Só depois de uma hecatombe."
O isolamento político absoluto de Levy ficou escancarado na terça-feira, quando ele compareceu a um jantar na casa do senador Eunício Oliveira (PMDB-CE). Ao longo do evento, as principais lideranças do Senado Federal pediram a palavra para falar da situação da economia em seus respectivos estados -- exatamente como fora combinado. Sem a presença de assessores, o que contribuiu para deixar os presentes muito mais à vontade numa hora tensa, ouviram-se relatos dramáticos que mostram a alta do desemprego, o fechamento de empresas, a falta de perspectiva da economia e a ausência de qualquer dado concreto capaz de justificar um fiapo de otimismo.
Falaram senadores da maioria dos Estados, dos principais partidos. Menos do Partido dos Trabalhadores. Sentindo o drama, por seis vezes, Levy pediu a palavra para dizer, em tom de elegante cobrança: "eu gostaria de ouvir o meu partido."
Nas seis vezes, nenhum representante do "partido de Levy" -- mais tarde o termo seria empregado com ironia proposital -- se apresentou. Entre outros senadores do PT, estavam presentes Jorge Viana, vice-presidente do Senado, que foi governador do Acre e é um interlocutor frequente de Lula. O pernambucano Henrique Costa, a paranaense Gleisi Hoffman, também.
Todos petistas leais ao governo e sua história, que já deram diversas demonstrações de coragem e combatividade para defender Dilma, quando a crise se encontrava num ponto político mais agudo de vida ou morte. Perguntei a um dos presentes a razão do silêncio. Ele desconversou. Outro lembrou o discurso otimista de Bill Clinton sobre o Brasil, no dia seguinte, sem perceber que permitiu que se fizesse a pergunte óbvia: por que nenhum petista disse a mesma coisa na noite anterior?
A verdade é que o próprio Levy, quando usou a palavra, limitou-se a fazer um relato morno sobre a situação. Disse que a economia irá melhorar, mas não esclareceu o como nem o por que. "Ninguém saiu mais confiante do que entrou," diz um dos presentes.
O silêncio do PT para sustentar Levy é um ato de sobrevivência política, que senadores de outros partidos tem menos dificuldade de falar abertamente.
"Se o país já vive uma crise econômica, política e ética, está na cara que estamos a caminho de uma crise social," me disse o próprio Eunício Oliveira, que além de senador, é empresário. "Nessa situação, o que pode acontecer com o PT em 2016, em 2018?"
Sem disposição para fazer aquilo que a linguagem da barbárie política define como "carregar o caixão" de um ministro moribundo, os petistas estão menos animados para dar respaldo a posse de Henrique Meirelles do que seria possível imaginar. Embora nunca tenha deixado de mostrar-se extremamente simpático à ideia de retornar ao governo, o antigo presidente do Banco Central colocou uma questão nova ao anunciar, a interlocutores, a exigência de ter controle absoluto da área econômica, o que iria transformá-lo num Super-Meirelles.
Quer indicar o ministro do Planejamento, o presidente do Banco Central e outros postos estratégicos, num controle sobre o coração do governo como há muito tempo não se via, nem no período da ditadura militar. "Acho que nem o Delfim, no auge do milagre, mandava tanto," reagiu um ministro.
Como era observado em várias conversas de Brasília, ontem, o antecedente, de qualquer modo, lembra a posse de Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda de Itamar.
Ao assumir a economia com plenos poderes, FHC valeu-se do posto -- e do sucesso de um programa anti-inflacionário -- para pavimentar a candidatura presidencial, dois anos depois, quando fez uma campanha que era um desfile em carro aberto, vencido em primeiro turno. Se possuía adversários e concorrentes dentro e fora do PSDB, inclusive Lula, eles foram esterilizados pela virada na economia.
A hipótese de que um super-Meirelles possa repetir a história -- depois de fazer a parte infinitamente mais difícil, que é colocar a economia em crescimento, gerando empregos e melhorando a renda das pessoas, numa conjuntura internacional de incertezas permanentes-- incomoda o PT por razões óbvias.
