Por Emiliano José, na revista Caros Amigos:
“A judicialização da política alcançou patamares alarmantes no Brasil. Sob o argumento de que vivemos sob uma democracia de direitos, o sistema de justiça passou a tutelar todas as áreas, interferindo em políticas públicas, imiscuindo-se no mérito do ato administrativo, desbordando de suas competências para envolver-se com assuntos que foram tradicionalmente conjugados conforme uma organização horizontal do poder, violando assim a autonomia dos poderes políticos, tudo submetido a jurídico. Essa tentativa de colonização do mundo da vida pelo jurídico se realiza mediante um alargamento do espectro argumentativo, desligando a argumentação jurídica de qualquer vinculação à lei.” [1]
A afirmação de Luiz Moreira, doutor em Direito e Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ex-integrante do Conselho Nacional do Ministério Público representando o Legislativo brasileiro, sintetiza o clima vivido pelo Brasil nos dias de hoje. Está corretíssimo quando diz ser necessário “desinterditar a política” em nosso País. O que está em causa é a política, é a organização da sociedade com base na política, é a supremacia da soberania popular sobre quaisquer outras pretensões de domínio, como a denunciada por ele – o sistema de justiça pretende-se hoje um poder acima de todos os outros, e atuando de modo a sufocar a atividade política por todos os lados.
Os tribunais têm-se tornado mais capazes e dispostos a limitar e regular o exercício da autoridade parlamentar, que as salas de audiência passaram a servir cada vez mais de lugar para a realização de política substantiva e que os juízes têm-se mostrado cada vez mais dispostos a regular a conduta da própria atividade política.
Outro autor, John Ferejohn, professor de Ciência Política na Universidade de Stanford, na publicação organizada por Moreira, afirma que os tribunais têm-se tornado mais capazes e dispostos a limitar e regular o exercício da autoridade parlamentar, que as salas de audiência passaram a servir cada vez mais de lugar para a realização de política substantiva e que os juízes têm-se mostrado cada vez mais dispostos a regular a conduta da própria atividade política, tentando criar padrões de comportamento para partidos políticos, autoridades eleitas ou nomeadas [2]. Voltando a Moreira, insistindo com ele, isso se tornou alarmante no Brasil, tem se tornado um fenômeno que supera qualquer mente conspirativa.
A conjuntura marcada pela judicialização reclamaria texto muito maior. Caros Amigos já se debruçou sobre o assunto recentemente.
Queria tratar aqui do ministro Jaques Wagner, governador da Bahia por duas vezes, articulador vitorioso de sua sucessão, maior liderança política do estado nos últimos dez anos. Até os dias de hoje, em sua longa trajetória política, nunca houve qualquer denúncia real que atingisse sua integridade, nada que arranhasse sua reputação de homem da política, e da política no melhor sentido, primeiro no sindicato de trabalhadores petroquímicos, depois no Parlamento, depois no governo, sempre na luta pela democracia, contra a ditadura, contra a odiosa oligarquia baiana de então.
Bastou que ele se tornasse, por sua competência, por sua capacidade política, o principal articulador do governo da presidenta Dilma, para que o fenômeno da judicialização se manifestasse de modo agressivo e impróprio. Não importa que a leitura dos chamados vazamentos não indique qualquer crime, qualquer irregularidade, qualquer improbidade, qualquer desvio de conduta em relação ao cargo que ocupava – o de governador. O que importa, para cair no jargão popular, é jogar o barro na parede pra ver se pega. E isso se faz num conhecido ping-pong, numa casadinha entre a mídia hegemônica e o Judiciário. Há uma óbvia combinação entre esses dois atores, coisa que não dá mais para esconder.
O que impressiona no clima da judicialização é a natureza partidária do fenômeno, que se manifesta na obscena seletividade.
Faço ligeira digressão: Wagner, combatendo Antônio Carlos Magalhães, vencendo-o em 2006, nunca o citou. Discutia programa, mostrava o quanto aquele sistema oligárquico era nocivo ao povo baiano. Insistia-se para que ele o citasse, e ele não o fazia. Ao falar na seletividade, também não quero citar nomes. só quero dizer que o ataque frontal nos vazamentos, que por si são ilegais, na casadinha mídia-judiciário, é sempre ao PT, ao governo, e aos membros do governo, e, mais ainda, àqueles que eventualmente comecem a se destacar, como o caso de Wagner. Outros partidos e pessoas sobre quem recaem denúncias de grande monta passam ilesos, com o sistema de justiça fazendo ouvidos de mercador, evidenciando a natureza partidária do judiciário e da mídia hegemônica, assim como sua seletividade.
Volte-se: o que está em causa é se vamos ou não desinterditar a política. Se vamos garantir a soberania do voto. Se vamos respeitar as decisões majoritárias do povo.
Wagner sabe que pode andar de cabeça erguida. Isso não basta. Fundamental é que discutamos novas estruturas democráticas do Estado brasileiro, que garantam a hegemonia popular, que descartem a partidarização das instituições, que recuperem o equilíbrio entre os chamados três poderes, que não permitam tanta supressão de direitos universais, como vem ocorrendo nessa quadra recente no País. Ou fazemos isso, ou continuaremos a experimentar novos tipos de supressão das liberdades, mesmo em meio a um Estado formalmente de Direito.
Notas
1- MOREIRA, Luiz. “A Judicialização da Política no Brasil: negação às urnas?” Introdução ao livro Judicialização da política, organização Luiz Moreira, vários autores – 1ª ed. – São Paulo : 22 Editorial, 2012, p. 5.
2- FEREJOHN, John. Judicializando a Política, Politizando o Direito. Obra citada, p. 63.
* Emiliano José é jornalista, escritor, doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (aposentado).
