Por Marcelo Zero
A corajosa e competente senadora Gleisi Hoffmann causou comoção e polêmica ao dizer, no plenário do Senado, que metade daquela Casa não tinha moral para julgar a presidenta honesta. Houve até embate com o presidente Renan Calheiros, que, numa tentativa pouco racional de defender a instituição, chamou o Senado de “hospício”.
Evidentemente, a Senadora Gleisi não fez uma crítica pessoal a ninguém. Ela fez uma crítica, inteiramente pertinente, ao processo do impeachment sem crime. Afinal, não há fraude com moral. Não há golpe ético.
E indivíduos éticos podem aderir a monstruosidades morais coletivas. A História está cheia de tragédias desse tipo. Assim, há aqueles que aderiram ao golpe por convicção, embora haja outros que o fizeram por puro oportunismo ou por motivos pouco republicanos.
Mas o fato concreto, iniludível, é que o golpe já nasceu desmoralizado. A “assembleia geral de bandidos presidida por um bandido”, como bem a definiu Miguel de Sousa Tavares, deu o pontapé inicial no golpe com claro desvio de poder de seu presidente acusado de corrupção. O mundo inteiro reagiu com asco moral ao espetáculo dantesco.
A cada dia que passa, o golpe se desmoraliza mais, daí a pressa dos golpistas em “liquidar a fatura”.
O episódio da Senadora Gleisi acabou encobrindo fato crucial a esse respeito. Na última quinta-feira, a arquitetura intelectual e técnica do golpe foi inteiramente desmascarada. O auditor do TCU, Antonio D´Ávila, acabou confessando, talvez por vaidade e certeza de impunidade, que ajudou a redigir a peça acusatória que o procurador do TCU, Júlio Marcelo, apresentou para ele mesmo julgar. É como se um juiz redigisse a peça acusatória para um procurador para que ele mesmo proferisse depois a sentença. Pior: esse processo fraudulento foi feito alijando-se a Secretaria de Recursos daquele órgão, instância que deveria ter se pronunciado sobre o assunto e que tinha opinião divergente dos arquitetos intelectuais do golpe.
Isso é gravíssimo. Houve clara violação da imparcialidade exigida de auditores e procuradores e do código de ética de conduta dos funcionários públicos. Assim, o golpe começou com desvio de poder, no campo político, e com claro desvio ético, no plano técnico.
O golpe está definitivamente desmoralizado, política e tecnicamente.
Porém, a mais grave imoralidade do golpe é a sua desonestidade intelectual.
Em sua narrativa cínica e mentirosa, o golpe apregoa que os governos de Dilma Rousseff promoveram uma “gastança”, maquiada por “pedaladas fiscais”, a qual precipitou o país na maior crise da sua história.
Mentira deslavada. Até 2014, os governos do PT gastaram menos do que arrecadaram, isto é, fizeram vultosos superávits primários. Ao contrário do que dizem, de forma mentirosa, as despesas primárias discricionárias em todos os níveis de governo permaneceram estáveis: foram de 4,7 % do PIB, em 2012, 4,8% do PIB, em 2013, e, de novo, 4,7% do PIB, em 2014. A dívida líquida da União também permaneceu estável, em torno de 34% do PIB. Já as despesas com pessoal e encargos, caíram de 4,6% do PIB, em 2009, para 3,9 % do PIB, em 2014.
Em 2015, com a crise instalada, o governo promoveu o maior ajuste fiscal da história do Brasil. Foram cortados nada menos que R$ 80 bilhões de despesas orçamentárias discricionárias, isto é, aquelas que podiam ser objeto de cortes. Mesmo assim, houve déficit. Por quê? Porque as receitas fiscais tiveram uma queda brutal de R$ 185 milhões.
Assim, a crise não foi provocada por “excesso de gastos” e, muito menos, por “pedaladas” e créditos suplementares. O déficit não provocou a crise. Foi a crise que provocou o déficit, pelo encolhimento brutal das receitas. Na realidade, alguns importantes economistas, como Luiz Gonzaga Belluzzo, argumentam que, se houve erro de Dilma em 2015, não foi um inexistente descontrole de gastos, mas, ao contrário, um excesso de responsabilidade fiscal. Não foram as pedaladas. Foi a grande “despedalada” de R$ 80 bilhões que teria contribuído para a queda da atividade econômica, num ambiente de redução do consumo e dos investimentos privados.
