Foto: Felipe Bianchi/Barão de Itararé |
Diretor-presidente da Agência Nacional do Cinema (Ancine), Manoel Rangel visitou o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé nesta quarta-feira (12) para discutir o cenário e os desafios colocados para o audiovisual. Segundo ele, desde 2002, as políticas públicas de regulação e fomento ajudaram a estruturar e fortalecer bastante o setor. A fronteira tecnológica ainda não regulada, que diz respeito aos serviços de Vídeo Sob Demanda (VOD), é a bola da vez.
“Até 2002, predominava a ideia de que a política de audiovisual tinha de ser voltada à empresas, produtores e, basicamente, ao mercado. A partir dali, assumimos que a política de audiovisual deve ser voltada à sociedade”, avalia Rangel. Essa concepção resultou em avanços significativos para o setor, em forma de leis e programas que, em última análise, elevaram a outro patamar o mercado audiovisual brasileiro.
“Ao longo dos últimos anos, o Brasil construiu uma política nacional forte para o setor audiovisual e do cinema. Política de Estado, com suporte legal sólido”, coloca. “A Ancine marca a recriação de um órgão de Estado para o audiovisual, que fora abandonado no começo da década de 90. O órgão segue o que tem de melhor e mais avançado no mundo para regulação e fomento no setor”.
A Lei da TV paga, de acordo com Rangel, é um dos principais exemplos do avanço do conceito da regulação no setor. “A lei 12.485 é a primeira grande resposta organizada ao tema da convergência digital, articulando a regulação entre audiovisual e telecomunicações”, explica. “A lei reconhece a necessidade da regulação e estabelece a obrigação de veiculação de conteúdo brasileiro nos canais da TV paga [leia mais sobre a lei]. Isso representou um salto extraordinário na veiculação do conteúdo nacional: em 2002, tínhamos 200 obras nacionais, com conteúdo de produtoras independentes, licenciadas para serem veiculadas na TV paga. Em 2011, 700 obras. Em 2016, chegamos a 5 mil obras licenciadas”.
Os dispositivos criados pela lei estressaram a capacidade de produção audiovisual do eixo Rio-SP, pontua Rangel, o que levou essa demanda para outras regiões do Brasil, ampliando o surgimento e a atuação de produtoras em todo o país. O programa Brasil de Todas as Telas, lançado em 2014, também segue essa diretriz: “Passamos a ter, pela primeira vez, uma política do tamanho do Brasil, que colocou em foco a tarefa de implementar a produção audiovisual nos 27 estados do país. Estimulou-se a produção independente em aliança com a TV pública, com as TVs abertas e privadas, para capilarizar essa produção em todo o país”.
Uma das principais marcas do fomento ao setor, destaca o diretor-presidente da Ancine, é o Fundo Setorial do Audiovisual, criado a partir da lei 11.437. Segundo Rangel, trata-se de um quadro completo de ferramentas para financiar as políticas públicas voltadas ao setor. “Retoma-se a ideia de que o Estado tem de ter um instrumento financeiro para atuar sobre os gargalos de desenvolvimento do audiovisual”, diz. “Até aquele momento, os recursos vinham, principalmente, do incentivo fiscal às empresas, que decidiam por si como investir. O fundo setorial muda o patamar de investimentos”.
Ao longo desse processo, Rangel sintetiza que os objetivos do Plano de Diretrizes e Metas da Ancine girou basicamente em torno do seguinte eixo: ampliar o acesso dos brasileiros aos conteúdos audiovisuais como um todo e empreender um esforço para fazer crescer o mercado audiovisual, o que contribui para ampliar a produção de conteúdo nacional e aumentar a capacidade de investimento do próprio Estado. “Nossa questão central sempre foi o estímulo à produção nacional independente e a circulação e acesso a esses conteúdos”, salienta.
