Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
O minueto que irá decidir o destino de Michel Temer no Tribunal Superior Eleitoral evolui no compasso esperado numa situação de baderna institucional absoluta, traço essencial da vida política do Brasil de hoje.
Embora Gilmar Mendes tenha marcado o início do julgamento para terça-feira que vem, o que tem levado muitos observadores a imaginar um desfecho para breve, até o momento falta conhecer o principal: quais serão os fundamentos jurídicos de uma decisão que terá impacto imenso sobre os destinos de uma nação de 200 milhões de pessoas, líder da América do Sul e uma das dez maiores economias do planeta.
A julgar pelo que se viu até aqui, o fundamento jurídico é nada. Já a política -- no sentido partidário, de preferência e alinhamento -- é tudo. O saldo? Um vexame.
Começando pela discussão mais recente, que envolve o voto dos ministros Henrique Neves e Luciana Lossio. Em abril, expira o mandato de Henrique Neves, que será obrigado a deixar o tribunal. Em maio, é a vez de Luciana Lóssio ir embora. O debate é saber se os dois poderão ou não antecipar o voto antes de partir. Num plenário com sete votos, é uma questão obviamente relevante.
Não se trata de uma discussão jurídica mas política. Tudo se resume ao fato de que os dois ministros são considerados juristas não-alinhados com a preservação do mandato de Michel Temer, que tem interesses ululantes em ocupar suas vagas (e seus votos) com ministros de sua confiança e assim permanecer no Planalto até 2018.
O problema é que, do ponto de vista jurídico, o debate é outro -- num universo onde as togas negras deveriam ter prioridade sobre as preferências partidárias.
Basta recordar o julgamento da AP 470 para confirmar que essa discussão nem deveria existir. Em agosto 2012, o ministro Cezar Peluso, um adversário duro do PT, mas que poderia ficar de fora da decisão em função da aposentadoria -- na época, fixada em 70 anos -- foi autorizado a antecipar seus votos. Medida excepcional, mas legal, o voto fora de calendário de Peluso foi autorizado pelo então presidente do Tribunal, Ayres Britto. O ministro Peluso não decepcionou: "como poucos, usou palavras duras para rebater os argumentos da defesa," disse, em tom elogioso, editorial da Folha de S. Paulo, que também afirmou que o ministro: "encerrou sua participação com um voto rigoroso, como temiam os réus do mensalão, e foi homenageado pelos colegas, pelo procurador-geral da República e por advogados. " Em determinado momento, para referir-se aos argumentos do ex-deputado João Paulo Cunha, o ministro Supremo fulminou: "o réu mentiu."
O esforço para assegurar o voto -- previsível -- de Peluso se explica pelo prognóstico difícil daquele julgamento. Estava claro que havia uma maioria contra os réus do PT no STF. Mas considerava-se que, num caso daquela envergadura, era importante obter uma vantagem arrasadora, para evitar dúvidas e recursos futuros, que necessitam de uma base mínima de votos contrários para serem considerados. Era uma argumentação politica, um cálculo de resultados. Havia, no entanto, uma base jurídica para a antecipação e por isso ela não foi questionada.
Em março de 2017, a decisão no TSE ocorre em outro momento da conjuntura e da História, quando a contaminação do Judiciário pelos interesses políticos -- no sentido partidário -- ameaça criar um ambiente disfuncional.
Os dois ministros são questionados por sua visão política. Ao se fazer isso, considera-se que não têm capacidade para distanciar-se de suas opções -- presumidas -- para agir de acordo com sua formação e as convicções de profissionais do Direito.
O problema dessa situação é que a política sobrevive em outro universo. É feita por cidadãos que tem um projeto de poder e lealdades a respeitar. A base, numa democracia, é o voto popular.
Quando estes mundos com códigos paralelos e muitas vezes opostos se misturam, o produto são várias distorções acumuladas.
Para começar, os vazamentos, que deveriam ser um acidente, e até motivo de investigação, se transformam em instrumento regular de pressão e confronto. Um candidato tem o direito e mesmo a obrigação de anunciar, com antecedência, as medidas que pretende tomar no exercício de suas funções. Um juiz fala pelos autos e não deve antecipar suas sentenças. Na justiça, todos têm direito a um tratamento igual. Na política, cada um tem suas prioridades -- e vai à luta atrás do voto do eleitor.
Num julgamento normal, nem haveria o que discutir sobre o destino de Michel Temer, diante da abundância de provas -- já conhecidas -- apuradas pelo incansável relator Herman Benjamin. No TSE, a questão é contar votos. A situação lembra o processo das reformas no Congresso. Não se entra no mérito da reforma da Previdência, nas consequências nefastas da terceirização e da emenda dos gastos. A questão é poder e força.
É assim que chegamos a um debate inevitável do julgamento da chapa Dilma-Temer, que envolve o ponto essencial: a punição reservada aos dois, na hipótese de uma condenação. Apesar do sigilo, sabemos hoje que o procurador eleitoral Nicolau Dino deve pedir a cassação de Michel Temer e a inelegibilidade de Dilma, já cassada pelo Senado. É uma visão curiosa pelo mérito, já que permitiria, em tese, que Temer perdesse o mandato de 2014 mas pudesse se candidatar -- e até ser eleito -- por via indireta através do Congresso.
