Por Juarez Guimarães, no site Carta Maior:
Em um golpe na democracia que se realiza por dentro das instituições jurídicas e parlamentares contra a Constituição e a soberania popular, a relação entre o uso da legitimidade e da força é diferente daquela necessária a um golpe militar. Neste último, como em 1964, o uso da força militar resolve o impasse da disputa de legitimidade. Mas mesmo neste caso, como a direção golpista das Forças Armadas aprendeu com a derrubada de Getúlio em 1954 e as tentativas frustradas de golpe contra Juscelino e pelo impedimento da posse de Jango Goulart, é necessária alguma base de legitimação de massas.
Na modalidade de tentativa de golpe na democracia que está agora em curso, a disputa da legitimidade democrática é decisiva. E há evidências de sobra que esta batalha decisiva está sendo perdida pelos golpistas.
As evidências mais exuberantes são as manifestações democráticas que, retomadas neste ano nos atos do dia 18 de março, continuam a florescer, com centenas de milhares, por todo país. No dia 31 de março, embora a manifestação em São Paulo continuasse muito massiva, o epicentro político se deslocou para o grande ato de Brasília, para a bela manifestação com Chico Buarque no Rio de Janeiro e para a grande retomada das ruas pela esquerda em Porto Alegre e em mais vinte cidades gaúchas. No dia 2 de abril, foi a vez de Fortaleza em vigoroso ato com a presença de Lula.
O grito “não vai ter golpe”, definitivamente, tomou as ruas, as redes e os ares do Brasil. E ganhou, pela primeira vez, um estatuto internacional com manifestações simbólicas e combativas em muitas capitais do mundo, a começar por Lisboa e Coimbra, exorcizando o seminário golpista organizado por Gilmar Mendes. A deslegitimação internacional do golpe está bastante avançada, não apenas na América Latina, mas em artigos publicados nos jornais de maior circulação, e isto é fundamental nestes novos tempos em que até a globalização neoliberal faz um apelo retórico à democracia.
Em um golpe na democracia que se realiza por dentro das instituições jurídicas e parlamentares contra a Constituição e a soberania popular, a relação entre o uso da legitimidade e da força é diferente daquela necessária a um golpe militar. Neste último, como em 1964, o uso da força militar resolve o impasse da disputa de legitimidade. Mas mesmo neste caso, como a direção golpista das Forças Armadas aprendeu com a derrubada de Getúlio em 1954 e as tentativas frustradas de golpe contra Juscelino e pelo impedimento da posse de Jango Goulart, é necessária alguma base de legitimação de massas.
Na modalidade de tentativa de golpe na democracia que está agora em curso, a disputa da legitimidade democrática é decisiva. E há evidências de sobra que esta batalha decisiva está sendo perdida pelos golpistas.
As evidências mais exuberantes são as manifestações democráticas que, retomadas neste ano nos atos do dia 18 de março, continuam a florescer, com centenas de milhares, por todo país. No dia 31 de março, embora a manifestação em São Paulo continuasse muito massiva, o epicentro político se deslocou para o grande ato de Brasília, para a bela manifestação com Chico Buarque no Rio de Janeiro e para a grande retomada das ruas pela esquerda em Porto Alegre e em mais vinte cidades gaúchas. No dia 2 de abril, foi a vez de Fortaleza em vigoroso ato com a presença de Lula.
O grito “não vai ter golpe”, definitivamente, tomou as ruas, as redes e os ares do Brasil. E ganhou, pela primeira vez, um estatuto internacional com manifestações simbólicas e combativas em muitas capitais do mundo, a começar por Lisboa e Coimbra, exorcizando o seminário golpista organizado por Gilmar Mendes. A deslegitimação internacional do golpe está bastante avançada, não apenas na América Latina, mas em artigos publicados nos jornais de maior circulação, e isto é fundamental nestes novos tempos em que até a globalização neoliberal faz um apelo retórico à democracia.
As evidências podem ser verificadas também pela negativa, isto é, pela crescente deslegitimação dos principais personagens, símbolos e instrumentos do golpe.
A começar por Temer: em um golpe como esse, a passagem para a imaginação de um novo governo é um momento crucial. O futuro governo Temer, tratado já como realidade imperativa pela mídia golpista, agora é passado: está profunda e definitivamente desmoralizado.