A principal é que se um ministério Meirelles der certo a ponto de transformar o ministro em candidato a presidente, o Partido dos Trabalhadores estará, para todos os efeitos práticos, fora da campanha presidencial em 2018 e quem sabe de muitas outras.
Recrutado como uma aliado que se aceita como companhia indispensável por um determinado período, para realizar determinados serviços de emergência, pode transformar-se no dono da festa e aí a conversa é outra.
Do ponto de vista das ideias econômica, da visão de mundo e dos projetos de país, Meirelles sempre foi um estranho e até adversário do partido. Na mesma medida em que trouxe credibilidade dos mercados internacionais, em oito anos do governo Lula, sua política de juros altos pouco ajudou nos incentivos ao crescimento.
Meirelles foi alvo obrigatório de críticas feitas por economistas de prestigio junto a círculos importantes do empresariado, mas preocupados com o desenvolvimento econômico, a começar por Antônio Delfim Netto e Luiz Gonzaga Belluzzo, que chegou a ser sondado para substituí-lo no cargo. Em dezembro de 2008, quando o governo estava empenhado em impedir que o colapso internacional iniciado em Wall Street entrasse em nossas fronteiras, Meirelles manteve a taxa de juros em patamar elevado, num momento em que a necessidade de estímulos era uma necessidade óbvia da economia.
Com uma bem sucedida carreira no mercado financeiro internacional, ele sempre foi partidário da independência do Banco Central, uma velha bandeira da ortodoxia monetarista e um dos pontos de resistência dos governos do PT. Em 2014, a candidata Marina Silva trouxe essa questão para os debates presidenciais. Ao combater a ideia, ao mostrar a vinculação entre a adversária e os animais predadores do sistema financeiro, a campanha de Dilma consumou uma vitória importante no primeiro turno, indispensável para chegar com fôlego na etapa final.
A questão da semana passada era esta. Comparando a cartilha ideológica do ministro titular e daquele que é cotado para ocupar seu lugar, o senador Eunício Oliveira diz que "ambos são tucanos. É trocar seis por meia dúzia." Para um observador relativamente entediado com tantas mudanças antes do governo Dilma completar um ano, "quando passar a empolgação da novidade, que dura pouco, vai sobrar o que? Ninguém sabe."
Um assessor parlamentar do Partido dos Trabalhadores fala: "são jogadores que atuam na mesma posição e no mesmo esquema tático. Mas um é craque. O outro é perna de pau."
Um ministro que conviveu com os dois afirma: "o Meirelles pensa igual ao Levy mas é menos travado."
Entenda-se. Aliados de Lula argumentam, muito pragmaticamente, que Meirelles teria ouvidos mais sensíveis as sugestões do ex-presidente, podendo aceitar propostas capazes de suavizar uma recessão que se anuncia dia a dia mais terrível.
A tese é que, na prática, Lula passaria a mandar no governo -- e isso, para seus aliados, seria bom para o país. Os céticos lembram que desde o rascunho de sua candidatura, em 2008, se dizia que Dilma seria uma presidente de uma fidelidade absoluta a Lula. Não passaria de uma humilde cumpridora de ordens.
Para o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que há três meses defendeu, num aparte em plenário, que Henrique Meirelles fosse nomeado para o lugar de Levy, o ex-presidente do Banco Central "tem credibilidade. E é isso que o governo precisa."
Em agosto, Cristovam e os demais senadores do PDT jantaram com Dilma Rousseff para conversar sobre conjuntura política. No encontro, eles entregaram uma carta -- que foi lida em voz alta -- à presidente. No texto, de três páginas, cujos trechos o 247 divulga agora em primeira mão, eram feitas sete sugestões a Dilma, para resolver aquilo que apontavam como "nosso maior problema," que vem a ser "retomar a confiança na política, nos políticos e especialmente na Presidência da República."
