Ilustração: Alexander Dubovsky/http://www.cartoonmovement.com/ |
“É a segunda vez que minha geração tem a sensação de ´fim-do-mundo-tal-como-o-conhecemos”.
A frase acima é de Antonio Luiz M. C. Costa, e foi retirada do twitter do jornalista – que escreve sobre temas internacionais na revista CartaCapital. Antônio se refere, é claro, à decisão dos eleitores do Reino Unido, de sair da União Européia.
A primeira vez que nossa geração (dele e minha) teve essa sensação foi quando a União Soviética ruiu, há 25 anos. Agora é a arquitetura política do mundo capitalista que também ameaça desabar.
A decisão dos britânicos, tomada por estreita margem, se baseou num discurso conservador, de ódio aos imigrantes que estariam “roubando os empregos dos britânicos”. A ultra-direita avança, explorando o tema do nacionalismo. Isso é evidente no Reino Unido, nos EUA com Trump, na França e em boa parte do mundo europeu. E aí a política se entrelaça à economia…
A crise subprime de 2008, que arrasou os países do sul europeu, e deixou os Estados Unidos também em situação mais frágil, encerrou a temporada de bonança e otimismo – que de certa forma vinha desde o pós segunda guerra (com altos e baixos).
Vejam que a direita “liberal” britânica (falo especificamente de David Cameron, um conservador herdeiro de Tatcher, e que defendia a União Européia como forma de permitir mais circulação de capitais e mercadorias) foi atropelada pela direita quase fascista do “fora, imigrantes”.
Sim, a “BREXIT” é uma vitória da direita extremada. E significa um solavanco sem precedentes na ordem política capitalista desde a Segunda Guerra. Mas o curioso é observar que parte da esquerda também apoiou a saída do Reino Unido da União Européia. E o fez por entender que a abertura de fronteiras e o enfraquecimento dos estados nacionais são uma plataforma que interessa sobretudo ao capital, mas não aos trabalhadores.
Ou seja: a “BREXIT” foi uma vitória da direita extremada. Mas significou o retorno de um velho tema que a esquerda (no mundo e também no Brasil) negligenciou nos últimos anos: a questão nacional.
Sim, é possível ser nacionalista de direita (valorizando o discurso xenófobo, preconceituoso, excludente). Mas é possível, também, ser nacionalista de esquerda, na medida em que nacionalismo possa significar o fortalecimento do estado nacional na luta contra o Imperialismo (essa palavrinha que parecia “fora de moda”) e os arranjos do capitalismo financeiro (a União Européia sob hegemonia germânica, claramente, é um desses arranjos, bem como a tentativa dos Estados Unidos de recolonizar a América Latina, ora em curso).
Notemos que no Brasil o projeto da direita extremada, que se reúne sob Temer, é nada menos do que liquidar a própria ideia de um estado nacional independente. O projeto é a submissão completa ao projeto capitalista comandado pelos Estados Unidos.
De certa forma, o renascimento do nacionalismo de direita na Europa (e no mundo) vai obrigar a esquerda a encarar esse dilema: vamos defender os estados nacionais como ferramenta de desenvolvimento e de garantia da democracia? Ou vamos nos concentrar nas batalhas transnacionais de combate à injustiça?
O importante pensador Slavok Zizek acaba de escrever sobre o tema. E ele acredita na segunda vertente: acha que não se pode combater o nacionalismo de direita com uma esquerda mais nacionalista – https://blogdaboitempo.com.br/2016/06/24/zizek-precisamos-entender-a-esquerda-que-apoiou-o-brexit/
Mas será que isso vale para nossa realidade? Brasileira e latino-americana?
Na Europa (e entre intelectuais brasileiros que transplantam para a América Latina temas europeus, sem levar em conta as condições locais), a tendência é geralmente olhar o nacionalismo como algo regressivo e conservador. Na Europa, historicamente, até, isso pode ser verdade – e por isso compreende-se a reflexão de Zizek…
Mas na América Latina ser de esquerda passa por defender um estado forte e democrático, capaz de capitanear o desenvolvimento (já que a “burguesia nacional”, no Brasil e em boa parte da América Latina, sonha mesmo é com um apartamento em Miami) e de reduzir as desigualdades.
A crise gerada pela “BREXIT” pode ser uma chance para repensar essa questão. O nacionalismo está de volta.
3 comentários:
UMA NOVA EUROPA?
“A luta pelo reconhecimento tornou-se rapidamente a forma
paradigmática de conflito político no fim do século XX”
(Nancy Fraser, Justice Interruptus, 1997)
O plebiscito de 23 de junho, no Reino Unido (UK), que aprovou a saída daquele país da União Europeia não pode ser visto apenas como uma vitória política da direita, como noticia intimidadoramente grande parte da mídia. Nem mesmo se atribua, embora possa ter sido uma motivação, a onde migratória que atinge todo o continente ou à insularidade britânica.
