De 15 para 16 de setembro de 2006. Uma equipe da Polícia Federal prende “aloprados” do PT com dinheiro vivo em um motel de São Paulo. Eles supostamente tentavam comprar um dossiê contra José Serra, candidato do PSDB ao governo de São Paulo.
O jornalista investigativo Amaury Ribeiro Jr. diz que foi uma ação de contra-inteligência. Algo comum nos bastidores de campanha. Você joga uma isca, a campanha adversária morde e, além de posar de vítima, você tem um argumento para tentar “virar” a eleição de última hora.
Estávamos, então, na reta final da campanha de 2006. Lula candidato à reeleição, Geraldo Alckmin encabeçando a chapa tucana. A TV Globo de São Paulo despachou uma equipe para cobrir a chegada dos “aloprados” presos à sede da PF em São Paulo.
Ao chegar, o repórter da Globo notou que tinha companhia: a primeira equipe de TV no local era da produtora a serviço de Alckmin. Curioso, não? Será que a campanha de Alckmin foi a primeira a saber das prisões, antes mesmo que a Globo?
O fato é que deu certo. Alckmin usou o episódio na reta final. Conseguiu levar a eleição para o segundo turno. A mídia explorou o episódio diuturnamente, colocando o PT na defensiva.
O delegado Edmilson Bruno, da PF, deu o toque derradeiro: vazou as fotos do dinheiro apreendido na antevéspera do primeiro turno.
A eleição foi disputada com o presidente da República retratado com um capuz na primeira página da Folha e doEstadão, logo abaixo das fotos do dinheiro dos aloprados. Uma forma pouco sutil dos Frias e Mesquita de dizer que Lula era bandido.
Eu já havia narrado anteriormente que, como repórter do Jornal Nacional, testemunhei pessoalmente o esquema pelo qual os barões da mídia fazem avançar seus interesses políticos e econômicos: a famosa repercussão da capa da Veja.
Ela sai na sexta, no sábado ganha espaço no Jornal Nacional com reprodução acrítica, ou seja, sem que as informações sejam checadas de forma independente. No domingo é publicada na Folha, no Estadão e em O Globo. E, assim, o assunto ganha pernas.
Nos últimos dias vimos a reprise.
Primeiro, a capa da revista Veja: A Hora da Verdade, anunciando o enterro de Lula a partir de pré-julgamento de um promotor paulista.
Em seguida, mais uma etapa da Operação Lava Jato, batizada pela PF de Triplo X.
O Jornal Nacional mergulha no assunto. Folha e Estadão repercutem e trazem “novidades”.
A Folha, requentando a Veja, fala na reforma de um sítio supostamente bancada pela Odebrechet. Acha um barco de alumínio que “liga” Lula ao sítio.
É tudo assim, na base da presunção: Lula seria o dono oculto do triplex reformado pela OAS e seria o dono oculto do sítio por ter deixado lá, com nota fiscal e tudo, um barco de alumínio. O ex-presidente nega ter recebido favores de empreiteiras.
Esta presunção de culpa é reservada a Lula e aos inimigos políticos; o mesmo não se dá com FHC, Aécio Neves, José Serra, Geraldo Alckmin…
Como sempre denunciamos, desde 2006, dois pesos, duas medidas.
Um distorção que tem consequências políticas óbvias.
Tudo se parece com 1989, quando Lula concorreu ao Planalto pela primeira vez contra Fernando Collor. Este o acusou, então, de ser dono de um luxuoso aparelho de som três em um, supostamente incompatível com a renda do operário do ABC. Era uma forma de retratar Lula como traidor de classe.
A tática, agora, é a mesma. Lula se diz defensor dos pobres mas enriqueceu no Planalto, gritam as manchetes. Tanto, que ia desfrutar de um luxuoso triplex no Guarujá. E ganhou churrasqueira nova para seus fins-de-semana de pesca num sítio em Atibaia.
Não é preciso esperar pelos desdobramentos das investigações. Pelo devido processo legal. Isso é acessório. O importante, calcula a oposição, é gerar a espuma que corroa ainda mais a imagem de Lula.
O objetivo é queimá-lo com o que restou de seu eleitorado, especialmente no Nordeste.”Ele arranjou uma boquinhas enquanto estava no Planalto”, anunciam nas manchetes os barões midiáticos.
As acusações sobre o triplex e o sítio acontecem num momento em que a opinião pública já está saturada de denúncias de corrupção. Caem, portanto, em solo fértil. O ódio contra o PT e petistas chegou aos grotões. Faz tempo. Prova disso é que milhões de brasileiros acreditam que um dos filhos do Lula é dono da Friboi - e isso a partir de mentira disseminada nas redes sociais.
Lula governou para os ricos, mas reservou algumas migalhas para os pobres. Um luxo que o Brasil, na visão da elite neoliberal, só podia sustentar enquanto estava crescendo. Na crise, Lula se tornou um estorvo ainda maior. Para enfraquecê-lo, pensando em 2018, é preciso tomar do PT a Prefeitura de São Paulo. É disso que se trata, agora: solapar as bases de uma nova candidatura do Lula carimbando o principal cabo eleitoral de Fernando Haddad: corrupto.
Ouvi, do senador Roberto Requião, a seguinte história, que o Renato Rovai reproduziu em seu blog:
Segundo ele [Requião], no primeiro mandato de Lula, quando era governador, foi ao encontro do presidente e lhe contou o que havia feito na comunicação do Paraná, onde acabou com a verba publicitária e investiu todos os recursos na TV Educativa local. Lula teria se animado com o que ouviu e pediu-lhe que conversasse com o então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Requião foi ao quarto andar do Palácio e enquanto contava ao ex-ministro sobre o quanto a TV Educativa estava sendo importante para o governo, Zé Dirceu teria lhe interrompido e dito: “Requião, mas o governo também tem uma TV”. Isso aconteceu antes da criação da TV Brasil, que se deu no segundo mandato de Lula. Requião teria ficado surpreso e perguntou: “Mas que TV, Zé?”. Ao que o então ministro respondeu: “A Globo, Requião.”
José Dirceu e Lula chegaram ao poder apostando tudo na conciliação de classes. Experimentam, agora, o poder da guerra de classes movida pelos barões da mídia. Você pode até esquecer que nasceu pobre, foi do pau-de-arara ao Planalto, dividiu a mesa e serviu aos ricaços. Mas quem está “por cima” não esquece nunca…
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