Por João Filho, no site The Intercept-Brasil:
No dia 20 de janeiro, a Folha de São Paulo publicou:
“Em conversas reservadas, o presidente já manifestou o desejo de indicar um nome de perfil 'técnico' e 'apartidário', que não desperte desconfianças de que o Palácio do Planalto poderia querer intervir na Operação Lava Jato.”
A pose republicana do presidente não eleito durou pouco. Temer dizia querer um nome apartidário para o STF para que ninguém desconfiasse de que sua nomeação seria mais uma força-tarefa da Operação Estanca Sangria. Pois bem, o apartidário escolhido é um filiado do PSDB, ou melhor, era. Alexandre de Moraes se desfiliou do partido essa semana e talvez tenha adquirido automaticamente a isenção necessária para integrar a mais alta corte do país.
Como bem lembrou Glenn Greenwald para The Intercept Brasil, a nomeação de um ministro alinhadíssimo ao governo se encaixa perfeitamente no roteiro descrito na famosa conversa vazada entre Jucá e Machado. É o grande pacto nacional, com Supremo, com tudo.
À direita e à esquerda, o nome de Alexandre de Moraes foi contestado. Boa parte da comunidade jurídica se revoltou. Além de ser colega de governo de vários acusados na Lava Jato – processo do qual será revisor no plenário –, o tucano coleciona uma infindável quantidade de polêmicas em todos os cargos pelos quais passou. Com um perfil completamente diferente de Teori Zavascki, Alexandre não é discreto, sóbrio ou técnico. Sempre teve pretensões políticas e costuma promover pirotecnia em suas ações. O futuro ministro do STF é inegavelmente um exibicionista, chegando ao cúmulo de anunciar ações da Lava Jato em comício do PSDB. Como observou o colunista Bernardo Franco Mello, uma das principais virtudes do novo ministro é a “lealdade canina aos superiores”. É com essas qualidades que Alexandre analisará uma investigação envolvendo seu ex-chefe, ex-correligionários e aliados políticos.
A nomeação não foi oficializada, ainda falta o ato final da pantomima. O ex-advogado de Eduardo Cunha terá que passar pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, que é integrada por 13 membros, sendo que 10 – incluindo o seu presidente Edison Lobão (PMDB) – são investigados pela Lava Jato. Para a coisa ficar ainda mais descarada, os senadores já até realizaram uma pré-sabatina com Moraes no Love Boat de Wilder Morais (PP-GO) – flagrado pela Polícia Federal discutindo assuntos do interesse do bicheiro Carlinhos Cachoeira com o governador Marconi Perillo (PSDB-GO).
Na imprensa, a escolha de Moraes foi criticada por muitos articulistas, mas não com a mesma intensidade e indignação de outrora. Miriam Leitão, por exemplo, foi bastante crítica, mas evitou a palavra “aparelhamento” – um termo que ela usou para classificar a escolha de Fachin por Dilma em 2015.
O Estadão foi muito além. Na terça, tivemos um editorial chamado “Afinal, um País com rumo”, que já nasceu como um clássico do chapabranquismo nacional. Na quarta, os donos do jornal opinaram sobre a escolha de Moraes para o STF assim:
Como já era de se esperar, o Estadão foi muito compreensível com a escolha de Michel Temer: minimizou as ligações políticas de Moraes e exaltou suas qualificações técnicas.
Quando Dilma escolheu Fachin para substituir Joaquim Barbosa no STF, o Estadão utilizou outro adjetivo para qualificar a indicação da petista:
Perceba que os motivos que tornam a escolha “infeliz” são as conexões políticas de Fachin, enquanto suas qualificações técnicas foram relegadas a segundo plano. Para o Estadão, as inclinações políticas do juiz só são um problema quando não são as mesmas da família Mesquita.
Aliás, é bastante curioso que se dê tanto destaque para a qualificação técnica de um ministro que plagiou obras estrangeiras em um livro de direito com fins didáticos. Moraes, que é um professor da USP, chegou a copiar parágrafos inteiros de um autor espanhol e apresentou como se fossem de sua autoria. O flagrante caso de corrupção acadêmica virou notícia até na Espanha.
Agora, leia esse trecho de uma tese de doutorado na USP de 2000:
“É vedado (para o cargo de ministro do STF) o acesso daqueles que estiverem no exercício ou tiveram exercido cargo de confiança no Poder Executivo, mandatos eletivos, ou o cargo de procurador-geral da República, durante o mandato do presidente da República em exercício no momento da escolha, de maneira a evitar-se demonstração de gratidão política ou compromissos que comprometam a independência de nossa Corte Constitucional”.
