Por Tarso Genro, no site Sul-21:
O vazamento em pílulas, do que vulgarmente ficou conhecido como “Lista do Janot” — independentemente de quem está nela arrolado – foi mais um episódio da “exceção” em voga no nosso sistema de direito, que unifica politicamente grupos organizados dentro da alta burocracia estatal, a maioria da mídia tradicional e setores liberal –conservadores de vários partidos políticos. Sua forma parcelada, manipulada e ilegal de divulgação, visa omitir sua verdadeira e real novidade: a maioria das pessoas supostamente envolvidas em atos ilegais, que ainda não se sabem quais são — nem se são reais — na sua maioria são originárias, tanto dos partidos golpistas que estavam no governo, como dos partidos golpistas que eram oposição.
Ao misturar o que é velho e já martelado (as acusações praticamente exclusivas contra o PT) com o que é novo e relevante, o domínio - no campo da corrupção - do PMDB e do PSBD, a “Lista de Janot” integra - independentemente da vontade da instituição que ele dirige - o grande elo de ligação da crise das instituições políticas a demonização dos partidos, de forma indistinta, com a sedimentação na opinião pública, do sentido hoje vigente na opinião pública que democracia e política não valem “a pena”. O vazamento da lista sem a formalização pública das acusações protege, na verdade, os eventualmente corruptos que estão ali expostos e ainda pode liquidar a vida política e pessoal daqueles que, em alguns anos, poderão estar absolvidos por ausência de culpa ou dolo.
O objetivo desta “troika” política – burocracia, mídia e setores de partidos – era dar o golpe e fazer rapidamente as “reformas”. Era matar Lula politicamente, eliminar a esquerda da vida pública e disponibilizar as riquezas do país ao capital financeiro predatório, que controla o Estado brasileiro. Suas finalidades foram parcialmente alcançadas, mas o que vai definir o processo é o sucesso, ou não - da “troupe” que hoje controla o poder - na realização das duas reformas axiais destinadas a dar segurança a um novo ciclo de acumulação. São as reformas previdenciária e a trabalhista, que ainda estão em disputa no Congresso Nacional e nas ruas do país.
De uma parte, este novo arranjo político do “rentismo” - através do golpe - visou liquidar com o que restava do projeto do “Brasil-potência” tentado pelos militares pela via da ditadura. Visava, igualmente, bloquear a restauração, pela via política, do desenvolvimentismo democrático e social erguido na esteira de Getúlio, Juscelino, Jango, Brizola, encarnado nos Governos Lula, através do diálogo social ampliado para “baixo” - com as camadas populares - e para “cima”, com os setores empresariais subsidiados, tanto para atenderem o mercado interno, como para estimular as exportações.
De outra parte, este arranjo do novo bloco dirigente de centro-direita, tinha como obrigação pautar (e o fez) as referidas reformas da previdência e trabalhista, para atender dois sujeitos políticos importantes do atual “pacto hegemônico” nacional, a saber: a primeira (reforma previdência) atender os credores privados do Estado, no cenário global; e a segunda (reforma trabalhista), atender os empresários - nacionais ou não - que precisam dar maior competitividade à indústria, que não o fazem pela via de novos padrões tecnológicos e de inovação, mas por meio do rebaixamento do valor real da massa salarial disponível.
Só uma nova frente política nacional-democrática, que envolva partidos, frações de partidos, personalidades, movimentos, setores democráticos e progressistas de corporações do Estado e de instituições da sociedade civil, poderá - como alerta Boaventura Souza Santos - desenvolver uma ação “contra-hegemônica”, com fundamento na democracia representativa, nos direitos humanos e no constitucionalismo democrático, para resistir ao desmantelamento do estado e ao sucateamento de direitos.
A tensão entre democracia e capitalismo - como alerta o mesmo mestre - que resultou no caráter expansivo da democracia (que inicialmente excluía as mulheres e os trabalhadores), agora pende para novas exclusões e opressões. A “questão democrática”, hoje, está fundida com a “questão popular”. O nome da saída deste impasse é republicanismo radical, que retire a política da força corrosiva do capital, para entregá-la nas mãos do povo, que é o destinatário da democracia e garantidor da república.
* Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.
O vazamento em pílulas, do que vulgarmente ficou conhecido como “Lista do Janot” — independentemente de quem está nela arrolado – foi mais um episódio da “exceção” em voga no nosso sistema de direito, que unifica politicamente grupos organizados dentro da alta burocracia estatal, a maioria da mídia tradicional e setores liberal –conservadores de vários partidos políticos. Sua forma parcelada, manipulada e ilegal de divulgação, visa omitir sua verdadeira e real novidade: a maioria das pessoas supostamente envolvidas em atos ilegais, que ainda não se sabem quais são — nem se são reais — na sua maioria são originárias, tanto dos partidos golpistas que estavam no governo, como dos partidos golpistas que eram oposição.
Ao misturar o que é velho e já martelado (as acusações praticamente exclusivas contra o PT) com o que é novo e relevante, o domínio - no campo da corrupção - do PMDB e do PSBD, a “Lista de Janot” integra - independentemente da vontade da instituição que ele dirige - o grande elo de ligação da crise das instituições políticas a demonização dos partidos, de forma indistinta, com a sedimentação na opinião pública, do sentido hoje vigente na opinião pública que democracia e política não valem “a pena”. O vazamento da lista sem a formalização pública das acusações protege, na verdade, os eventualmente corruptos que estão ali expostos e ainda pode liquidar a vida política e pessoal daqueles que, em alguns anos, poderão estar absolvidos por ausência de culpa ou dolo.
O objetivo desta “troika” política – burocracia, mídia e setores de partidos – era dar o golpe e fazer rapidamente as “reformas”. Era matar Lula politicamente, eliminar a esquerda da vida pública e disponibilizar as riquezas do país ao capital financeiro predatório, que controla o Estado brasileiro. Suas finalidades foram parcialmente alcançadas, mas o que vai definir o processo é o sucesso, ou não - da “troupe” que hoje controla o poder - na realização das duas reformas axiais destinadas a dar segurança a um novo ciclo de acumulação. São as reformas previdenciária e a trabalhista, que ainda estão em disputa no Congresso Nacional e nas ruas do país.
De uma parte, este novo arranjo político do “rentismo” - através do golpe - visou liquidar com o que restava do projeto do “Brasil-potência” tentado pelos militares pela via da ditadura. Visava, igualmente, bloquear a restauração, pela via política, do desenvolvimentismo democrático e social erguido na esteira de Getúlio, Juscelino, Jango, Brizola, encarnado nos Governos Lula, através do diálogo social ampliado para “baixo” - com as camadas populares - e para “cima”, com os setores empresariais subsidiados, tanto para atenderem o mercado interno, como para estimular as exportações.
De outra parte, este arranjo do novo bloco dirigente de centro-direita, tinha como obrigação pautar (e o fez) as referidas reformas da previdência e trabalhista, para atender dois sujeitos políticos importantes do atual “pacto hegemônico” nacional, a saber: a primeira (reforma previdência) atender os credores privados do Estado, no cenário global; e a segunda (reforma trabalhista), atender os empresários - nacionais ou não - que precisam dar maior competitividade à indústria, que não o fazem pela via de novos padrões tecnológicos e de inovação, mas por meio do rebaixamento do valor real da massa salarial disponível.
Só uma nova frente política nacional-democrática, que envolva partidos, frações de partidos, personalidades, movimentos, setores democráticos e progressistas de corporações do Estado e de instituições da sociedade civil, poderá - como alerta Boaventura Souza Santos - desenvolver uma ação “contra-hegemônica”, com fundamento na democracia representativa, nos direitos humanos e no constitucionalismo democrático, para resistir ao desmantelamento do estado e ao sucateamento de direitos.
A tensão entre democracia e capitalismo - como alerta o mesmo mestre - que resultou no caráter expansivo da democracia (que inicialmente excluía as mulheres e os trabalhadores), agora pende para novas exclusões e opressões. A “questão democrática”, hoje, está fundida com a “questão popular”. O nome da saída deste impasse é republicanismo radical, que retire a política da força corrosiva do capital, para entregá-la nas mãos do povo, que é o destinatário da democracia e garantidor da república.
* Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.
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