Por Renata Corrêa, na revista Caros Amigos:
Entre dicas de amamentação e indicações de parteiras e obstetras para um parto humanizado, um grupo de mães no Facebook começou a questionar o sistema patriarcal, e o conservadorismo existente quando o assunto é criação de filhos e o exercício da maternidade. O momento político no Brasil fervia, Eduardo Cunha manobrava o Congresso e o processo de votação do impeachment de Dilma Roussef parecia inevitável. Logo, os debates específicos sobre maternidade não conseguiam mais dar conta de tudo o que aquelas mulheres pensavam e sentiam, e essa inquietação se transformou em atuação política e militância organizada.
Entre dicas de amamentação e indicações de parteiras e obstetras para um parto humanizado, um grupo de mães no Facebook começou a questionar o sistema patriarcal, e o conservadorismo existente quando o assunto é criação de filhos e o exercício da maternidade. O momento político no Brasil fervia, Eduardo Cunha manobrava o Congresso e o processo de votação do impeachment de Dilma Roussef parecia inevitável. Logo, os debates específicos sobre maternidade não conseguiam mais dar conta de tudo o que aquelas mulheres pensavam e sentiam, e essa inquietação se transformou em atuação política e militância organizada.
A partir desses debates ao menos duas iniciativas tomaram as ruas do Rio de Janeiro capitaneadas por essas mulheres. O primeiro é o show manifesto Primavera das Mulheres, idealizado por Laura Castro, cantora, atriz, produtora e diretora teatral. O grupo fez diversas apresentações em teatros da cidade a acaba de encerrar uma bem sucedida temporada no teatro Carlos Gomes, contando com uma equipe e elenco composto exclusivamente por mulheres. Também no mesmo grupo virtual se organizou um coletivo chamado Mães e Crias na Luta que foi presença organizadora fundamental nas manifestações contra Eduardo Cunha, que ajudaram a pautar a grande mídia. Além disso, organizações com aPartidA, partido feminista organizado pela filósofa Marcia Tiburi e o coletivo Vote em uma Feminista, que indica candidatas alinhadas com a pauta feminista, têm ganhado força e fôlego unindo mulheres de diversas correntes políticas e partidárias em torno da resistência ao golpe.
Nada mais natural: como bem disse Simone de Beauvoir, "Basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados". O golpe de Estado que o Brasil sofreu é o mais recente exemplo disso. Estamos submetidas a um Congresso religioso e conservador que não têm nenhum pudor em retroceder nos nossos direitos adquiridos a duras penas. Em poucos meses de governo ilegítimo ressuscitou o famigerado Estatuto do Nascituro, um pedido de adendo à Lei Maria da Penha que pedia a retirada da palavra gênero do texto, a PL Gabriela Leite regulamentando o exercício da prostituição sofreu diversos ataques e segue parada no Congresso, e já foi ventilada a possibilidade de se acabar com o atendimento no SUS para mulheres que abortam nas três situações legais: feto com patologia incompatível com a vida, risco de vida para mãe e gravidez oriunda de estupro. Michel Temer conseguiu montar um corpo ministerial apenas com homens brancos de meia idade que representa o que há de mais conservador em termos de política e que se empenha diariamente para destruir políticas de promoção e igualdade, não apenas de gênero, mas também econômica e racial, ignorando pautas históricas dos movimentos sociais.
Tradicionalmente, para o patriarcado, as mulheres são vistas como o retrato da irracionalidade. Somos afetivas, emocionais, hiperssexualizadas, descontroladas, místicas, passivas. Não precisamos de muito esforço intelectual para transpor essas características ditas femininas aos países em desenvolvimento. Os povos latinos e africanos são vistos da mesma forma em contraponto aos nossos colonizadores europeus e anglófonos, povos que ao menos no campo do imaginário primam pela racionalidade, ciência, contenção, proatividade. Simbolicamente, o governo ilegítimo deseja ser a força violenta e agressiva que coloca as coisas em seus devidos lugares. O golpe de Estado é a força patriarcal por excelência que interrompe o processo democrático com um argumento que ultrapassa a legalidade — pensam que são os únicos que, por meio da força bruta, podem fazer o País "entrar nos eixos", tal qual uma mulher que apanha para aprender o seu lugar.