Se não houve outro plágio, o texto é da autoria de Alexandre de Moraes. Mas esqueçam o que ele escreveu. Merval Pereira, um dos colunistas mais prestigiados pelas Organizações Globo e sempre alinhadíssimo à linha editorial da empresa, defendeu essa circunstancial e inacreditável mudança de opinião:
Para tentar explicar essa repentina mudança, Merval recorreu ao contorcionismo: “É um problema para ele, mas a nomeação estava na lista de Temer desde o primeiro momento”. O colunista afirmou também – acredite! – que esta foi “uma escolha técnica do presidente”.
Em outra coluna em O Globo, Merval seguiu os passos do Estadão: ressaltou as qualificações técnicas de Moraes e minimizou as implicações políticas da sua nomeação. Mas Merval também tem direito de mudar de opinião. À época da indicação de Fachin, as qualificações técnicas não pareciam tão importantes e o fato de ele ter declarado fazer parte de um grupo de “juízes que têm lado” deixou o colunista indignado. Em coluna intitulada “O lado errado”, Merval cobrou explicações:
“Juristas ‘que têm lado’ não deveriam estar no Supremo, aleguei então, inclusive por que Fachin notabilizou-se por defender politicamente as ações do MST, o que seria, na minha opinião, uma influência negativa nos seus julgamentos no Supremo. Disse então que Fachin deveria explicar que história era aquela de ‘ter lado’, e que deveria se comprometer com a independência em relação ao governo petista, explicando qual a diferença daquele Fachin de 2010 para o hoje indicado ao STF.”
Se o Estadão achou a escolha de Moraes “compreensível”, O Globo considerou “natural”. Em editorial com o título “A escolha natural de Moraes para o Supremo”, o jornal da família Marinho afirma: “Não é em si preocupante que o indicado tenha passagem pela política, pois magistrados costumam ser independentes, como fica evidente em veredictos no STF”.
Numa época em que partidos governistas sofrem graves acusações na Lava Jato, esses dois grandes veículos consideraram “compreensível” e “natural” a indicação de um filiado do PSDB e integrante do governo para o STF. Longe de mim querer exigir neutralidade no jornalismo, mas é necessário cobrar um mínimo de coerência e transparência. Merval, Globo e Estadão têm lado definido, mas insistem em desfilar vestindo o terninho da imparcialidade.
No dia 20 de janeiro, a Folha de São Paulo publicou:
“Em conversas reservadas, o presidente já manifestou o desejo de indicar um nome de perfil 'técnico' e 'apartidário', que não desperte desconfianças de que o Palácio do Planalto poderia querer intervir na Operação Lava Jato.”
A pose republicana do presidente não eleito durou pouco. Temer dizia querer um nome apartidário para o STF para que ninguém desconfiasse de que sua nomeação seria mais uma força-tarefa da Operação Estanca Sangria. Pois bem, o apartidário escolhido é um filiado do PSDB, ou melhor, era. Alexandre de Moraes se desfiliou do partido essa semana e talvez tenha adquirido automaticamente a isenção necessária para integrar a mais alta corte do país.
Como bem lembrou Glenn Greenwald para The Intercept Brasil, a nomeação de um ministro alinhadíssimo ao governo se encaixa perfeitamente no roteiro descrito na famosa conversa vazada entre Jucá e Machado. É o grande pacto nacional, com Supremo, com tudo.
À direita e à esquerda, o nome de Alexandre de Moraes foi contestado. Boa parte da comunidade jurídica se revoltou. Além de ser colega de governo de vários acusados na Lava Jato – processo do qual será revisor no plenário –, o tucano coleciona uma infindável quantidade de polêmicas em todos os cargos pelos quais passou. Com um perfil completamente diferente de Teori Zavascki, Alexandre não é discreto, sóbrio ou técnico. Sempre teve pretensões políticas e costuma promover pirotecnia em suas ações. O futuro ministro do STF é inegavelmente um exibicionista, chegando ao cúmulo de anunciar ações da Lava Jato em comício do PSDB. Como observou o colunista Bernardo Franco Mello, uma das principais virtudes do novo ministro é a “lealdade canina aos superiores”. É com essas qualidades que Alexandre analisará uma investigação envolvendo seu ex-chefe, ex-correligionários e aliados políticos.
A nomeação não foi oficializada, ainda falta o ato final da pantomima. O ex-advogado de Eduardo Cunha terá que passar pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, que é integrada por 13 membros, sendo que 10 – incluindo o seu presidente Edison Lobão (PMDB) – são investigados pela Lava Jato. Para a coisa ficar ainda mais descarada, os senadores já até realizaram uma pré-sabatina com Moraes no Love Boat de Wilder Morais (PP-GO) – flagrado pela Polícia Federal discutindo assuntos do interesse do bicheiro Carlinhos Cachoeira com o governador Marconi Perillo (PSDB-GO).
