Por Jorge Luiz Souto Maior, no site Carta Maior:
Desde que tomaram de assalto o poder, o governo ilegítimo de Temer, uma parte do setor econômico, a grande mídia e os políticos que deram sustentação ao golpe de Estado vêm, de forma constante, declarando guerra aos direitos que historicamente foram conquistados pela classe trabalhadora.
Essa parcela da sociedade, que já foi extremamente beneficiada por décadas de um capitalismo regado a escravismo, que lhes conferiu, inclusive, uma acumulação de capital da qual resulta um dos piores índices de distribuição de riqueza do mundo, sentindo que não precisa mais sequer fingir que respeita os preceitos constitucionais, perdeu toda a noção de limite e, por isso, não tem por consequência o menor receio de defender publicamente a redução de toda a classe trabalhadora à condição análoga à de escravo.
Claro que o faz por meio de eufemismos, mas o fato de expressar sua vontade, em tratativas feitas em reuniões publicamente anunciadas, para as quais os trabalhadores não são convidados, torna as coisas tão claras que os disfarces perdem eficácia, embora o que pareça mesmo é que não está nem um pouco preocupada em disfarçar alguma coisa.
Sabe que não possui respaldo constitucional ou apoio democrático para realizar as medidas de supressão de direitos trabalhistas e, então, deixa todo o pudor de lado e adota a estratégia de passar como um trator por cima da classe trabalhadora.
Foi assim que se aprovou, em seis meses, a PEC 55 e é assim que se planejam aprovar as “reformas” da Previdência e da legislação trabalhista, que não são, de fato, reformas, mas eliminação plena de direitos.
No que tange à Previdência, o propósito é explicitamente privatizar a Previdência, para facilitar o ganho de capital a investidores estrangeiros, o que se verifica, ademais, também nas áreas da saúde e da educação.
No que tange à “reforma” trabalhista, a intenção concreta não é a mera diminuição de direitos, pois os direitos no Brasil já são escassos e nunca foram concretamente aplicados. O que se pretende é pulverizar ainda mais a classe trabalhadora, para eliminar de vez as possibilidades da ação coletiva dos trabalhadores que poderia inviabilizar as iniciativas privatizantes do atual desgoverno.
Em termos trabalhistas, primeiro os golpistas falaram em ampliação da terceirização, aumento da jornada para 80 horas semanais e negociado sobre o legislado, e mesmo sem ter abandonado tais projetos, que estão mais em pauta do que nunca, sobretudo porque foram incentivados por várias decisões recentes do Supremo Tribunal Federal, vêm agora falar em adoção de trabalho intermitente, retomando, inclusive, a estratégia tantas vezes adotada no governo FHC de se realizar a mudança por meio de Medida Provisória.
A Constituição Federal não permite, em nenhum de seus artigos, que o Executivo se valha de Medida Provisória para regular relações de trabalho. Além disso, a Constituição garantiu aos trabalhadores, como preceito fundamental, ou seja, que não pode ser obstado nem mesmo por Emenda Constitucional, o princípio da melhoria da condição social, concretizado pela eficácia das normas trabalhistas, dentre as quais se notabilizam a relação de emprego protegida contra a dispensa arbitrária e a limitação da jornada de trabalho em 08 horas diárias e 44 horas semanais.
A limitação da jornada de trabalho, que consta, inclusive, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, é fixada em razão do tempo em que o empregado está à disposição do empregador. Ou seja, vislumbra computar o tempo de vida perdido pelo empregado em razão de sua submissão ao trabalho em proveito do empreendimento alheio.
A jornada de trabalho não se conta considerando apenas o tempo de efetivo trabalho porque se assim fosse não se atenderia à lógica histórica da limitação da jornada de trabalho que é: 08 horas de trabalho, 08 horas de sono, 08 horas de lazer. O trabalhador não é só força de trabalho; é um ser humano, um cidadão que tem o direito de ter vida fora do trabalho.
O que os golpistas querem é fazer com que os trabalhadores fiquem 24 horas por conta da venda da força de trabalho, potencializando o estado de necessidade dos trabalhadores, os quais, assim, reificados, não teriam condições de estudar, de organizar sindicatos e de atuar politicamente; tudo para facilitar a extração da mais-valia e para manter sem questionamento a forma autoritária do poder político e sua relação promíscua com o poder econômico.
O trabalho intermitente, portanto, nada tem a ver com o enfrentamento do desemprego, até porque sendo uma forma de subemprego só tem o efeito de aumentar a precariedade no trabalho.