Mas a queda brutal da receita e da atividade econômica, que frustrou o grande esforço fiscal realizado, foi devida, em sua maior parte, a um decisivo fator que precipitou e aprofundou a crise: o terceiro turno e o golpismo. Foi a crise política gerada pelo terceiro turno e pelo golpismo que impediu que as medidas econômicas tomadas em 2015 surtissem o efeito desejado. Deve-se ter em mente que ajustes econômicos só funcionam devidamente num ambiente político estável.
Não foram as “pedaladas fiscais” que levaram o país à crise. Foram as pedaladas contra democracia.
Essas pedaladas desmoralizantes foram complementadas agora pela maior fraude eleitoral da história. O interino, que foi eleito, como vice-presidente, com o mesmíssimo programa de governo da presidenta, agora tenta implantar um plano que é o inteiro oposto do programa aprovado nas urnas por mais de 54 milhões de brasileiros. Isso é ético? Isso é democrático? Ou isso é uma gigantesca fraude? Isso não significa dar um golpe baixo nos eleitores? O pior é que essa gigantesca e imoral fraude poderá, de acordo com a PEC 241, perdurar por 20 anos.
São essas pedaladas contra a democracia e contra a vontade popular que mais desmoralizam os golpistas, as instituições e o Brasil perante o mundo. O respeito formal às regras não substitui o respeito à vontade do povo. E não há decoro parlamentar que possa encobrir a suprema vergonha de se condenar uma inocente.
O que começa mal, termina mal. O que começa sem ética, termina coberto de vergonha.Todos os jornais internacionais comentam a vergonha que é o golpe brasileiro.
Assim, não é apenas Câmara, o Senado e a classe política que estão sem moral. O golpe nos converteu numa republiqueta de bananas. O golpe desmoralizou o Brasil.
A corajosa e competente senadora Gleisi Hoffmann causou comoção e polêmica ao dizer, no plenário do Senado, que metade daquela Casa não tinha moral para julgar a presidenta honesta. Houve até embate com o presidente Renan Calheiros, que, numa tentativa pouco racional de defender a instituição, chamou o Senado de “hospício”.
Evidentemente, a Senadora Gleisi não fez uma crítica pessoal a ninguém. Ela fez uma crítica, inteiramente pertinente, ao processo do impeachment sem crime. Afinal, não há fraude com moral. Não há golpe ético.
E indivíduos éticos podem aderir a monstruosidades morais coletivas. A História está cheia de tragédias desse tipo. Assim, há aqueles que aderiram ao golpe por convicção, embora haja outros que o fizeram por puro oportunismo ou por motivos pouco republicanos.
Mas o fato concreto, iniludível, é que o golpe já nasceu desmoralizado. A “assembleia geral de bandidos presidida por um bandido”, como bem a definiu Miguel de Sousa Tavares, deu o pontapé inicial no golpe com claro desvio de poder de seu presidente acusado de corrupção. O mundo inteiro reagiu com asco moral ao espetáculo dantesco.
A cada dia que passa, o golpe se desmoraliza mais, daí a pressa dos golpistas em “liquidar a fatura”.
O episódio da Senadora Gleisi acabou encobrindo fato crucial a esse respeito. Na última quinta-feira, a arquitetura intelectual e técnica do golpe foi inteiramente desmascarada. O auditor do TCU, Antonio D´Ávila, acabou confessando, talvez por vaidade e certeza de impunidade, que ajudou a redigir a peça acusatória que o procurador do TCU, Júlio Marcelo, apresentou para ele mesmo julgar. É como se um juiz redigisse a peça acusatória para um procurador para que ele mesmo proferisse depois a sentença. Pior: esse processo fraudulento foi feito alijando-se a Secretaria de Recursos daquele órgão, instância que deveria ter se pronunciado sobre o assunto e que tinha opinião divergente dos arquitetos intelectuais do golpe.