Na imprensa, a escolha de Moraes foi criticada por muitos articulistas, mas não com a mesma intensidade e indignação de outrora. Miriam Leitão, por exemplo, foi bastante crítica, mas evitou a palavra “aparelhamento” – um termo que ela usou para classificar a escolha de Fachin por Dilma em 2015.
O Estadão foi muito além. Na terça, tivemos um editorial chamado “Afinal, um País com rumo”, que já nasceu como um clássico do chapabranquismo nacional. Na quarta, os donos do jornal opinaram sobre a escolha de Moraes para o STF assim:
Como já era de se esperar, o Estadão foi muito compreensível com a escolha de Michel Temer: minimizou as ligações políticas de Moraes e exaltou suas qualificações técnicas.
Quando Dilma escolheu Fachin para substituir Joaquim Barbosa no STF, o Estadão utilizou outro adjetivo para qualificar a indicação da petista:
Perceba que os motivos que tornam a escolha “infeliz” são as conexões políticas de Fachin, enquanto suas qualificações técnicas foram relegadas a segundo plano. Para o Estadão, as inclinações políticas do juiz só são um problema quando não são as mesmas da família Mesquita.
Aliás, é bastante curioso que se dê tanto destaque para a qualificação técnica de um ministro que plagiou obras estrangeiras em um livro de direito com fins didáticos. Moraes, que é um professor da USP, chegou a copiar parágrafos inteiros de um autor espanhol e apresentou como se fossem de sua autoria. O flagrante caso de corrupção acadêmica virou notícia até na Espanha.
Agora, leia esse trecho de uma tese de doutorado na USP de 2000:
“É vedado (para o cargo de ministro do STF) o acesso daqueles que estiverem no exercício ou tiveram exercido cargo de confiança no Poder Executivo, mandatos eletivos, ou o cargo de procurador-geral da República, durante o mandato do presidente da República em exercício no momento da escolha, de maneira a evitar-se demonstração de gratidão política ou compromissos que comprometam a independência de nossa Corte Constitucional”.
Se não houve outro plágio, o texto é da autoria de Alexandre de Moraes. Mas esqueçam o que ele escreveu. Merval Pereira, um dos colunistas mais prestigiados pelas Organizações Globo e sempre alinhadíssimo à linha editorial da empresa, defendeu essa circunstancial e inacreditável mudança de opinião:
Para tentar explicar essa repentina mudança, Merval recorreu ao contorcionismo: “É um problema para ele, mas a nomeação estava na lista de Temer desde o primeiro momento”. O colunista afirmou também – acredite! – que esta foi “uma escolha técnica do presidente”.
Em outra coluna em O Globo, Merval seguiu os passos do Estadão: ressaltou as qualificações técnicas de Moraes e minimizou as implicações políticas da sua nomeação. Mas Merval também tem direito de mudar de opinião. À época da indicação de Fachin, as qualificações técnicas não pareciam tão importantes e o fato de ele ter declarado fazer parte de um grupo de “juízes que têm lado” deixou o colunista indignado. Em coluna intitulada “O lado errado”, Merval cobrou explicações:
“Juristas ‘que têm lado’ não deveriam estar no Supremo, aleguei então, inclusive por que Fachin notabilizou-se por defender politicamente as ações do MST, o que seria, na minha opinião, uma influência negativa nos seus julgamentos no Supremo. Disse então que Fachin deveria explicar que história era aquela de ‘ter lado’, e que deveria se comprometer com a independência em relação ao governo petista, explicando qual a diferença daquele Fachin de 2010 para o hoje indicado ao STF.”
Se o Estadão achou a escolha de Moraes “compreensível”, O Globo considerou “natural”. Em editorial com o título “A escolha natural de Moraes para o Supremo”, o jornal da família Marinho afirma: “Não é em si preocupante que o indicado tenha passagem pela política, pois magistrados costumam ser independentes, como fica evidente em veredictos no STF”.
Numa época em que partidos governistas sofrem graves acusações na Lava Jato, esses dois grandes veículos consideraram “compreensível” e “natural” a indicação de um filiado do PSDB e integrante do governo para o STF. Longe de mim querer exigir neutralidade no jornalismo, mas é necessário cobrar um mínimo de coerência e transparência. Merval, Globo e Estadão têm lado definido, mas insistem em desfilar vestindo o terninho da imparcialidade.
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