Wanderley Guilherme dos Santos |
Apesar de aparentemente constitucional, o processo que afastou a presidente Dilma Rousseff foi pavimentado por ações que se desviaram das regras legais do país, subvertendo o equilíbrio da democracia. As consequências do rompimento constitucional ainda estão em curso e podem impedir que as forças populares participem em pé de igualdade das eleições em 2018.
A avaliação é de Wanderley Guilherme dos Santos, professor aposentado da UFRJ e um dos maiores cientistas políticos da atualidade, reconhecido por ter prenunciado o golpe militar de 1964, dois anos antes, no seu livro "Quem Dará o Golpe no Brasil" (Civilização Brasileira, 1962).
Em entrevista para Luis Nassif, Wanderley falou da sua mais recente publicação, "A Democracia Impedida - O Brasil no Século XXI" (FGV, 2017), analisando a crise política atual que, segundo ele, teve como raiz a “fraude constitucional” que partiu da interpretação de três ministros do Supremo Tribunal Federal: Joaquim Barbosa, Ayres Brito e Rosa Weber, no julgamento da Ação Penal 470, conhecida como “mensalão”, começando pelo que considerou "uma declaração gravíssima", do Ministro Barbosa, de que a Constituição Federal era o que o Supremo Tribunal Federal dizia que ela era.
"Isso é sério, quem diz o que é a Constituição é o poder ordinário do povo, através dos seus representantes com mandatos específicos ", destacou Wanderley.
A posição de Barbosa foi seguida pela maioria dos ministros do Supremo, com destaque para Ayres Brito e Rosa Weber que, segundo o professor ajudaram a assentar o muro da arbitrariedade. Ayres Brito, em especial, quando introduziu no Supremo a tese de que o réu tinha que provar sua inocência, durante o julgamento de José Dirceu, ao dizer que não era possível que o ex-ministro de Lula não soubesse do crime que estava sendo executado, competindo a Dirceu, portanto, provar que não sabia.
“Ora, ninguém pode saber de algo criminoso, a não ser sabendo de alguma coisa que só quem participou saberia. Portanto, ele [Dirceu] teria que mostrar alguma coisa que quem participou saberia, e isso é impossível [quando não se está envolvido no crime]”, completou o cientista político.
Por fim, Rosa Weber cometeu a "terceira barbaridade", quando, também no julgamento de Dirceu, admitiu que embora não tivesse nenhuma prova de que o réu praticou os crimes dos quais estava sendo acusado, o condenava justificando que "a literatura" jurídica lhe concedia esse poder. "Sua tese era a seguinte: quanto maior a responsabilidade e autoridade do acusado, suposto criminoso, menor a possibilidade de que se encontre prova de que ele é criminoso. Consequência: zero provas, 100% de culpabilidade", arrematou Wanderley.
Assim, o professor concluiu que as ações de Joaquim Barbosa, Ayres Brito e Rosa Weber formaram os "três pilares que subverteram a ordem constitucional" do país, completando:
"[Com isso eles] entregaram para todas as instâncias do judiciário instrumentos de absoluta tirania judicial ao dizer que a lei é aquilo que eu digo o que ela é e, ainda, se o senhor não pode provar que não é culpado, o senhor é culpado".
Celso de Melo e Barroso
Além de Barbosa, Brito e Weber, o professor analisou também que os ministros Celso de Mello e Luiz Roberto Barros contribuíram para o quadro de desestabilização. O primeiro, por lançar mão de longos discursos fazendo de cada voto seu uma espécie de espetáculo, isso já durante a AP 470, desviando-se da objetividade com que o tema poderia ter sido tratado, contribuindo dessa forma para a "degradação dos ritos constitucionais".
Já a incoerência de Barroso estaria na sua defesa de que o Judiciário pode ocupar o papel de legislador quando a Câmara dos Deputados e o Senado “silenciam-se” diante de regras ainda em aberto nos capítulos da Constituição.
"Isso é uma loucura, porque não fazer é uma opção do legislativo. Não fazer não é uma decisão de não fazer, é uma decisão de não tratar daquele assunto naquele momento. É um mandato absolutamente legítimo do legislador dizer 'não desejo tratar desse assunto, não acho maduro'". Assim, Wanderley avalia que o ministro limitou sua visão democrática apenas para dentro do Supremo.
Impeachment de Dilma
Como visto na Ação Penal 470, provas não são necessárias para que a corte do Supremo Tribunal Federal decida pela condenação de um indivíduo, abrindo precedentes para o processo que derrubou a presidente Dilma Rousseff. A ex-presidente foi impichada sem a comprovação do crime de responsabilidade fiscal que não é o mesmo que as "pedaladas fiscais", termo usado para definir as operações orçamentárias realizadas pelo governo que consistem em atrasar o repasse de verbas aos bancos públicos e privados.
Sinuca das forças políticas em 2018
Wanderley acredita que a etapa que desestruturou a democracia brasileira pode ter chegado no seu "apogeu", pela forma como movimentos populares começaram a se manifestar, sobretudo em resposta às reformas da previdência e trabalhista. E essa “aparente virada de jogo, torna mais angustiante a perspectiva de curto prazo” dos setores que apoiaram e apostaram no golpe, incluindo a grade mídia, de evitarem que um representante das forças populares vença a eleição presidencial em 2018.
“Está cada vez mais difícil para eles, porque Lula pode ser eleito, e se o ex-presidente não puder ser eleito por ter a candidatura inviabilizada, ele pode apontar alguém e Lula, apontando alguém, é complicado, ainda mais estando preso”.
A perspectiva, para o cientista político, é que as próximas cenas da história nacional vão se intensificar e os setores diretamente responsáveis pelo golpe vão usar todas as armas possíveis para “não permitir a volta das forças populares ao circuito normal do diálogo democrático”.
Necessidade de um contragolpe e reestruturação da mídia
“Supondo que ocorra [eleições de 2018], tem que ficar claro para os órgãos de comunicação, já na campanha, que essa situação vai mudar drasticamente. Não pode haver uma corporação que controle rádios, jornais, revistas, televisões em todo o território nacional. Isso não existe em lugar nenhum”, orienta Wanderley, salientando ainda que o golpe exige um "contragolpe", no sentido de restabelecer as bases do sistema democrático brasileiro, o que poderia acontecer na figura de políticos que, com o apoio popular, se comprometam a voltar à rota do desenvolvimentismo includente. E, para o professor, as Organizações Globo, em especial, são grandes obstáculos ao avanço da democracia no país.
"Não se trata de destruir a organização, de maneira nenhuma. Mas pela instância jurídica isso tem que ser discutido, a concorrência com capacidade de concorrer tem que ter espaço", concluiu.
Acompanhe [aqui] a entrevista na íntegra:
0’00 até 5’22” – Joaquim Barbosa deu início à subversão constitucional na AP 470
3'33" A afirmação de Joaquim Barbosa de que a Constituição era o que o Supremo dizia que ela é
5'23" Ao julgar Dirceu, Ayres Brito lança tese de que culpado deve provar sua inocência
8'11" Também no julgamento de Dirceu, Rosa Weber aprova condenação admitindo a inexistência de provas
12'02" - Celso de Mello e seus longos discursos
14'18" – A visão Luiz Roberto Barroso o papel do judiciário como legislador
18'35" A sinuca das forças golpistas com 2018.
23'39" Necessidade de contragolpe, candidatos progressistas em 2018 e quebra de poder dos oligopólios midiáticos
25'28" Organizações Globo são obstáculo à evolução da democracia
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