Se algum sentido econômico houvesse na proposta dos golpistas, também a mesma lógica se deveria aplicar a todas as demais profissões. Com isso, os governantes só seriam remunerados pelo tempo em que, efetivamente, estivessem no Palácio “despachando” algum expediente, sendo necessário, inclusive, para tanto, que batessem cartão de ponto. Além disso, seu salário somente seria devido se os atos praticados obtivessem uma avaliação popular positiva, já que, segundo a Constituição, todo o poder emana do povo e em nome dele deve ser exercido e não em proveito de parcela específica do poder econômico.
A mesma situação, aliás, se verificaria com relação a congressistas, ministros do Executivo e do Supremo, desembargadores, juízes etc.
A proposta do desgoverno Temer é, ao mesmo tempo, grotesca, ofensiva e juridicamente inválida.
Ora, imaginemos algumas situações que dela decorreriam: a) a de um vendedor em uma loja de departamentos: a jornada de trabalho seria contada apenas quando um cliente entrasse na loja e fosse por ele atendido. Disso resultaria que o vendedor poderia ficar na loja 12 horas sem que atingisse a jornada de 08 horas e, bem ao contrário da retórica utilizada, os momentos de “ócio”, aguardando o cliente, não seriam úteis ao trabalhador de nenhuma maneira, não gerando efeito na tal “empregabilidade”; b) a de um frentista de posto de gasolina: a jornada de trabalho seria contada apenas quando alguém parasse para abastecer o automóvel e fosse por ele atendido. Disso resultaria que também o frentista poderia ficar no posto 12 horas sem que atingisse a jornada de 08 horas e, bem ao contrário da retórica utilizada, os momentos de “ócio”, aguardando o cliente, não seriam úteis ao trabalhador de nenhuma maneira, não gerando efeito na tal “empregabilidade”; c) a de um porteiro de edifício: a jornada de trabalho seria contada apenas quando algum morador ou visitante chegasse à portaria (sendo que se fosse no horário noturno isso se dá com muito menor incidência). Disso resultaria que o porteiro poderia ficar no edifício 24 horas sem que atingisse a jornada de 08 horas e, bem ao contrário da retórica utilizada, os momentos de “ócio” não seriam úteis ao trabalhador de nenhuma maneira, não gerando efeito na tal “empregabilidade” e; d) a de uma empregada doméstica: a jornada de trabalho seria contada apenas quando estivesse limpando, cozinhando etc. Disso resultaria que a empregada doméstica, que após décadas de uma autêntica escravidão conquistou o direito à limitação da jornada de trabalho, poderia ficar na residência do “patrão” 24 horas sem que atingisse a jornada de 08 horas e, bem ao contrário da retórica utilizada, os momentos de “ócio” não seriam úteis à trabalhadora de nenhuma maneira, não gerando efeito na tal “empregabilidade”...
Aliás, na multiplicidade de situações, o que se teria seria a ampliação do problema da “empregabilidade”, pois o empregador precisaria de muito menos trabalhadores para atender à sua demanda, sobretudo, quando flexível.
O que se tem como efeito concreto da proposta, portanto, é uma tentativa de impor à classe trabalhadora um estágio tal de submissão que torne legítima toda forma de exploração do trabalho, chegando-se ao ponto da eliminação da condição humana dos trabalhadores.
O mesmo se diga, por oportuno, da proposta de tentar ampliar para 180 (cento e oitenta) dias o prazo do contrato temporário, o que não se sustenta nem mesmo matematicamente, pois não pode ser temporário algo que ocorre em metade do ano, até porque não se teria um nome para designar o restante do ano. Certo que se a vida é temporária, tudo é temporário, mas se tudo é temporário, nada é. A questão lógica é que não se pode transformar a exceção em regra pela simples razão de que deixa de ser exceção.
Idêntico problema assola a tentativa de transformar em permanente o PPE – Programa de Proteção ao Emprego, a menos que se assuma o capitalismo como um modelo de risco permanente. Mas se o risco é permanente o efeito é que as tentativas de correção baseadas em sacrifício temporário, supondo-se a existência de um “momento de crise”, deixam de ter qualquer eficácia ou mesmo sentido lógico, impondo-se a adoção, sem qualquer intermitência, de todas as regras de proteção aos trabalhadores fixadas na Constituição.
As propostas do desgoverno Temer são, isto sim, evidências da realidade política do país, vez que se colocam, abertamente, como afrontas à Constituição, deixando claro que para quem está no poder por um golpe de Estado a Constituição não passa de um mero detalhe.
O problema para os golpistas é que a enorme maioria das pessoas que integram as instituições brasileiras e que firmaram compromissos de fazer valer o pacto constitucional não pensarão duas vezes antes de expressar a inconstitucionalidade e a invalidade jurídica, porque também ferem preceitos fundamentais ligados à proteção da dignidade humana, das eventuais Medidas Provisórias ou leis que tragam esses conteúdos.