A dupla Moro-Janot vive certamente o seu maior momento de deslegitimação pública desde o início da Operação Lava-Jato. A sua corrupção e o seu reiterado partidarismo, a sua seletividade e seu caráter de facção, estão cada vez mais desnudados para a opinião pública. Aquela que seria a sua consagração no meio jurídico – o apoio quase unânime do Conselho Federal da OAB – tornou-se o seu contrário: questionada por quatro ex-presidentes democráticos da entidade, contestada por um manifesto de oito mil advogados e juristas, ironizada até pelo bandido Cunha.
Esta deslegitimação se volta agora cada vez com maior força aos grandes veículos da mídia golpista. O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto realizou o maior ato da história contra a Rede Globo em São Paulo, com dezenas de milhares de pessoas. Muitos artistas da própria Globo já vieram a público protestar contra o golpe promovido por seus patrões.
Em uma luta pela hegemonia, vence quem põe a questão que o adversário é obrigado a responder. E a retórica golpista, ali mesmo onde ela se produz e reproduz, está cada vez mais sob interpelação: no argumento vago e impreciso de FHC em seu artigo dominical em O Estado de São Paulo, no editorial cínico de Otávio Frias, no argumento defensivo do editorial de O Globo, na cisão oportunista de Aécio ao se pronunciar em Lisboa que o PSDB não participará de um governo que não seja eleito pelo voto.
Se a campanha das diretas já marcou a consciência do fim da ditadura militar, a resistência democrática ao golpe hoje é o sinal histórico de sua maturidade. Enquanto consciência popular, a democracia brasileira está já além de suas instituições jurídicas, midiáticas e parlamentares.
A disputa da legalidade
Esta derrota dos golpistas no campo da legitimidade democrática, está criando pela primeira vez uma fratura cada vez maior na dinâmica de legitimação midiática da violação do devido processo legal e da Constituição que vinha sendo feita pela Operação Lava-Jato desde os seus inícios.
O ponto de inversão foi certamente o episódio do depoimento coercitivo do ex-presidente Lula pelo juiz Moro e suas imediatas reações. Ali o juiz Moro ficou, pela primeira vez, isolado.Depois, veio o episódio grotesco dos procuradores de São Paulo a pedir a prisão de Lula. Ficaram desmoralizados. Seguiu-se a mais criminosa ainda divulgação dos grampos do ex-presidente Lula, da presidenta Dilma e dos escritórios de advogados de defesa, pelo juiz Moro e autorizada por Janot. Moro, desta vez, sofreu uma condenação generalizada.
Na sequência, a liminar escandalosamente ilegal concedida por Gilmar Mendes a um pedido de sua própria funcionária para impedimento da posse de Lula e para a continuidade de seu processo em Curitiba, seguida pela peça absurda de janot, que indicava ao STF o não impedimento da posse de Lula como ministro mas a continuidade de sua investigação por Moro. Ambos foram, por unanimidade, derrotados pelos juízes do STF.
Se o impeachment é previsto na Constituição, a caracterização do crime de responsabilidade da presidenta Dilma foi sempre a grande impossibilidade argumentativa dos golpistas. A atualização, didática e defintiva, dos argumentos que demonstram esta impossibilidade argumentativa está no longo ensaio “Afinal, a quem a OAB representa? O pedido de impeachment pela OAB e a tentativa de golpe de Estado em curso no Brasil”, dos professores de Direito Constitucional Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia, Diogo Bacha e Silva e, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Paulo Roberto Vecchiatto, no site Empório do Direito, de 31 de março de 2016.
Fundamental neste processo tem sido o reposicionamento do governo Dilma, através do seu novo Ministro da Justiça. Lembre-se que até janeiro o governo Dilma e o ex-ministro da Justiça davam ainda cobertura de legitimidade às ações da Lava-Jato, apesar do seu caráter nitidamente corrompido e golpista. Agora, não: a palavra do novo Ministro Aragão, sóbria, exata, firme, tem estabelecido e cobrado novos padrões de respeito à legalidade e à não instrumentalização do poder judiciário, da Polícia Federal e da Procuradoria Geral da República.
Governabilidade e derrota do impeachment
Na divisão de trabalho midiático dos golpistas, coube certamente às empresas Folha de S. Paulo e Uol, com suas reservas de credibilidade informativa e de pluralismo mesmo muito restringido, o grande papel na disputa entre os formadores de opinião. Se a Rede Globo se comunica com as massas, junto com as rádios noticiosas como a CBN, se os colunistas do PSDB, espalhados por quase todos os jornais brasileiros, pregam para os já convertidos, as empresas de Frias contam decerto com alguma reserva de credibilidade para o público.