Entre as proposições colocadas, a de numero 3 pedia que a presidente assumisse "que neste momento seu partido é o Brasil e não PT, PMDB, PDT, PC do B ou outros." (Também se sugeria que convidasse o PT a ter "um choque de modéstia e bom senso", saindo de uma postura de "negação da realidade, da agressividade das bravatas e ameaças").
Num exemplo que antecipava a moldura que um possível ministério Meirelles poderia assumir, a carta argumentava que Dilma deveria construir um governo "que unifique o país, tal qual o presidente Itamar fez depois do impeachment de seu antecessor".
Três meses depois, as principais sugestões seguiram no papel mas a própria realidade transformou a referência a Itamar numa possível profecia -- com mais elementos de realidade do que se poderia imaginar.
"Sou um político de esquerda mas conheço matemática," diz Cristovam, ao explicar seu apoio ao ajuste econômico e a indicação de Meirelles.
É um debate mais complicado quando se realiza fora dos gabinetes de Brasília. É fora dali, na verdade, que a credibilidade do PT está sendo moída. Eleita com 51,8% dos votos válidos, a reprovação popular de Dilma não tem origem em seus adversários mas entre seus eleitores.
Só um exemplo. Quem compareceu, na quarta-feira, em Brasília, a uma plenária de 500 delegados da Contag, a entidade que reúne lideranças de trabalhadores rurais e da agricultura familiar de todo país, pode entrar em contato com a base social que sustentou as quatro vitórias de Lula-Dilma. Ficou claro, ali, que o problema essencial do Planalto não se encontra na falta de credibilidade junto aos mercados -- que sempre foi relativa -- mas junto a população que garantiu a quarta vitória no ano passado, em condições especialmente difíceis.
Em agosto, a Contag organizou a 5a. Marcha das Margaridas em Brasília, quando 75 000 militantes do país inteiro desfilaram pela Esplanada, num ato impressionante pelo volume e pela combatividade, onde denunciaram o impeachment. Em ato realizado no Planalto, na ocasião, Dilma disse a uma plateia de movimentos sociais que já tinha cometido erros na vida "mas não tinha mudado de lado."
Na quarta-feira passada, em intervenções emocionadas em plenário militantes e dirigentes de base disseram que defendem um governo trouxe benefícios inegáveis aos assalariados e aos pobres em geral.Falaram de sua própria dignidade, repetindo "que têm lado". Ao mesmo tempo, deixaram claro que está cada vez mais difícil argumentar a favor do governo.
Num documento anterior ao encontro, sintomaticamente intitulado "Crise política e econômica: só temos a perder", os dirigentes da Contag afirmam que as "meditas tomadas no “ajuste fiscal” estão na contramão do projeto de governo “social-desenvolvimentista”, iniciado pelo Governo Lula que buscou fortalecer os bancos públicos, financiar a infraestrutura e investir nos setores prioritários para a economia crescer."
Referindo-se a um fato óbvio, de que a inflação sobe quando deveria cair, e a economia desaba quando já deveria encontrar-se em recuperação, como se argumentava no início do ano, o documento diz que o ajuste fiscal "não está surtindo o efeito esperado e está levando a economia para um ponto de inflexão e recessão. O aumento dos preços dos combustíveis e a elevação das tarifas dos serviços públicos: água, luz, telefone, entre outros, tem gerado aumento da inflação que impacta as condições de vida dos trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade que, mais uma vez, são chamados para pagar a conta. Com isso a crise aumenta e a credibilidade do governo cai. "
A compreensão de que por trás da dança de cadeiras da Fazenda opera-se uma mudança que envolve seu passado e seu futuro, onde vai surgir uma nova etapa histórica do Brasil e dos brasileiros, deveria estimular uma discussão interna no Partido dos Trabalhadores e no governo -- para além do universo de Levy e Meirelles.
Não é difícil perceber que o país se encontra a beira de uma situação tão complicada, tão difícil, que chega a ser pura ingenuidade acreditar em formulas consagradas por manuais e cartilhas que podem ter sido uteis no passado, mas não têm respostas para os impasses do presente, quando o governo precisa oferecer saída coerentes com sua própria conjuntura política -- diversa, por exemplo, do que faria um governo conservador.
