De repente, do nada, forma-se uma onda grande no mar aberto.
A depender dos ventos, pode morrer logo ali na frente ou ganhar força e chegar à praia arrastando tudo o que encontra pela frente.
A imagem marítima me fez lembrar o que aconteceu com a onda Collor em 1989 e pode se repetir agora com Dória.
Em meados de 1988, fui um dos três jornalistas convidados pelo SBT para entrevistar Fernando Collor de Mello, então governador de Alagoas.
Não o conhecia pessoalmente, nem a maioria dos brasileiros fora do seu estado. Confesso que fiquei bastante impressionado com a figura de olhos arregalados e cheia de certezas.
Na saída do estúdio, comentei com Arlindo Silva, homem de confiança de Silvio Santos, que estávamos vendo nascer ali uma candidatura a presidente.
Falei o mesmo sobre Dória aos meus colegas da Record News após a entrevista que fizemos com ele no começo da campanha a prefeito de São Paulo no ano passado, quando ele não tinha mais do que 5% nas pesquisas.
Collor nem aparecia nas pesquisas e, quando comunicou à família e aos amigos que seria candidato a presidente pelo nanico PRN (Partido da Reconstrução Nacional), ninguém o levou muito a sério.
A onda Collor começou a se formar aos poucos, em programas de TV e capas de revista, nos quais ele aparecia como valente "caçador de marajás" (os funcionários do governo de Alagoas que ganhavam altos salários).
Naquela época, como agora, o alto empresariado, o mercado financeiro e a grande mídia procuravam um candidato do campo conservador capaz de defender seus interesses contra a ameaça à esquerda representada por Lula e Brizola.
O ex-governador gaúcho e carioca Leonel Brizola já morreu, mas Lula, que foi para o segundo turno e perdeu para Collor, continua sendo o principal candidato da esquerda para as eleições de 2018.
Não por acaso, Dória não cansa de bater no ex-presidente desde o dia em que foi eleito.
Nenhum naquela penca de candidatos em 1989, a primeira eleição direta para presidente da República após a ditadura - no total, a urna tinha uma lista de 22 nomes - inspirava muita confiança aos donos do poder para derrotar o monstro "Brizula".
Quando ainda não se endeusava o marketing político no Brasil, Collor foi seu próprio marqueteiro e começou a surfar nesta onda em mar aberto, abrindo caminho entre as lideranças tradicionais.
Jovem intrépido, empresário de sucesso, fina estampa, cabelos e colarinhos sempre engomados, bom de discurso e de debate, Collor apresentava-se como o apolítico na luta contra a corrupção dos velhos caciques, embora pertencesse à antiga oligarquia nordestina.
Com perfil bastante semelhante, Dória também surgiu como grande novidade nas eleições municipais do ano passado, anunciando-se como "gestor e não político" e, assim como Collor, foi o principal marqueteiro da sua campanha.
Depois de assumir a prefeitura da maior cidade do país, continuou em campanha, e logo se tornaria um fenômeno de expressão nacional. Ao contrário de Collor e seu PRN, Dória elegeu-se por um grande partido, o PSDB do presidenciável Geraldo Alckmin.
Nesta segunda-feira, ao sentir o cheiro da brilhantina, e vendo a onda Dória crescer no mar tucano, o governador Alckmin correu para um evento promovido pela Lide, a empresa de eventos do prefeito.
Ao ser perguntado pela platéia se pretendia concorrer à Presidência da República, Alckmin foi mais Alckmin do que nunca.
"Se eu disser que não quero, que não pretendo, não é verdade". E emendou: "Mas candidatura a cargo majoritário não é vontade pessoal. Ela é fruto de um desejo coletivo".
Pois é exatamente aí que reside o perigo para as pretensões do eterno governador paulista: nas últimas pesquisas, o nome de Dória já surge à frente dos presidenciáveis tucanos alvejados pela Lava Jato.
E embora tenha jurado duas vezes a Heródoto Barbeiro, em entrevistas gravadas na Record News, que ficará os quatro anos de mandato na prefeitura, João Dória já não respondeu com tanta convicção quando lhe perguntaram ontem na rádio "Jovem Pan" se aceitaria se candidatar à Presidência caso receba um apelo dos tucanos:
"O apelo não foi feito ainda, então não posso responder".
É sempre bom lembrar que José Serra, outro presidenciável do PSDB, registrou até documento em cartório prometendo não deixar a prefeitura antes de concluir o mandato de quatro anos.
Dois anos depois, largou o cargo para se candidatar a governador.
Vida que segue.
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