Ora, no plano da opinião editorial, da agenda, do enquadramento da notícia, da análise e da formação de opinião, as empresas de Frias certamente merecem um estudo à parte. Como praticam a desinformação sistemática, o pluralismo de exceção, a fraude permanente dos princípios básicos do jornalismo! Há dois anos viemos tomando conhecimento, dia a dia, da queda iminente do governo Dilma.
Quantas manchetes – neste jornalismo cínico de ficção – foram dadas à montagem de ministério do governo... Temer. Quantas análises montadas em opiniões dadas anonimamente, atribuídas a fulano, quantas especulações formadas a partir de um se estrategicamente posicionado, quanta informação distorcida, retirada do contexto, direcionada até em sentido contrário ao original. Uma retranca “Governo sitiado” acondiciona tudo: na ausência de um golpe militar, a Folha/Uol já decretou o estado de sítio?
E, no entanto, como hoje já se noticia, a maioria necessária para o impeachment parece estar longe de ser alcançada. Será que ela tem o mesmo estatuto ontológico do futuro governo Temer?
Logo, saberemos. Se o PMDB continua tão dividido, se o agora chamado “baixo clero” se movimenta fisiologicamente em massa em direção ao governo Dilma (uma pergunta ao UOL: será Eduardo Cunha um membro do “alto clero?”), não será por que há muita incerteza e dúvida quanto à aprovação do impeachment?
Neste movimento dos barcos – os ratos já começam a pular fora do barco furado do impeachment, a começar por quem mais o promove, como o editor da Folha de S. Paulo? – pode vir a ser decisiva a entrada do ex-presidente Lula para dar um novo horizonte e uma nova direção à nau do governo Dilma.
Nestas próximas duas semanas, as ruas e as redes vão ecoar cada vez mais alto o “não vai ter golpe”. É hora do governo Dilma afirmar em alto e bom som, como uma vez afirmou o ministro do Trabalho, Miguel Rossetto, que “haverá democracia e haverá mais direitos”!
A começar por Temer: em um golpe como esse, a passagem para a imaginação de um novo governo é um momento crucial. O futuro governo Temer, tratado já como realidade imperativa pela mídia golpista, agora é passado: está profunda e definitivamente desmoralizado.
A dupla Moro-Janot vive certamente o seu maior momento de deslegitimação pública desde o início da Operação Lava-Jato. A sua corrupção e o seu reiterado partidarismo, a sua seletividade e seu caráter de facção, estão cada vez mais desnudados para a opinião pública. Aquela que seria a sua consagração no meio jurídico – o apoio quase unânime do Conselho Federal da OAB – tornou-se o seu contrário: questionada por quatro ex-presidentes democráticos da entidade, contestada por um manifesto de oito mil advogados e juristas, ironizada até pelo bandido Cunha.
Esta deslegitimação se volta agora cada vez com maior força aos grandes veículos da mídia golpista. O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto realizou o maior ato da história contra a Rede Globo em São Paulo, com dezenas de milhares de pessoas. Muitos artistas da própria Globo já vieram a público protestar contra o golpe promovido por seus patrões.
Em uma luta pela hegemonia, vence quem põe a questão que o adversário é obrigado a responder. E a retórica golpista, ali mesmo onde ela se produz e reproduz, está cada vez mais sob interpelação: no argumento vago e impreciso de FHC em seu artigo dominical em O Estado de São Paulo, no editorial cínico de Otávio Frias, no argumento defensivo do editorial de O Globo, na cisão oportunista de Aécio ao se pronunciar em Lisboa que o PSDB não participará de um governo que não seja eleito pelo voto.
Se a campanha das diretas já marcou a consciência do fim da ditadura militar, a resistência democrática ao golpe hoje é o sinal histórico de sua maturidade. Enquanto consciência popular, a democracia brasileira está já além de suas instituições jurídicas, midiáticas e parlamentares.
A disputa da legalidade
Esta derrota dos golpistas no campo da legitimidade democrática, está criando pela primeira vez uma fratura cada vez maior na dinâmica de legitimação midiática da violação do devido processo legal e da Constituição que vinha sendo feita pela Operação Lava-Jato desde os seus inícios.