Num país que ameaça fazer uma recessão de 3 pontos negativos em 2016, é absurdo argumentar que é preciso manter juros em alta para impedir a inflação -- pois ela nada tem a ver com a demanda, cada vez mais comprimida pela falta de dinheiro e pelo medo de um futuro sem emprego. Pode até ser uma boa ideia para quem nunca teve compromissos maiores com a sorte dos que se encontram nos patamares debaixo da sociedade, mas não tem sentido para quem uniu seu destino à sorte dos mais pobres e desprotegidos. A criação de uma modestíssima taxa de 10% sobre lucros e dividendos traria aos cofres público uma receita equivalente a duas CPMFs, numa mudança progressiva em nosso sistema tributário, pois levaria os mais ricos a pagar por rendimentos a que os mais pobres sequer têm acesso.
Mesmo economistas conservadores questionam a manutenção de uma reserva de U$ 370 bilhões de dólares, que se tornou um fardo pesadíssimo de carregar, quando poderia ser usado para estimular a retomada da economia. O debate deve ser feito antes que seja tarde.
A compreensão de que por trás da dança de cadeiras da Fazenda opera-se uma mudança que envolve sua própria história e seu futuro, poderia estimular uma discussão interna no Partido dos Trabalhadores e no governo -- para além do limitado universo de Levy e Meirelles.
Se ficar inteiramente a margem de um debate essencial para o destino de um governo que colocou de pé e sustenta desde 2002, o PT estará dando mais um passo no caminho que cedo ou tarde levará a sua destruição e a um retrocesso social que ninguém sabe até onde pode chegar. Esta é a questão.
A jornada que Henrique Meirelles cumpriu em Brasília ajudou a exibir o constrangedor enfraquecimento político do ministro da Fazenda Joaquim Levy e a profunda dificuldade do governo Dilma tomar qualquer atitude definitiva a respeito.
A própria Dilma não parece inteiramente convencida do que fazer, embora o nome de Meirelles tenha a benção inicial de Lula e de uma parcela importante de aliados do governo.
"Em minha opinião, essa troca de ministros é totalmente inviável. Dilma simplesmente detesta o Meirelles e não faria isso de jeito nenhum", disse ao 247 uma fonte próxima à presidente. "Só depois de uma hecatombe."
O isolamento político absoluto de Levy ficou escancarado na terça-feira, quando ele compareceu a um jantar na casa do senador Eunício Oliveira (PMDB-CE). Ao longo do evento, as principais lideranças do Senado Federal pediram a palavra para falar da situação da economia em seus respectivos estados -- exatamente como fora combinado. Sem a presença de assessores, o que contribuiu para deixar os presentes muito mais à vontade numa hora tensa, ouviram-se relatos dramáticos que mostram a alta do desemprego, o fechamento de empresas, a falta de perspectiva da economia e a ausência de qualquer dado concreto capaz de justificar um fiapo de otimismo.
Falaram senadores da maioria dos Estados, dos principais partidos. Menos do Partido dos Trabalhadores. Sentindo o drama, por seis vezes, Levy pediu a palavra para dizer, em tom de elegante cobrança: "eu gostaria de ouvir o meu partido."
Nas seis vezes, nenhum representante do "partido de Levy" -- mais tarde o termo seria empregado com ironia proposital -- se apresentou. Entre outros senadores do PT, estavam presentes Jorge Viana, vice-presidente do Senado, que foi governador do Acre e é um interlocutor frequente de Lula. O pernambucano Henrique Costa, a paranaense Gleisi Hoffman, também.
Todos petistas leais ao governo e sua história, que já deram diversas demonstrações de coragem e combatividade para defender Dilma, quando a crise se encontrava num ponto político mais agudo de vida ou morte. Perguntei a um dos presentes a razão do silêncio. Ele desconversou. Outro lembrou o discurso otimista de Bill Clinton sobre o Brasil, no dia seguinte, sem perceber que permitiu que se fizesse a pergunte óbvia: por que nenhum petista disse a mesma coisa na noite anterior?