Isso é gravíssimo. Houve clara violação da imparcialidade exigida de auditores e procuradores e do código de ética de conduta dos funcionários públicos. Assim, o golpe começou com desvio de poder, no campo político, e com claro desvio ético, no plano técnico.
O golpe está definitivamente desmoralizado, política e tecnicamente.
Porém, a mais grave imoralidade do golpe é a sua desonestidade intelectual.
Em sua narrativa cínica e mentirosa, o golpe apregoa que os governos de Dilma Rousseff promoveram uma “gastança”, maquiada por “pedaladas fiscais”, a qual precipitou o país na maior crise da sua história.
Mentira deslavada. Até 2014, os governos do PT gastaram menos do que arrecadaram, isto é, fizeram vultosos superávits primários. Ao contrário do que dizem, de forma mentirosa, as despesas primárias discricionárias em todos os níveis de governo permaneceram estáveis: foram de 4,7 % do PIB, em 2012, 4,8% do PIB, em 2013, e, de novo, 4,7% do PIB, em 2014. A dívida líquida da União também permaneceu estável, em torno de 34% do PIB. Já as despesas com pessoal e encargos, caíram de 4,6% do PIB, em 2009, para 3,9 % do PIB, em 2014.
Em 2015, com a crise instalada, o governo promoveu o maior ajuste fiscal da história do Brasil. Foram cortados nada menos que R$ 80 bilhões de despesas orçamentárias discricionárias, isto é, aquelas que podiam ser objeto de cortes. Mesmo assim, houve déficit. Por quê? Porque as receitas fiscais tiveram uma queda brutal de R$ 185 milhões.
Assim, a crise não foi provocada por “excesso de gastos” e, muito menos, por “pedaladas” e créditos suplementares. O déficit não provocou a crise. Foi a crise que provocou o déficit, pelo encolhimento brutal das receitas. Na realidade, alguns importantes economistas, como Luiz Gonzaga Belluzzo, argumentam que, se houve erro de Dilma em 2015, não foi um inexistente descontrole de gastos, mas, ao contrário, um excesso de responsabilidade fiscal. Não foram as pedaladas. Foi a grande “despedalada” de R$ 80 bilhões que teria contribuído para a queda da atividade econômica, num ambiente de redução do consumo e dos investimentos privados.
Mas a queda brutal da receita e da atividade econômica, que frustrou o grande esforço fiscal realizado, foi devida, em sua maior parte, a um decisivo fator que precipitou e aprofundou a crise: o terceiro turno e o golpismo. Foi a crise política gerada pelo terceiro turno e pelo golpismo que impediu que as medidas econômicas tomadas em 2015 surtissem o efeito desejado. Deve-se ter em mente que ajustes econômicos só funcionam devidamente num ambiente político estável.
Não foram as “pedaladas fiscais” que levaram o país à crise. Foram as pedaladas contra democracia.
Essas pedaladas desmoralizantes foram complementadas agora pela maior fraude eleitoral da história. O interino, que foi eleito, como vice-presidente, com o mesmíssimo programa de governo da presidenta, agora tenta implantar um plano que é o inteiro oposto do programa aprovado nas urnas por mais de 54 milhões de brasileiros. Isso é ético? Isso é democrático? Ou isso é uma gigantesca fraude? Isso não significa dar um golpe baixo nos eleitores? O pior é que essa gigantesca e imoral fraude poderá, de acordo com a PEC 241, perdurar por 20 anos.
São essas pedaladas contra a democracia e contra a vontade popular que mais desmoralizam os golpistas, as instituições e o Brasil perante o mundo. O respeito formal às regras não substitui o respeito à vontade do povo. E não há decoro parlamentar que possa encobrir a suprema vergonha de se condenar uma inocente.
O que começa mal, termina mal. O que começa sem ética, termina coberto de vergonha.Todos os jornais internacionais comentam a vergonha que é o golpe brasileiro.
Assim, não é apenas Câmara, o Senado e a classe política que estão sem moral. O golpe nos converteu numa republiqueta de bananas. O golpe desmoralizou o Brasil.
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