É quase impossível que exista no mundo algum outro país em que juízes, desembargadores, ministros de tribunais superiores e integrantes do Poder Judiciário em geral apareçam tanto na mídia como acontece hoje no Brasil. Não é um bom sinal com certeza, sobretudo quando se considera o tipo de noticiário em que costumam aparecer. Ou é porque estão envolvidos em alguma trama política, como no julgamento da farsa do “mensalão”, ou ameaçando alguém com politicagem barata como fizeram os três patetas que pediram a prisão preventiva do ex-presidente Luiz Inácio da Silva.
Agora, dois chicaneiros conhecidos do Judiciário, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, um famoso jagunço da direita, e o juiz midiático de primeira instância Sérgio Moro, estão ameaçando nada mais, nada menos do que o governo com ações que serão julgadas por colegas nas instâncias acima deles. O primeiro, um chicaneiro de longa data e conhecido golpista de carteirinha, suspendeu a posse de Lula no cargo de ministro-chefe da Casa Civil, atendendo à manobra dos partidos direitistas PPS e PSDB, devolvendo o caso para as mãos do segundo, um fascista empedernido.
Algozes do Judiciário
O Judiciário, se fosse democrático e comprometido com os brasileiros, deveria levar em conta a realidade econômica e social do país. Mas o que se tem são chicanas e mais chicanas. Vivem, através das suas associações de classe, publicando manifestos a favor de si próprios. Vão a resorts de luxo, com despesas pagas por gente de quem deveriam estar longe, e ficam revoltados quando se divulga informações sobre isso. Com frequência inquietante, e pelo país inteiro, saem notícias sobre magistrados investigados ou processados por ofensas ao Código Penal. Episódios de conduta incompatível com a função judicial tornam-se cada vez mais comuns.
Brasília, então, é um capítulo à parte. Juízes das mais altas instâncias do país vivem em estado de aberta promiscuidade com advogados dos grandes escritórios do Rio de Janeiro, de São Paulo e de lá mesmo, políticos envolvidos em processos de corrupção e grandes empresários enrolados com a Justiça - para não falar de réus com processos em andamento. Cruzam-se em festas de aniversário, casamentos, feijoadas, torneios de golfe. Em vez de esconderem, advogados exibem em público sua amizade com magistrados, deixando correr a impressão de que podem ganhar qualquer causa; seus honorários não sofrem nada com isso.
Diante de tudo isso, é natural a reação de Lula às chicanas contra ele - sua inclinação a falar exatamente o que pensa e sua pouca paciência para adoçar o que fala têm sido insidiosamente usadas pela mídia para jogá-lo contra seus algozes do Judiciário. Mas ele tem inteira razão. O Judiciário vive sendo acusado de gravissímos problemas causados pela infiltração de bandidos escondidos atrás da toga, um fato notório uma vez que a todo momento, e em todo o Brasil, vêm a público denúncias de corrupção entre juízes, desembargadores ou ministros dos tribunais superiores.
Conduta criminosa
O que existe de real é que a situação do Judiciário brasileiro nunca foi tão calamitosa como hoje - o que realmente ameaça a democracia é a impunidade para juízes criminosos. Isso deveria ser dito pelos que saem em defesa das maracutaias de Gilmar Mendes e Sérgio Moro. Mas é claro que isso não é dito. Como acontece com tantos outros magistrados hoje em dia, eles contam com a conduta de pares tão anti-éticos como eles, que acreditam que seus deveres de solidariedade com a categoria vêm antes de seus deveres como juiz. É uma pena que esse apoio não se estenda aos milhares de juízes honestos que existem no Brasil e que podem perder a vida por causa de sua integridade.
Sérgio Moro cometeu evidentes violações da legalidade com seus grampos e vazamentos de conversas privadas para a mídia. Não adianta o procurador-geral da República, Rodrigo Jonot, dourar a pílula ao dizer que o grampo era no alvo - Lula - e não na presidenta da República, Dilma Rousseff, porque a lei define o cargo, não a circunstância. Vista de outro ângulo, a ilegalidade de Sérgio Moro aparece também no conluio com a mídia, especialmente a revista Veja e a TV Globo.
Além da conhecida conduta criminosa desses veículos, é preciso levar em conta que liberdade de expressão não é um direito hierarquicamente superior aos demais direitos e garantias individuais e coletivas. Na Constituição está no mesmo patamar o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas. Todos igualmente invioláveis e indispensáveis. É preciso haver um equilíbrio entre eles. A defesa da liberdade de expressão exige protegê-la contra abusos como estes. Na democracia, são tarefas conciliáveis.
Linha política
Moro violou claramente a Constituição ao vazar para quadrilhas midiáticas conteúdos de gravações feitas com o intuito de atingir a imagem pública de acusados sem nenhuma (umazinha sequer) possibilidade de prova de qualquer ato ilícito. Ilações, suposições, calúnias e perseguições políticas não podem substituir qualquer denúncia que se preze. Essa conduta do juiz paranaense não está dissociada da denunciamania golpista recente da mídia, quando não faltaram teorias sem fatos - matéria-prima indispensável a qualquer informação séria -, uma combinação quase macabra entre interesses de correntes político-ideológicas e grupos que controlam a circulação de informações com mão de ferro.
Desde o início da crise política, há basicamente dois tipos de país: aquele que entrou de cabeça na denunciamania e aquele que não o fez. No primeiro time, estão quase todos os pregoeiros do projeto político da direita. No segundo, estão aqueles que querem que o Brasil mude efetivamente. O caso “mensalão” foi o grande deflagrador da denunciamania da mídia golpista. Não que a gritaria não existisse antes, mas com aquela farsa ela chegou a um paroxismo histérico que nunca mais se desprendeu do noticiário. Depois disso, vieram “escândalos” em série e todos se revelaram capazes apenas de degradar a palavra “escândalo”, dada sua miserável insignificância.
Diante desses dois tipos de país, o que interessa saber é o seguinte: a linha política que vem sendo executada pelo governo está indo na direção certa? Muito mais importante do que saber se a bolsa vai subir ou cair, se as reações do mercado financeiro foram favoráveis ou não, se o fluxo de câmbio fechou o dia com superávit ou déficit, é ver se os atos do governo estão tentando acrescentar mais respostas “sim” ao questionário que a maioria dos brasileiros tem apresentado diante da crítica situação do país. Sem o foguetório da mídia, a reposta é sim, sim e sim. Óbvio que muita coisa precisa de concerto, mas aí são outros quinhentos.
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