Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Quem procura uma explicação para a crise que o país atravessa e que está longe, muito longe talvez, de terminar, logo ouve a resposta: o país está polarizado, o governo e a oposição não se entendem, assim não dá para fazer nada. É bom desconfiar.
A novidade da conjuntura não é o impasse, o desentendimento. Isso sempre houve e haverá na história de povos e países, em qualquer época.
Na tradição brasileira, a parcela mais fraca, inevitavelmente ligada aos interesses dos mais pobres e menos protegidos, sempre acabava saindo de cena, com explicações ora aceitáveis, ora vergonhosas, para a retirada.
O impasse de 2016 nasce da determinação de parcelas cada vez mais numerosas da população para resistir a um assalto organizado contra a democracia.
Essa postura modificou aquilo que os especialistas chamam de relação de forças. Inverteu o debate sobre a crise, abriu possibilidades impensáveis apenas dois meses atrás - quando a perspectiva era de retrocesso em toda linha. Permitiu que todos reconheçam as coisas por seu nome e, perdendo o medo, passem a chamar um golpe de Estado de golpe de Estado. Não é Revolução, como no Brasil de 64.
Nem "transição constitucional", como se fez na Honduras de 2009, no golpe que depôs um presidente eleito, cassou ministros da Suprema Corte que tiveram coragem de resistir - e hoje expõe o país a uma condenação internacional vexatória por parte da Corte Interamericana de Direitos Humanos, inclusive multas a pagar.
Aquele universo que os livros de história chamam de classe dominante não está habituado, no Brasil, a se deparar com autoridades zelosas pelos direitos e garantias definidos pela Constituição. Em nome de seus interesses particulares, acostumou-se a dar ordens não apenas aos aliados, mas aos adversários e até inimigos, quase sempre cooptáveis.
Um ponto essencial da situação é a determinação da presidente Dilma Rousseff: não renuncia, não vai embora, não desiste.
Ao contrário do que sugere o coro de quem fala em "impasse", "em dar um jeito", que "assim não dá" e que "Brasil não aguenta", não estamos diante de um conflito que envolve direitos iguais ou valores equivalentes. Nem erros mutuamente compensáveis. Nem adversários nivelados pela mesma fala de escrúpulos.
Dilma fez um governo no qual cometeu inúmeros erros.
Em nenhum deles, contudo, atentou contra a democracia. Após um ano e cinco meses, nada se apontou contra ela. Nada. E mesmo que isso tivesse surgido - uma pista, um indício - deveria ter sido apurado, investigado, demonstrado. Não poderia ser improvisado em cima do joelho, num texto sob medida para jogar uma imensa cortina de fumaça para deixar na sombra o suíço Eduardo Cunha, gerente-executivo do processo. Numa confissão da própria leviandade, o relator fala em "indícios mínimos", admite que podem haver acusações "levianas."
Até que surja uma prova em contrário, a parte legítima é Dilma.
Imagine que um dia você acorda com uma quadrilha na sala de visitas de sua casa. Exige os computadores, celulares, as joias da família, as chaves e documentos do carro. Em vez de entregar tudo o que lhe pedem e um pouco mais, você decide defender um patrimonio acumulado por uma vida inteira. Tranca-se no porão, avisa os amigos, pedem que chamem a polícia. O assalto vira um sequestro. Você e sua família são transformados em reféns. Os bandidos exigem que você entregue a senha das reservas bancárias. Também querem que sua família participe da fuga, para garantir que eles - criminosos - possam escapar em segurança.
Você recusa. Ninguém sabe o que fazer nem o que vai acontecer. Um repórter impaciente vai para a câmara de TV e critica: "assim também não dá. A vítima não quer colaborar."
Esta anedota ajuda a entender o enfrentamento político em curso no Brasil. Você pode reconhecer que a Lava Jato representa um esforço necessário para enfrentar a corrupção na maior empresa brasileira. Também pode até acreditar que chega a ser uma redenção patriótica após cinco séculos de incúria, corrupção e impunidade.
Mas não irá negar que temos um Estado sequestrado pela mídia grande, pela Polícia Federal, por uma fatia do Judiciário. Essa é a força que manda, num movimento contra representantes eleitos da soberania popular.
A hipocrisia do momento consiste em apagar responsabilidades para descrever impasses abstratos, conflitos sem origem, histórias sem personagens nem enredo. Nivelando tudo por baixo, tenta-se argumentar que não há certo nem errado. Há interesses. Não há valores, nem princípios.
Não há a memória dos anos recentes - exatamente aquilo que mais se quer apagar.
Pouco importa se em 2014 tivemos um governo eleito num pleito apertado mas limpo, conforme admitiu a Justiça Eleitoral. Quando o TSE aprovou as contas da campanha de Dilma, o presidente do tribunal, Dias Toffoli, afirmou que não haveria "terceiro turno".
Houve um sequestro político. Está em curso um crime. A ideia é colaborar com os criminosos e criticar quem resiste?