A verdade é que o próprio Levy, quando usou a palavra, limitou-se a fazer um relato morno sobre a situação. Disse que a economia irá melhorar, mas não esclareceu o como nem o por que. "Ninguém saiu mais confiante do que entrou," diz um dos presentes.
O silêncio do PT para sustentar Levy é um ato de sobrevivência política, que senadores de outros partidos tem menos dificuldade de falar abertamente.
"Se o país já vive uma crise econômica, política e ética, está na cara que estamos a caminho de uma crise social," me disse o próprio Eunício Oliveira, que além de senador, é empresário. "Nessa situação, o que pode acontecer com o PT em 2016, em 2018?"
Sem disposição para fazer aquilo que a linguagem da barbárie política define como "carregar o caixão" de um ministro moribundo, os petistas estão menos animados para dar respaldo a posse de Henrique Meirelles do que seria possível imaginar. Embora nunca tenha deixado de mostrar-se extremamente simpático à ideia de retornar ao governo, o antigo presidente do Banco Central colocou uma questão nova ao anunciar, a interlocutores, a exigência de ter controle absoluto da área econômica, o que iria transformá-lo num Super-Meirelles.
Quer indicar o ministro do Planejamento, o presidente do Banco Central e outros postos estratégicos, num controle sobre o coração do governo como há muito tempo não se via, nem no período da ditadura militar. "Acho que nem o Delfim, no auge do milagre, mandava tanto," reagiu um ministro.
Como era observado em várias conversas de Brasília, ontem, o antecedente, de qualquer modo, lembra a posse de Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda de Itamar.
Ao assumir a economia com plenos poderes, FHC valeu-se do posto -- e do sucesso de um programa anti-inflacionário -- para pavimentar a candidatura presidencial, dois anos depois, quando fez uma campanha que era um desfile em carro aberto, vencido em primeiro turno. Se possuía adversários e concorrentes dentro e fora do PSDB, inclusive Lula, eles foram esterilizados pela virada na economia.
A hipótese de que um super-Meirelles possa repetir a história -- depois de fazer a parte infinitamente mais difícil, que é colocar a economia em crescimento, gerando empregos e melhorando a renda das pessoas, numa conjuntura internacional de incertezas permanentes-- incomoda o PT por razões óbvias.
A principal é que se um ministério Meirelles der certo a ponto de transformar o ministro em candidato a presidente, o Partido dos Trabalhadores estará, para todos os efeitos práticos, fora da campanha presidencial em 2018 e quem sabe de muitas outras.
Recrutado como uma aliado que se aceita como companhia indispensável por um determinado período, para realizar determinados serviços de emergência, pode transformar-se no dono da festa e aí a conversa é outra.
Do ponto de vista das ideias econômica, da visão de mundo e dos projetos de país, Meirelles sempre foi um estranho e até adversário do partido. Na mesma medida em que trouxe credibilidade dos mercados internacionais, em oito anos do governo Lula, sua política de juros altos pouco ajudou nos incentivos ao crescimento.
Meirelles foi alvo obrigatório de críticas feitas por economistas de prestigio junto a círculos importantes do empresariado, mas preocupados com o desenvolvimento econômico, a começar por Antônio Delfim Netto e Luiz Gonzaga Belluzzo, que chegou a ser sondado para substituí-lo no cargo. Em dezembro de 2008, quando o governo estava empenhado em impedir que o colapso internacional iniciado em Wall Street entrasse em nossas fronteiras, Meirelles manteve a taxa de juros em patamar elevado, num momento em que a necessidade de estímulos era uma necessidade óbvia da economia.
Com uma bem sucedida carreira no mercado financeiro internacional, ele sempre foi partidário da independência do Banco Central, uma velha bandeira da ortodoxia monetarista e um dos pontos de resistência dos governos do PT. Em 2014, a candidata Marina Silva trouxe essa questão para os debates presidenciais. Ao combater a ideia, ao mostrar a vinculação entre a adversária e os animais predadores do sistema financeiro, a campanha de Dilma consumou uma vitória importante no primeiro turno, indispensável para chegar com fôlego na etapa final.