Mas é um voto problemático -- do ponto de vista jurídico -- quando se recorda que o presidente do TSE, Gilmar Mendes, já formulou e divulgou sua própria opinião a respeito. A proposta de Nicolau Dino vai na linha da decisão do Senado Federal, que cassou o mandato de Dilma Rousseff. Num dos vários capítulos de suas disputas públicas com Ricardo Lewandowski, que presidiu o julgamento no STF, Gilmar foi simples e claro sobre a proposta. Disse que não passava de uma decisão "bizarra", que “não passa na prova dos noves do jardim de infância do direito constitucional”
O ambiente em que o TSE irá tomar uma decisão crucial como deliberar quem irá ocupar o Palácio do Planalto até 2018 é fruto de um processo de ocupação dos espaços da política -- e do voto popular -- pelo judiciário. Iniciado na AP 470, prosseguido na Lava Jato, atingiu o ponto máximo no impeachment sem crime de responsabilidade que afastou Dilma Rousseff e empossou Michel Temer. Este é o ponto de ruptura.
A experiência ensina que, em situações de impasse como aquele que se avizinha a partir de terça-feira, a Justiça brasileira possui um arsenal de recursos regimentais -- a começar pelos pedidos de vista -- para adiantar, atrasar ou simplesmente paralisar uma decisão, de modo a prolongar uma situação em vigor, em benefício daqueles que tem interesse em manter tudo como está. Esta é a aposta de Michel Temer. Em vez de ganhar e não levar, seus aliados calculam que poderia levar -- mesmo sem ganhar.
Esta é a questão real as vésperas do julgamento do TSE: ganhar tempo.
Desmascarado pelas peripécias vergonhosas de seus maiores beneficiários, o falso moralismo da coalizão golpista tornou-se o menor dos problemas. As aparências pouco importam.
Vivemos aquela hora da festa em que a banda parou de tocar, os garçons suspenderam a passagem de bandejas de comida e bebida, os convidados importantes trocam olhares interrogativos perguntando se não é hora de ir embora -- enquanto a maioria dos presentes começa a identificar sinais de um logro inaceitável.
Esta é a grande novidade, cada vez mais evidente.
A beira de um abismo econômico de dimensão histórica, a situação do país não produz conformismo nem passividade mas resistência e espírito de luta.
O minueto que irá decidir o destino de Michel Temer no Tribunal Superior Eleitoral evolui no compasso esperado numa situação de baderna institucional absoluta, traço essencial da vida política do Brasil de hoje.
Embora Gilmar Mendes tenha marcado o início do julgamento para terça-feira que vem, o que tem levado muitos observadores a imaginar um desfecho para breve, até o momento falta conhecer o principal: quais serão os fundamentos jurídicos de uma decisão que terá impacto imenso sobre os destinos de uma nação de 200 milhões de pessoas, líder da América do Sul e uma das dez maiores economias do planeta.
A julgar pelo que se viu até aqui, o fundamento jurídico é nada. Já a política -- no sentido partidário, de preferência e alinhamento -- é tudo. O saldo? Um vexame.
Começando pela discussão mais recente, que envolve o voto dos ministros Henrique Neves e Luciana Lossio. Em abril, expira o mandato de Henrique Neves, que será obrigado a deixar o tribunal. Em maio, é a vez de Luciana Lóssio ir embora. O debate é saber se os dois poderão ou não antecipar o voto antes de partir. Num plenário com sete votos, é uma questão obviamente relevante.
Não se trata de uma discussão jurídica mas política. Tudo se resume ao fato de que os dois ministros são considerados juristas não-alinhados com a preservação do mandato de Michel Temer, que tem interesses ululantes em ocupar suas vagas (e seus votos) com ministros de sua confiança e assim permanecer no Planalto até 2018.
O problema é que, do ponto de vista jurídico, o debate é outro -- num universo onde as togas negras deveriam ter prioridade sobre as preferências partidárias.
Basta recordar o julgamento da AP 470 para confirmar que essa discussão nem deveria existir. Em agosto 2012, o ministro Cezar Peluso, um adversário duro do PT, mas que poderia ficar de fora da decisão em função da aposentadoria -- na época, fixada em 70 anos -- foi autorizado a antecipar seus votos. Medida excepcional, mas legal, o voto fora de calendário de Peluso foi autorizado pelo então presidente do Tribunal, Ayres Britto. O ministro Peluso não decepcionou: "como poucos, usou palavras duras para rebater os argumentos da defesa," disse, em tom elogioso, editorial da Folha de S. Paulo, que também afirmou que o ministro: "encerrou sua participação com um voto rigoroso, como temiam os réus do mensalão, e foi homenageado pelos colegas, pelo procurador-geral da República e por advogados. " Em determinado momento, para referir-se aos argumentos do ex-deputado João Paulo Cunha, o ministro Supremo fulminou: "o réu mentiu."