O ponto de inversão foi certamente o episódio do depoimento coercitivo do ex-presidente Lula pelo juiz Moro e suas imediatas reações. Ali o juiz Moro ficou, pela primeira vez, isolado.Depois, veio o episódio grotesco dos procuradores de São Paulo a pedir a prisão de Lula. Ficaram desmoralizados. Seguiu-se a mais criminosa ainda divulgação dos grampos do ex-presidente Lula, da presidenta Dilma e dos escritórios de advogados de defesa, pelo juiz Moro e autorizada por Janot. Moro, desta vez, sofreu uma condenação generalizada.
Na sequência, a liminar escandalosamente ilegal concedida por Gilmar Mendes a um pedido de sua própria funcionária para impedimento da posse de Lula e para a continuidade de seu processo em Curitiba, seguida pela peça absurda de janot, que indicava ao STF o não impedimento da posse de Lula como ministro mas a continuidade de sua investigação por Moro. Ambos foram, por unanimidade, derrotados pelos juízes do STF.
Se o impeachment é previsto na Constituição, a caracterização do crime de responsabilidade da presidenta Dilma foi sempre a grande impossibilidade argumentativa dos golpistas. A atualização, didática e defintiva, dos argumentos que demonstram esta impossibilidade argumentativa está no longo ensaio “Afinal, a quem a OAB representa? O pedido de impeachment pela OAB e a tentativa de golpe de Estado em curso no Brasil”, dos professores de Direito Constitucional Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia, Diogo Bacha e Silva e, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Paulo Roberto Vecchiatto, no site Empório do Direito, de 31 de março de 2016.
Fundamental neste processo tem sido o reposicionamento do governo Dilma, através do seu novo Ministro da Justiça. Lembre-se que até janeiro o governo Dilma e o ex-ministro da Justiça davam ainda cobertura de legitimidade às ações da Lava-Jato, apesar do seu caráter nitidamente corrompido e golpista. Agora, não: a palavra do novo Ministro Aragão, sóbria, exata, firme, tem estabelecido e cobrado novos padrões de respeito à legalidade e à não instrumentalização do poder judiciário, da Polícia Federal e da Procuradoria Geral da República.
Governabilidade e derrota do impeachment
Na divisão de trabalho midiático dos golpistas, coube certamente às empresas Folha de S. Paulo e Uol, com suas reservas de credibilidade informativa e de pluralismo mesmo muito restringido, o grande papel na disputa entre os formadores de opinião. Se a Rede Globo se comunica com as massas, junto com as rádios noticiosas como a CBN, se os colunistas do PSDB, espalhados por quase todos os jornais brasileiros, pregam para os já convertidos, as empresas de Frias contam decerto com alguma reserva de credibilidade para o público.
Ora, no plano da opinião editorial, da agenda, do enquadramento da notícia, da análise e da formação de opinião, as empresas de Frias certamente merecem um estudo à parte. Como praticam a desinformação sistemática, o pluralismo de exceção, a fraude permanente dos princípios básicos do jornalismo! Há dois anos viemos tomando conhecimento, dia a dia, da queda iminente do governo Dilma.
Quantas manchetes – neste jornalismo cínico de ficção – foram dadas à montagem de ministério do governo... Temer. Quantas análises montadas em opiniões dadas anonimamente, atribuídas a fulano, quantas especulações formadas a partir de um se estrategicamente posicionado, quanta informação distorcida, retirada do contexto, direcionada até em sentido contrário ao original. Uma retranca “Governo sitiado” acondiciona tudo: na ausência de um golpe militar, a Folha/Uol já decretou o estado de sítio?
E, no entanto, como hoje já se noticia, a maioria necessária para o impeachment parece estar longe de ser alcançada. Será que ela tem o mesmo estatuto ontológico do futuro governo Temer?
Logo, saberemos. Se o PMDB continua tão dividido, se o agora chamado “baixo clero” se movimenta fisiologicamente em massa em direção ao governo Dilma (uma pergunta ao UOL: será Eduardo Cunha um membro do “alto clero?”), não será por que há muita incerteza e dúvida quanto à aprovação do impeachment?
Neste movimento dos barcos – os ratos já começam a pular fora do barco furado do impeachment, a começar por quem mais o promove, como o editor da Folha de S. Paulo? – pode vir a ser decisiva a entrada do ex-presidente Lula para dar um novo horizonte e uma nova direção à nau do governo Dilma.
Nestas próximas duas semanas, as ruas e as redes vão ecoar cada vez mais alto o “não vai ter golpe”. É hora do governo Dilma afirmar em alto e bom som, como uma vez afirmou o ministro do Trabalho, Miguel Rossetto, que “haverá democracia e haverá mais direitos”!
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