A questão da semana passada era esta. Comparando a cartilha ideológica do ministro titular e daquele que é cotado para ocupar seu lugar, o senador Eunício Oliveira diz que "ambos são tucanos. É trocar seis por meia dúzia." Para um observador relativamente entediado com tantas mudanças antes do governo Dilma completar um ano, "quando passar a empolgação da novidade, que dura pouco, vai sobrar o que? Ninguém sabe."
Um assessor parlamentar do Partido dos Trabalhadores fala: "são jogadores que atuam na mesma posição e no mesmo esquema tático. Mas um é craque. O outro é perna de pau."
Um ministro que conviveu com os dois afirma: "o Meirelles pensa igual ao Levy mas é menos travado."
Entenda-se. Aliados de Lula argumentam, muito pragmaticamente, que Meirelles teria ouvidos mais sensíveis as sugestões do ex-presidente, podendo aceitar propostas capazes de suavizar uma recessão que se anuncia dia a dia mais terrível.
A tese é que, na prática, Lula passaria a mandar no governo -- e isso, para seus aliados, seria bom para o país. Os céticos lembram que desde o rascunho de sua candidatura, em 2008, se dizia que Dilma seria uma presidente de uma fidelidade absoluta a Lula. Não passaria de uma humilde cumpridora de ordens.
Para o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que há três meses defendeu, num aparte em plenário, que Henrique Meirelles fosse nomeado para o lugar de Levy, o ex-presidente do Banco Central "tem credibilidade. E é isso que o governo precisa."
Em agosto, Cristovam e os demais senadores do PDT jantaram com Dilma Rousseff para conversar sobre conjuntura política. No encontro, eles entregaram uma carta -- que foi lida em voz alta -- à presidente. No texto, de três páginas, cujos trechos o 247 divulga agora em primeira mão, eram feitas sete sugestões a Dilma, para resolver aquilo que apontavam como "nosso maior problema," que vem a ser "retomar a confiança na política, nos políticos e especialmente na Presidência da República."
Entre as proposições colocadas, a de numero 3 pedia que a presidente assumisse "que neste momento seu partido é o Brasil e não PT, PMDB, PDT, PC do B ou outros." (Também se sugeria que convidasse o PT a ter "um choque de modéstia e bom senso", saindo de uma postura de "negação da realidade, da agressividade das bravatas e ameaças").
Num exemplo que antecipava a moldura que um possível ministério Meirelles poderia assumir, a carta argumentava que Dilma deveria construir um governo "que unifique o país, tal qual o presidente Itamar fez depois do impeachment de seu antecessor".
Três meses depois, as principais sugestões seguiram no papel mas a própria realidade transformou a referência a Itamar numa possível profecia -- com mais elementos de realidade do que se poderia imaginar.
"Sou um político de esquerda mas conheço matemática," diz Cristovam, ao explicar seu apoio ao ajuste econômico e a indicação de Meirelles.
É um debate mais complicado quando se realiza fora dos gabinetes de Brasília. É fora dali, na verdade, que a credibilidade do PT está sendo moída. Eleita com 51,8% dos votos válidos, a reprovação popular de Dilma não tem origem em seus adversários mas entre seus eleitores.
Só um exemplo. Quem compareceu, na quarta-feira, em Brasília, a uma plenária de 500 delegados da Contag, a entidade que reúne lideranças de trabalhadores rurais e da agricultura familiar de todo país, pode entrar em contato com a base social que sustentou as quatro vitórias de Lula-Dilma. Ficou claro, ali, que o problema essencial do Planalto não se encontra na falta de credibilidade junto aos mercados -- que sempre foi relativa -- mas junto a população que garantiu a quarta vitória no ano passado, em condições especialmente difíceis.