O esforço para assegurar o voto -- previsível -- de Peluso se explica pelo prognóstico difícil daquele julgamento. Estava claro que havia uma maioria contra os réus do PT no STF. Mas considerava-se que, num caso daquela envergadura, era importante obter uma vantagem arrasadora, para evitar dúvidas e recursos futuros, que necessitam de uma base mínima de votos contrários para serem considerados. Era uma argumentação politica, um cálculo de resultados. Havia, no entanto, uma base jurídica para a antecipação e por isso ela não foi questionada.
Em março de 2017, a decisão no TSE ocorre em outro momento da conjuntura e da História, quando a contaminação do Judiciário pelos interesses políticos -- no sentido partidário -- ameaça criar um ambiente disfuncional.
Os dois ministros são questionados por sua visão política. Ao se fazer isso, considera-se que não têm capacidade para distanciar-se de suas opções -- presumidas -- para agir de acordo com sua formação e as convicções de profissionais do Direito.
O problema dessa situação é que a política sobrevive em outro universo. É feita por cidadãos que tem um projeto de poder e lealdades a respeitar. A base, numa democracia, é o voto popular.
Quando estes mundos com códigos paralelos e muitas vezes opostos se misturam, o produto são várias distorções acumuladas.
Para começar, os vazamentos, que deveriam ser um acidente, e até motivo de investigação, se transformam em instrumento regular de pressão e confronto. Um candidato tem o direito e mesmo a obrigação de anunciar, com antecedência, as medidas que pretende tomar no exercício de suas funções. Um juiz fala pelos autos e não deve antecipar suas sentenças. Na justiça, todos têm direito a um tratamento igual. Na política, cada um tem suas prioridades -- e vai à luta atrás do voto do eleitor.
Num julgamento normal, nem haveria o que discutir sobre o destino de Michel Temer, diante da abundância de provas -- já conhecidas -- apuradas pelo incansável relator Herman Benjamin. No TSE, a questão é contar votos. A situação lembra o processo das reformas no Congresso. Não se entra no mérito da reforma da Previdência, nas consequências nefastas da terceirização e da emenda dos gastos. A questão é poder e força.
É assim que chegamos a um debate inevitável do julgamento da chapa Dilma-Temer, que envolve o ponto essencial: a punição reservada aos dois, na hipótese de uma condenação. Apesar do sigilo, sabemos hoje que o procurador eleitoral Nicolau Dino deve pedir a cassação de Michel Temer e a inelegibilidade de Dilma, já cassada pelo Senado. É uma visão curiosa pelo mérito, já que permitiria, em tese, que Temer perdesse o mandato de 2014 mas pudesse se candidatar -- e até ser eleito -- por via indireta através do Congresso.
Mas é um voto problemático -- do ponto de vista jurídico -- quando se recorda que o presidente do TSE, Gilmar Mendes, já formulou e divulgou sua própria opinião a respeito. A proposta de Nicolau Dino vai na linha da decisão do Senado Federal, que cassou o mandato de Dilma Rousseff. Num dos vários capítulos de suas disputas públicas com Ricardo Lewandowski, que presidiu o julgamento no STF, Gilmar foi simples e claro sobre a proposta. Disse que não passava de uma decisão "bizarra", que “não passa na prova dos noves do jardim de infância do direito constitucional”
O ambiente em que o TSE irá tomar uma decisão crucial como deliberar quem irá ocupar o Palácio do Planalto até 2018 é fruto de um processo de ocupação dos espaços da política -- e do voto popular -- pelo judiciário. Iniciado na AP 470, prosseguido na Lava Jato, atingiu o ponto máximo no impeachment sem crime de responsabilidade que afastou Dilma Rousseff e empossou Michel Temer. Este é o ponto de ruptura.
A experiência ensina que, em situações de impasse como aquele que se avizinha a partir de terça-feira, a Justiça brasileira possui um arsenal de recursos regimentais -- a começar pelos pedidos de vista -- para adiantar, atrasar ou simplesmente paralisar uma decisão, de modo a prolongar uma situação em vigor, em benefício daqueles que tem interesse em manter tudo como está. Esta é a aposta de Michel Temer. Em vez de ganhar e não levar, seus aliados calculam que poderia levar -- mesmo sem ganhar.
Esta é a questão real as vésperas do julgamento do TSE: ganhar tempo.
Desmascarado pelas peripécias vergonhosas de seus maiores beneficiários, o falso moralismo da coalizão golpista tornou-se o menor dos problemas. As aparências pouco importam.
Vivemos aquela hora da festa em que a banda parou de tocar, os garçons suspenderam a passagem de bandejas de comida e bebida, os convidados importantes trocam olhares interrogativos perguntando se não é hora de ir embora -- enquanto a maioria dos presentes começa a identificar sinais de um logro inaceitável.
Esta é a grande novidade, cada vez mais evidente.
A beira de um abismo econômico de dimensão histórica, a situação do país não produz conformismo nem passividade mas resistência e espírito de luta.
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