“A judicialização da política alcançou patamares alarmantes no Brasil. Sob o argumento de que vivemos sob uma democracia de direitos, o sistema de justiça passou a tutelar todas as áreas, interferindo em políticas públicas, imiscuindo-se no mérito do ato administrativo, desbordando de suas competências para envolver-se com assuntos que foram tradicionalmente conjugados conforme uma organização horizontal do poder, violando assim a autonomia dos poderes políticos, tudo submetido a jurídico. Essa tentativa de colonização do mundo da vida pelo jurídico se realiza mediante um alargamento do espectro argumentativo, desligando a argumentação jurídica de qualquer vinculação à lei.” [1]
A afirmação de Luiz Moreira, doutor em Direito e Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ex-integrante do Conselho Nacional do Ministério Público representando o Legislativo brasileiro, sintetiza o clima vivido pelo Brasil nos dias de hoje. Está corretíssimo quando diz ser necessário “desinterditar a política” em nosso País. O que está em causa é a política, é a organização da sociedade com base na política, é a supremacia da soberania popular sobre quaisquer outras pretensões de domínio, como a denunciada por ele – o sistema de justiça pretende-se hoje um poder acima de todos os outros, e atuando de modo a sufocar a atividade política por todos os lados.
Os tribunais têm-se tornado mais capazes e dispostos a limitar e regular o exercício da autoridade parlamentar, que as salas de audiência passaram a servir cada vez mais de lugar para a realização de política substantiva e que os juízes têm-se mostrado cada vez mais dispostos a regular a conduta da própria atividade política.
Outro autor, John Ferejohn, professor de Ciência Política na Universidade de Stanford, na publicação organizada por Moreira, afirma que os tribunais têm-se tornado mais capazes e dispostos a limitar e regular o exercício da autoridade parlamentar, que as salas de audiência passaram a servir cada vez mais de lugar para a realização de política substantiva e que os juízes têm-se mostrado cada vez mais dispostos a regular a conduta da própria atividade política, tentando criar padrões de comportamento para partidos políticos, autoridades eleitas ou nomeadas [2]. Voltando a Moreira, insistindo com ele, isso se tornou alarmante no Brasil, tem se tornado um fenômeno que supera qualquer mente conspirativa.
A conjuntura marcada pela judicialização reclamaria texto muito maior. Caros Amigos já se debruçou sobre o assunto recentemente.
Queria tratar aqui do ministro Jaques Wagner, governador da Bahia por duas vezes, articulador vitorioso de sua sucessão, maior liderança política do estado nos últimos dez anos. Até os dias de hoje, em sua longa trajetória política, nunca houve qualquer denúncia real que atingisse sua integridade, nada que arranhasse sua reputação de homem da política, e da política no melhor sentido, primeiro no sindicato de trabalhadores petroquímicos, depois no Parlamento, depois no governo, sempre na luta pela democracia, contra a ditadura, contra a odiosa oligarquia baiana de então.
Bastou que ele se tornasse, por sua competência, por sua capacidade política, o principal articulador do governo da presidenta Dilma, para que o fenômeno da judicialização se manifestasse de modo agressivo e impróprio. Não importa que a leitura dos chamados vazamentos não indique qualquer crime, qualquer irregularidade, qualquer improbidade, qualquer desvio de conduta em relação ao cargo que ocupava – o de governador. O que importa, para cair no jargão popular, é jogar o barro na parede pra ver se pega. E isso se faz num conhecido ping-pong, numa casadinha entre a mídia hegemônica e o Judiciário. Há uma óbvia combinação entre esses dois atores, coisa que não dá mais para esconder.
O que impressiona no clima da judicialização é a natureza partidária do fenômeno, que se manifesta na obscena seletividade.
Faço ligeira digressão: Wagner, combatendo Antônio Carlos Magalhães, vencendo-o em 2006, nunca o citou. Discutia programa, mostrava o quanto aquele sistema oligárquico era nocivo ao povo baiano. Insistia-se para que ele o citasse, e ele não o fazia. Ao falar na seletividade, também não quero citar nomes. só quero dizer que o ataque frontal nos vazamentos, que por si são ilegais, na casadinha mídia-judiciário, é sempre ao PT, ao governo, e aos membros do governo, e, mais ainda, àqueles que eventualmente comecem a se destacar, como o caso de Wagner. Outros partidos e pessoas sobre quem recaem denúncias de grande monta passam ilesos, com o sistema de justiça fazendo ouvidos de mercador, evidenciando a natureza partidária do judiciário e da mídia hegemônica, assim como sua seletividade.
Volte-se: o que está em causa é se vamos ou não desinterditar a política. Se vamos garantir a soberania do voto. Se vamos respeitar as decisões majoritárias do povo.
Wagner sabe que pode andar de cabeça erguida. Isso não basta. Fundamental é que discutamos novas estruturas democráticas do Estado brasileiro, que garantam a hegemonia popular, que descartem a partidarização das instituições, que recuperem o equilíbrio entre os chamados três poderes, que não permitam tanta supressão de direitos universais, como vem ocorrendo nessa quadra recente no País. Ou fazemos isso, ou continuaremos a experimentar novos tipos de supressão das liberdades, mesmo em meio a um Estado formalmente de Direito.
Notas
1- MOREIRA, Luiz. “A Judicialização da Política no Brasil: negação às urnas?” Introdução ao livro Judicialização da política, organização Luiz Moreira, vários autores – 1ª ed. – São Paulo : 22 Editorial, 2012, p. 5.
2- FEREJOHN, John. Judicializando a Política, Politizando o Direito. Obra citada, p. 63.
* Emiliano José é jornalista, escritor, doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (aposentado).
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