Há um enorme hiato entre o discurso ideológico e político, prevalecente desde as últimas décadas do século anterior e a dura realidade cotidiana dos trabalhadores e dos assalariados em geral.
Os mais recentes estudos sociais, políticos e sobre as instituições vigentes ressaltam não apenas a incapacidade de resposta quer do Estado quer do mercado às demandas das populações do século XXI, como as falhas dos diagnósticos com as visões, métodos e princípios que prevaleceram em quase todo pensamento do século XX.
No editorial de Le Monde, seu diretor Jérôme Ferroglio afirma que “o pior será continuar como antes”.
Sem intuito dogmático, apenas reproduzindo as reflexões da Teoria Crítica e da sociologia mais atual, o processo de globalização, restrito a algumas áreas comerciais e adotado amplamente pelo capital financeiro, pode ser identificado como a verdadeira causa do que “não pode continuar”. O Brexit e as numerosíssimas manifestações de protesto que assolam a Europa são o testemunho do descontentamento.
Mas o interesse da poderosa “banca”, o sistema financeiro internacional, se espalha pelos veículos de comunicação de massa, pelas manifestações de políticos, analistas e mesmo pelas academias. Recentemente, na mesma Inglaterra do plebiscito, professores do Imperial College e de outros notáveis centros de estudo econômico do UK promoveram um manifesto em favor do ensino da economia, que, segundo eles, havia sido substituído naquelas escolas pela “engenharia financeira”.
De início, como observa com clareza o professor do IUPERJ, José Maurício Domingues (Cidadania, direitos e modernidade), “não se vislumbram quaisquer políticas sociais que efetivamente ultrapassem as fronteiras nacionais”. Talvez esteja aí o sucesso político da “direita” que melhor soube galvanizar o descontentamento com acenos nacionalistas.
Mas não está apenas aí a sensação invasiva da globalização. Ela traz o denominado modelo neoliberal, um verdadeiro zumbi do imperialismo inglês do século XIX. Recordemos os direitos das pessoas. Há quase um consenso que seriam de três ordens: os direitos civis, de apodítico reconhecimento, que trata da liberdade individual; os direitos políticos, onde já se travam controvérsias entre filosofias e escolas; e os direitos sociais, ainda mais confusos, que o conhecido e recém falecido filósofo Norberto Bobbio apontava serem o direito ao trabalho, à saúde e à instrução. Mas há quem identifique num único e abrangente direito: o da cidadania.
O pensamento único, da globalização, do neoliberalismo, apenas considera o direito à liberdade individual, sem mesmo as amarras do liberal John Rawls (Uma Teoria da Justiça), pois a banca, que acolhe e opera com todo capital ilícito do mundo, não tem como é óbvio a preocupação ética.
O total domínio sobre as políticas “nacionais” europeias do capital financeiro, na época que se discutem os direitos intersubjetivos – ecológicos, de gênero, de raça, de religião, constitui verdadeira agressão e um enorme retrocesso social.
Creio que o diretor editorialista de Le Monde referia-se a esta condição de subordinação à banca que não mais deveria prevalecer.
Quanto a nosso País, onde um enorme retrocesso de toda ordem está em marcha, a “crise”, que acredito ocorrerá com o euro, poderá ser antecipada e este provisório governo ver-se-á, com mesóclises e tudo, em ainda maiores dificuldades.
Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado
Os termos do debate são ambíguos. A direita brasileira quer ir para Miami, no fundo despreza o Brasil, mas usa camisa da seleção, se apropria do verde-amarelo, odeia o vermelho do comunismo, categoria transnacional por excelência, bem como outros -ismos que evocam a mesma ideia, como "bolivarianismo". A esquerda, fundada no ideal de igualdade, não pode admitir a supremacia de um povo sobre outro, logo rejeita o etnocentrismo, logo o nacionalismo xenófobo, mas é pela emancipação dos povos de qualquer domínio (neo)colonial, logo é, nesse sentido, nacionalista.
Eu sou a favor da globalização e vejo nela oportunidades para que haja avanços na área social de maneira que não veria a UE como algo de "direita".
Entretanto, como o processo de globalização é dialético,podemos assistir recuos como houve quinta-feira (23/06) no Reino Unido, sendo que muitos britânicos já andam arrependidos quanto a escolha feita.
Há que se dar tempo ao tempo, sabendo que não há como se tomar banho duas vezes num mesmo rio visto que há um clamor por mudanças em todas as sociedades. Só que nem sempre o cidadão sabe definir os caminhos para se chegar aonde pretende.
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