Quem procura uma explicação para a crise que o país atravessa e que está longe, muito longe talvez, de terminar, logo ouve a resposta: o país está polarizado, o governo e a oposição não se entendem, assim não dá para fazer nada. É bom desconfiar.
A novidade da conjuntura não é o impasse, o desentendimento. Isso sempre houve e haverá na história de povos e países, em qualquer época.
Na tradição brasileira, a parcela mais fraca, inevitavelmente ligada aos interesses dos mais pobres e menos protegidos, sempre acabava saindo de cena, com explicações ora aceitáveis, ora vergonhosas, para a retirada.
O impasse de 2016 nasce da determinação de parcelas cada vez mais numerosas da população para resistir a um assalto organizado contra a democracia.
Essa postura modificou aquilo que os especialistas chamam de relação de forças. Inverteu o debate sobre a crise, abriu possibilidades impensáveis apenas dois meses atrás - quando a perspectiva era de retrocesso em toda linha. Permitiu que todos reconheçam as coisas por seu nome e, perdendo o medo, passem a chamar um golpe de Estado de golpe de Estado. Não é Revolução, como no Brasil de 64.
Nem "transição constitucional", como se fez na Honduras de 2009, no golpe que depôs um presidente eleito, cassou ministros da Suprema Corte que tiveram coragem de resistir - e hoje expõe o país a uma condenação internacional vexatória por parte da Corte Interamericana de Direitos Humanos, inclusive multas a pagar.
Aquele universo que os livros de história chamam de classe dominante não está habituado, no Brasil, a se deparar com autoridades zelosas pelos direitos e garantias definidos pela Constituição. Em nome de seus interesses particulares, acostumou-se a dar ordens não apenas aos aliados, mas aos adversários e até inimigos, quase sempre cooptáveis.
Um ponto essencial da situação é a determinação da presidente Dilma Rousseff: não renuncia, não vai embora, não desiste.
Ao contrário do que sugere o coro de quem fala em "impasse", "em dar um jeito", que "assim não dá" e que "Brasil não aguenta", não estamos diante de um conflito que envolve direitos iguais ou valores equivalentes. Nem erros mutuamente compensáveis. Nem adversários nivelados pela mesma fala de escrúpulos.
Dilma fez um governo no qual cometeu inúmeros erros.
Em nenhum deles, contudo, atentou contra a democracia. Após um ano e cinco meses, nada se apontou contra ela. Nada. E mesmo que isso tivesse surgido - uma pista, um indício - deveria ter sido apurado, investigado, demonstrado. Não poderia ser improvisado em cima do joelho, num texto sob medida para jogar uma imensa cortina de fumaça para deixar na sombra o suíço Eduardo Cunha, gerente-executivo do processo. Numa confissão da própria leviandade, o relator fala em "indícios mínimos", admite que podem haver acusações "levianas."
Até que surja uma prova em contrário, a parte legítima é Dilma.
Imagine que um dia você acorda com uma quadrilha na sala de visitas de sua casa. Exige os computadores, celulares, as joias da família, as chaves e documentos do carro. Em vez de entregar tudo o que lhe pedem e um pouco mais, você decide defender um patrimonio acumulado por uma vida inteira. Tranca-se no porão, avisa os amigos, pedem que chamem a polícia. O assalto vira um sequestro. Você e sua família são transformados em reféns. Os bandidos exigem que você entregue a senha das reservas bancárias. Também querem que sua família participe da fuga, para garantir que eles - criminosos - possam escapar em segurança.
Você recusa. Ninguém sabe o que fazer nem o que vai acontecer. Um repórter impaciente vai para a câmara de TV e critica: "assim também não dá. A vítima não quer colaborar."
Esta anedota ajuda a entender o enfrentamento político em curso no Brasil. Você pode reconhecer que a Lava Jato representa um esforço necessário para enfrentar a corrupção na maior empresa brasileira. Também pode até acreditar que chega a ser uma redenção patriótica após cinco séculos de incúria, corrupção e impunidade.
Mas não irá negar que temos um Estado sequestrado pela mídia grande, pela Polícia Federal, por uma fatia do Judiciário. Essa é a força que manda, num movimento contra representantes eleitos da soberania popular.
A hipocrisia do momento consiste em apagar responsabilidades para descrever impasses abstratos, conflitos sem origem, histórias sem personagens nem enredo. Nivelando tudo por baixo, tenta-se argumentar que não há certo nem errado. Há interesses. Não há valores, nem princípios.
Não há a memória dos anos recentes - exatamente aquilo que mais se quer apagar.
Pouco importa se em 2014 tivemos um governo eleito num pleito apertado mas limpo, conforme admitiu a Justiça Eleitoral. Quando o TSE aprovou as contas da campanha de Dilma, o presidente do tribunal, Dias Toffoli, afirmou que não haveria "terceiro turno".
Houve um sequestro político. Está em curso um crime. A ideia é colaborar com os criminosos e criticar quem resiste?
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