Essa é a explicação para que os representantes de um projeto derrotado quatro vezes nas urnas não se intimidem com cinquenta e quatro milhões de votos. Esses cinquenta e quatro milhões de votos são fruto dessa histeria, dessa insanidade, dessa irracionalidade feminina. Não valem. O voto de uma mulher que se libertou de um relacionamento abusivo e violento com o seu empoderamento turbinado pelo Bolsa Família jamais poderá valer o mesmo que o voto de um empresário branco que se ressente de políticas fiscais mais rigorosas. O golpe em sua gênese é a face mais violenta do machismo institucional. Ele atinge o coração do processo democrático e com isso atinge também o coração das mulheres, que ao participarem ativamente da vida política na resistência à ditadura e na pós-abertura puderam vislumbrar um País mais justo nas questões de gênero.
Em sua última apresentação da temporada no Teatro Carlos Gomes o espetáculoPrimavera das Mulheres levou os espectadores, como tradicionalmente faz, para uma enorme ciranda na Praça Tiradentes. Em roda, mulheres, mães e não mães, homens, pessoas trans, cis, gays, lésbicas, negras e indígenas deram as mãos e cantaram a respeito da força das mulheres, da disputa do espaço político e contra o governo golpista de Michel Temer. A cara da resistência estava ali, estampada em sua diversidade e pluralidade, confirmando que nós, intimamente, já sabíamos: o golpe pode ser machista, mas a revolução será feminista. Ou não será revolução.
Nada mais natural: como bem disse Simone de Beauvoir, "Basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados". O golpe de Estado que o Brasil sofreu é o mais recente exemplo disso. Estamos submetidas a um Congresso religioso e conservador que não têm nenhum pudor em retroceder nos nossos direitos adquiridos a duras penas. Em poucos meses de governo ilegítimo ressuscitou o famigerado Estatuto do Nascituro, um pedido de adendo à Lei Maria da Penha que pedia a retirada da palavra gênero do texto, a PL Gabriela Leite regulamentando o exercício da prostituição sofreu diversos ataques e segue parada no Congresso, e já foi ventilada a possibilidade de se acabar com o atendimento no SUS para mulheres que abortam nas três situações legais: feto com patologia incompatível com a vida, risco de vida para mãe e gravidez oriunda de estupro. Michel Temer conseguiu montar um corpo ministerial apenas com homens brancos de meia idade que representa o que há de mais conservador em termos de política e que se empenha diariamente para destruir políticas de promoção e igualdade, não apenas de gênero, mas também econômica e racial, ignorando pautas históricas dos movimentos sociais.
Tradicionalmente, para o patriarcado, as mulheres são vistas como o retrato da irracionalidade. Somos afetivas, emocionais, hiperssexualizadas, descontroladas, místicas, passivas. Não precisamos de muito esforço intelectual para transpor essas características ditas femininas aos países em desenvolvimento. Os povos latinos e africanos são vistos da mesma forma em contraponto aos nossos colonizadores europeus e anglófonos, povos que ao menos no campo do imaginário primam pela racionalidade, ciência, contenção, proatividade. Simbolicamente, o governo ilegítimo deseja ser a força violenta e agressiva que coloca as coisas em seus devidos lugares. O golpe de Estado é a força patriarcal por excelência que interrompe o processo democrático com um argumento que ultrapassa a legalidade — pensam que são os únicos que, por meio da força bruta, podem fazer o País "entrar nos eixos", tal qual uma mulher que apanha para aprender o seu lugar.
Essa é a explicação para que os representantes de um projeto derrotado quatro vezes nas urnas não se intimidem com cinquenta e quatro milhões de votos. Esses cinquenta e quatro milhões de votos são fruto dessa histeria, dessa insanidade, dessa irracionalidade feminina. Não valem. O voto de uma mulher que se libertou de um relacionamento abusivo e violento com o seu empoderamento turbinado pelo Bolsa Família jamais poderá valer o mesmo que o voto de um empresário branco que se ressente de políticas fiscais mais rigorosas. O golpe em sua gênese é a face mais violenta do machismo institucional. Ele atinge o coração do processo democrático e com isso atinge também o coração das mulheres, que ao participarem ativamente da vida política na resistência à ditadura e na pós-abertura puderam vislumbrar um País mais justo nas questões de gênero.
Em sua última apresentação da temporada no Teatro Carlos Gomes o espetáculoPrimavera das Mulheres levou os espectadores, como tradicionalmente faz, para uma enorme ciranda na Praça Tiradentes. Em roda, mulheres, mães e não mães, homens, pessoas trans, cis, gays, lésbicas, negras e indígenas deram as mãos e cantaram a respeito da força das mulheres, da disputa do espaço político e contra o governo golpista de Michel Temer. A cara da resistência estava ali, estampada em sua diversidade e pluralidade, confirmando que nós, intimamente, já sabíamos: o golpe pode ser machista, mas a revolução será feminista. Ou não será revolução.
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