Desde que tomaram de assalto o poder, o governo ilegítimo de Temer, uma parte do setor econômico, a grande mídia e os políticos que deram sustentação ao golpe de Estado vêm, de forma constante, declarando guerra aos direitos que historicamente foram conquistados pela classe trabalhadora.
Essa parcela da sociedade, que já foi extremamente beneficiada por décadas de um capitalismo regado a escravismo, que lhes conferiu, inclusive, uma acumulação de capital da qual resulta um dos piores índices de distribuição de riqueza do mundo, sentindo que não precisa mais sequer fingir que respeita os preceitos constitucionais, perdeu toda a noção de limite e, por isso, não tem por consequência o menor receio de defender publicamente a redução de toda a classe trabalhadora à condição análoga à de escravo.
Claro que o faz por meio de eufemismos, mas o fato de expressar sua vontade, em tratativas feitas em reuniões publicamente anunciadas, para as quais os trabalhadores não são convidados, torna as coisas tão claras que os disfarces perdem eficácia, embora o que pareça mesmo é que não está nem um pouco preocupada em disfarçar alguma coisa.
Sabe que não possui respaldo constitucional ou apoio democrático para realizar as medidas de supressão de direitos trabalhistas e, então, deixa todo o pudor de lado e adota a estratégia de passar como um trator por cima da classe trabalhadora.
Foi assim que se aprovou, em seis meses, a PEC 55 e é assim que se planejam aprovar as “reformas” da Previdência e da legislação trabalhista, que não são, de fato, reformas, mas eliminação plena de direitos.
No que tange à Previdência, o propósito é explicitamente privatizar a Previdência, para facilitar o ganho de capital a investidores estrangeiros, o que se verifica, ademais, também nas áreas da saúde e da educação.
No que tange à “reforma” trabalhista, a intenção concreta não é a mera diminuição de direitos, pois os direitos no Brasil já são escassos e nunca foram concretamente aplicados. O que se pretende é pulverizar ainda mais a classe trabalhadora, para eliminar de vez as possibilidades da ação coletiva dos trabalhadores que poderia inviabilizar as iniciativas privatizantes do atual desgoverno.
Em termos trabalhistas, primeiro os golpistas falaram em ampliação da terceirização, aumento da jornada para 80 horas semanais e negociado sobre o legislado, e mesmo sem ter abandonado tais projetos, que estão mais em pauta do que nunca, sobretudo porque foram incentivados por várias decisões recentes do Supremo Tribunal Federal, vêm agora falar em adoção de trabalho intermitente, retomando, inclusive, a estratégia tantas vezes adotada no governo FHC de se realizar a mudança por meio de Medida Provisória.
A Constituição Federal não permite, em nenhum de seus artigos, que o Executivo se valha de Medida Provisória para regular relações de trabalho. Além disso, a Constituição garantiu aos trabalhadores, como preceito fundamental, ou seja, que não pode ser obstado nem mesmo por Emenda Constitucional, o princípio da melhoria da condição social, concretizado pela eficácia das normas trabalhistas, dentre as quais se notabilizam a relação de emprego protegida contra a dispensa arbitrária e a limitação da jornada de trabalho em 08 horas diárias e 44 horas semanais.
A limitação da jornada de trabalho, que consta, inclusive, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, é fixada em razão do tempo em que o empregado está à disposição do empregador. Ou seja, vislumbra computar o tempo de vida perdido pelo empregado em razão de sua submissão ao trabalho em proveito do empreendimento alheio.
A jornada de trabalho não se conta considerando apenas o tempo de efetivo trabalho porque se assim fosse não se atenderia à lógica histórica da limitação da jornada de trabalho que é: 08 horas de trabalho, 08 horas de sono, 08 horas de lazer. O trabalhador não é só força de trabalho; é um ser humano, um cidadão que tem o direito de ter vida fora do trabalho.
O que os golpistas querem é fazer com que os trabalhadores fiquem 24 horas por conta da venda da força de trabalho, potencializando o estado de necessidade dos trabalhadores, os quais, assim, reificados, não teriam condições de estudar, de organizar sindicatos e de atuar politicamente; tudo para facilitar a extração da mais-valia e para manter sem questionamento a forma autoritária do poder político e sua relação promíscua com o poder econômico.
O trabalho intermitente, portanto, nada tem a ver com o enfrentamento do desemprego, até porque sendo uma forma de subemprego só tem o efeito de aumentar a precariedade no trabalho.