Após a consolidação do impeachment, o governo de Michel Temer passou a promover o desmonte do Estado brasileiro. Apesar disso, Rangel aposta na manutenção dos avanços do setor devido à força e resultados de suas leis. “O conjunto de leis aprovadas é muito sólido, pois são leis que estão regulamentadas e funcionam”, diz. Para ele, a tendência é que a troca de governo não afete o papel desempenhado pela Ancine ou reverta os avanços obtidos desde 2002.
Vídeo Por Demanda: Por que regular?
A polêmica em torno da necessidade de regulação de serviços de Vídeo Por Demanda (VOD), cujo exemplo mais popular é o Netflix, não se sustenta, na opinião de Rangel. Não faltam argumentos para defender a regulação deste tipo de serviço, ao contrário do que acreditam até mesmo setores da esquerda brasileira.
“Não regular significa estabelecer que o setor audiovisual como um todo não precisa ser regulado”, aponta. “Quando o Estado não regula, alguém está regulando e, em geral, esse alguém são as grandes corporações econômicas, que ditarão como e de que jeito as práticas se darão nessas operações. Práticas econômicas, culturais, democráticas, a maneira de circular opinião, quem tem acesso e quem não tem”.
Por se tratar de um serviço que opera via banda larga, um território livre, a princípio, as grandes corporações têm tudo para prevalecer. “A chance dos pequenos é minúscula. Como competir, em um ambiente livre, com Netflix, HBO Go, Amazon e tantas outras empresas internacionais que estão surgindo?”, questiona. “Prestadores de serviço tradicionais do audiovisual estão retardando a sua entrada ou desenvolvimento no mercado. Há incertezas”.
Apesar de ter posicionamento claro sobre a questão da regulação, Rangel compreende que o tema é complexo. "Estamos diante de uma nova fronteira. Trata-se de um novo serviço audiovisual com força pra competir com a TV paga, TV aberta e cinema. Não regulá-lo significa colocar o serviço em condição de desigualdade com o resto do setor, abrindo mão de todas as políticas para o audiovisual e os princípios da Comunicação Social contidos na Constituição”, argumenta.
Apesar da convicção, o diretor-presidente da Ancine explica que o órgão preferiu não apressar o processo de implementação de regras pelo fato de o serviço ainda ser muito incipiente. “O Estado pode sufocar o desenvolvimento de uma atividade econômica se ele passa a impor uma série de regras sem nem saber como será a forma daquilo. O serviço precisa surgir, se desenvolver e apresentar suas características e limitações. O Estado tem de atuar a partir daí”, opina. “Desde 2015, temos atuado nesse debate. Abrimos debate público sobre o tema e a Ancine passou a participar de atividades, expondo suas opiniões”.
O debate foi encampado pelo Ministério da Cultura e pelo Conselho Superior de Cinema, relata. Além disso, tem-se colhido opiniões e posições dos agentes do setor, traçando paralelo com as experiências internacionais - em especial, a europeia.
“Os agentes econômicos que prestam serviços de VOD vêm dos mais diversos mundos. Programadoras de TV, cinema, livraria, fabricante de equipamentos… Todos eles têm interfaces que levam a isso. A mesma coisa com as empresas de telefonia”, acrescenta.
Os provedores de VOD, se pudessem, prefeririam um ambiente sem regulação, afirma Rangel. De outro lado, prestadores de serviços audiovisuais tradicionais, questionam a razão de terem de se submeter a um conjunto de obrigações, enquanto outros não. É preciso haver isonomia. “Fixamos a ideia de que é preciso, sim, regular o VOD. A polêmica e o desafio a serem resolvidos é sobre quais as medidas a serem adotadas e em qual dosagem. Para se ter ideia, os provedores desse tipo de serviço, até o momento, não precisam prestar nenhum tipo de informação ao Estado brasileiro".
Conforme Rangel anuncia, a Ancine divulgará em breve o relatório da Consulta Pública sobre o assunto e dará seu parecer. Esse aporte, de acordo com ele, será entregue ao Poder Executivo, ao Poder Legislativo e à sociedade brasileira, de forma a dar continuidade no debate público e, possivelmente, avançar na regulação do serviço.
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