Em agosto, a Contag organizou a 5a. Marcha das Margaridas em Brasília, quando 75 000 militantes do país inteiro desfilaram pela Esplanada, num ato impressionante pelo volume e pela combatividade, onde denunciaram o impeachment. Em ato realizado no Planalto, na ocasião, Dilma disse a uma plateia de movimentos sociais que já tinha cometido erros na vida "mas não tinha mudado de lado."
Na quarta-feira passada, em intervenções emocionadas em plenário militantes e dirigentes de base disseram que defendem um governo trouxe benefícios inegáveis aos assalariados e aos pobres em geral.Falaram de sua própria dignidade, repetindo "que têm lado". Ao mesmo tempo, deixaram claro que está cada vez mais difícil argumentar a favor do governo.
Num documento anterior ao encontro, sintomaticamente intitulado "Crise política e econômica: só temos a perder", os dirigentes da Contag afirmam que as "meditas tomadas no “ajuste fiscal” estão na contramão do projeto de governo “social-desenvolvimentista”, iniciado pelo Governo Lula que buscou fortalecer os bancos públicos, financiar a infraestrutura e investir nos setores prioritários para a economia crescer."
Referindo-se a um fato óbvio, de que a inflação sobe quando deveria cair, e a economia desaba quando já deveria encontrar-se em recuperação, como se argumentava no início do ano, o documento diz que o ajuste fiscal "não está surtindo o efeito esperado e está levando a economia para um ponto de inflexão e recessão. O aumento dos preços dos combustíveis e a elevação das tarifas dos serviços públicos: água, luz, telefone, entre outros, tem gerado aumento da inflação que impacta as condições de vida dos trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade que, mais uma vez, são chamados para pagar a conta. Com isso a crise aumenta e a credibilidade do governo cai. "
A compreensão de que por trás da dança de cadeiras da Fazenda opera-se uma mudança que envolve seu passado e seu futuro, onde vai surgir uma nova etapa histórica do Brasil e dos brasileiros, deveria estimular uma discussão interna no Partido dos Trabalhadores e no governo -- para além do universo de Levy e Meirelles.
Não é difícil perceber que o país se encontra a beira de uma situação tão complicada, tão difícil, que chega a ser pura ingenuidade acreditar em formulas consagradas por manuais e cartilhas que podem ter sido uteis no passado, mas não têm respostas para os impasses do presente, quando o governo precisa oferecer saída coerentes com sua própria conjuntura política -- diversa, por exemplo, do que faria um governo conservador.
Num país que ameaça fazer uma recessão de 3 pontos negativos em 2016, é absurdo argumentar que é preciso manter juros em alta para impedir a inflação -- pois ela nada tem a ver com a demanda, cada vez mais comprimida pela falta de dinheiro e pelo medo de um futuro sem emprego. Pode até ser uma boa ideia para quem nunca teve compromissos maiores com a sorte dos que se encontram nos patamares debaixo da sociedade, mas não tem sentido para quem uniu seu destino à sorte dos mais pobres e desprotegidos. A criação de uma modestíssima taxa de 10% sobre lucros e dividendos traria aos cofres público uma receita equivalente a duas CPMFs, numa mudança progressiva em nosso sistema tributário, pois levaria os mais ricos a pagar por rendimentos a que os mais pobres sequer têm acesso.
Mesmo economistas conservadores questionam a manutenção de uma reserva de U$ 370 bilhões de dólares, que se tornou um fardo pesadíssimo de carregar, quando poderia ser usado para estimular a retomada da economia. O debate deve ser feito antes que seja tarde.
A compreensão de que por trás da dança de cadeiras da Fazenda opera-se uma mudança que envolve sua própria história e seu futuro, poderia estimular uma discussão interna no Partido dos Trabalhadores e no governo -- para além do limitado universo de Levy e Meirelles.
Se ficar inteiramente a margem de um debate essencial para o destino de um governo que colocou de pé e sustenta desde 2002, o PT estará dando mais um passo no caminho que cedo ou tarde levará a sua destruição e a um retrocesso social que ninguém sabe até onde pode chegar. Esta é a questão.
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