Se algum sentido econômico houvesse na proposta dos golpistas, também a mesma lógica se deveria aplicar a todas as demais profissões. Com isso, os governantes só seriam remunerados pelo tempo em que, efetivamente, estivessem no Palácio “despachando” algum expediente, sendo necessário, inclusive, para tanto, que batessem cartão de ponto. Além disso, seu salário somente seria devido se os atos praticados obtivessem uma avaliação popular positiva, já que, segundo a Constituição, todo o poder emana do povo e em nome dele deve ser exercido e não em proveito de parcela específica do poder econômico.
A mesma situação, aliás, se verificaria com relação a congressistas, ministros do Executivo e do Supremo, desembargadores, juízes etc.
A proposta do desgoverno Temer é, ao mesmo tempo, grotesca, ofensiva e juridicamente inválida.
Ora, imaginemos algumas situações que dela decorreriam: a) a de um vendedor em uma loja de departamentos: a jornada de trabalho seria contada apenas quando um cliente entrasse na loja e fosse por ele atendido. Disso resultaria que o vendedor poderia ficar na loja 12 horas sem que atingisse a jornada de 08 horas e, bem ao contrário da retórica utilizada, os momentos de “ócio”, aguardando o cliente, não seriam úteis ao trabalhador de nenhuma maneira, não gerando efeito na tal “empregabilidade”; b) a de um frentista de posto de gasolina: a jornada de trabalho seria contada apenas quando alguém parasse para abastecer o automóvel e fosse por ele atendido. Disso resultaria que também o frentista poderia ficar no posto 12 horas sem que atingisse a jornada de 08 horas e, bem ao contrário da retórica utilizada, os momentos de “ócio”, aguardando o cliente, não seriam úteis ao trabalhador de nenhuma maneira, não gerando efeito na tal “empregabilidade”; c) a de um porteiro de edifício: a jornada de trabalho seria contada apenas quando algum morador ou visitante chegasse à portaria (sendo que se fosse no horário noturno isso se dá com muito menor incidência). Disso resultaria que o porteiro poderia ficar no edifício 24 horas sem que atingisse a jornada de 08 horas e, bem ao contrário da retórica utilizada, os momentos de “ócio” não seriam úteis ao trabalhador de nenhuma maneira, não gerando efeito na tal “empregabilidade” e; d) a de uma empregada doméstica: a jornada de trabalho seria contada apenas quando estivesse limpando, cozinhando etc. Disso resultaria que a empregada doméstica, que após décadas de uma autêntica escravidão conquistou o direito à limitação da jornada de trabalho, poderia ficar na residência do “patrão” 24 horas sem que atingisse a jornada de 08 horas e, bem ao contrário da retórica utilizada, os momentos de “ócio” não seriam úteis à trabalhadora de nenhuma maneira, não gerando efeito na tal “empregabilidade”...
Aliás, na multiplicidade de situações, o que se teria seria a ampliação do problema da “empregabilidade”, pois o empregador precisaria de muito menos trabalhadores para atender à sua demanda, sobretudo, quando flexível.
O que se tem como efeito concreto da proposta, portanto, é uma tentativa de impor à classe trabalhadora um estágio tal de submissão que torne legítima toda forma de exploração do trabalho, chegando-se ao ponto da eliminação da condição humana dos trabalhadores.
O mesmo se diga, por oportuno, da proposta de tentar ampliar para 180 (cento e oitenta) dias o prazo do contrato temporário, o que não se sustenta nem mesmo matematicamente, pois não pode ser temporário algo que ocorre em metade do ano, até porque não se teria um nome para designar o restante do ano. Certo que se a vida é temporária, tudo é temporário, mas se tudo é temporário, nada é. A questão lógica é que não se pode transformar a exceção em regra pela simples razão de que deixa de ser exceção.
Idêntico problema assola a tentativa de transformar em permanente o PPE – Programa de Proteção ao Emprego, a menos que se assuma o capitalismo como um modelo de risco permanente. Mas se o risco é permanente o efeito é que as tentativas de correção baseadas em sacrifício temporário, supondo-se a existência de um “momento de crise”, deixam de ter qualquer eficácia ou mesmo sentido lógico, impondo-se a adoção, sem qualquer intermitência, de todas as regras de proteção aos trabalhadores fixadas na Constituição.
As propostas do desgoverno Temer são, isto sim, evidências da realidade política do país, vez que se colocam, abertamente, como afrontas à Constituição, deixando claro que para quem está no poder por um golpe de Estado a Constituição não passa de um mero detalhe.
O problema para os golpistas é que a enorme maioria das pessoas que integram as instituições brasileiras e que firmaram compromissos de fazer valer o pacto constitucional não pensarão duas vezes antes de expressar a inconstitucionalidade e a invalidade jurídica, porque também ferem preceitos fundamentais ligados à proteção da dignidade humana, das eventuais Medidas Provisórias ou leis que tragam esses conteúdos.
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