Por Luiz Gonzaga Belluzzo, na revista CartaCapital:
O Big Brother global não cobriu, mas encobriu, por todos os meios e modos, a greve geral do dia 28 de abril. Durante a programação noticiosa, o telespectador ficou à mercê do excesso de gesticulações de âncoras e que tais, contorcionismos que denunciavam o mal-estar com a negação dos fatos que ocupavam e desocupavam as ruas. Não raro, os diálogos entre apresentadores e repórteres se encerravam com ataques ao vernáculo: “Brigado”.
A propósito da imprensa e de suas liberdades, julguei oportuno reproduzir nesta coluna o relatório final da Comissão sobre a Liberdade de Imprensa, nomeada em 1947 pelo Congresso dos Estados Unidos. Considero o texto um exemplo de equilíbrio e acuidade no tratamento do tema “liberdade de imprensa”.
Diz o relatório: existe uma razão inversamente proporcional entre a vasta influência da imprensa na atualidade e os grupos sociais que podem utilizá-la para expressar suas opiniões. Enquanto a importância da imprensa para o povo aumentou enormemente com o seu desenvolvimento como meio de comunicação de massa, “diminuiu em grande escala a proporção de pessoas que podem expressar suas opiniões e ideias através da imprensa”.
O relatório procurou apontar “o que a sociedade tem direito de exigir de sua imprensa”. Definiu duas regras essenciais para o legítimo exercício da liberdade de informação e de opinião:
1. “Todos os pontos de vista importantes e todos os interesses da sociedade devem estar representados nos organismos de comunicação de massa.”
2. “É necessário que a imprensa dê uma ideia dos grupos que constituem a sociedade. Dizer a verdade a respeito de qualquer grupo social – sem excluir suas debilidades e vícios – incluí também reconhecer seus valores, suas aspirações, seu caráter humano.”
As recomendações exaradas no relatório da Comissão sobre a Liberdade de Imprensa refletem o espírito do tempo nos Estados Unidos e na Europa Ocidental: a aposta no aperfeiçoamento dos processos de controle democrático sobre o Estado e sobre o poder privado.
O trauma das duas guerras mundiais e da Grande Depressão saturou o ambiente intelectual dos anos 1940 do século XX da rejeição aos totalitarismos, seja o do despotismo do mercado descontrolado, seja o dos chefes providenciais.
O sociólogo Karl Mannheim, um pensador representativo de sua época, escreveu em 1950, no livro Liberdade, Poder e Planejamento Democrático: “Não devemos restringir o nosso conceito de poder ao poder político. Trataremos do poder econômico e administrativo, assim como do poder de persuasão que se manifesta através da religião, da educação e dos meios de comunicação de massa, tais como a imprensa, o cinema e a radiodifusão”.
Mannheim dizia temer menos os governos, que podemos controlar e substituir, e muito mais os poderes privados que exercem sua influência no “interior” das sociedades modernas. Não é preciso ter lido Michel Foucault para suspeitar de truculências que não dizem o seu nome e são impiedosamente exercidas nas “malhas do poder”, tecidas em silêncio no interior das sociedades.
O vírus da intolerância midiática desenvolve-se rapidamente na estufa da autocomplacência, sob a forma perigosa e letal do silêncio cúmplice especializado na perseguição aos “inimigos”, na desqualificação e intimidação da opinião divergente, na prática do serial character assassination, no descumprimento do direito de resposta.
A liberdade de opinião e de informação transformada em (quase) infalibilidade da mídia revela o suave endurecimento dos métodos de controle social e político nas sociedades contemporâneas. Os mandachuvas olham o passado como juízes do tribunal da história. São eles que decidem quem tem o poder de julgar e quem deve se sentar no banco dos réus.
Mas, dizem alguns, não é sábio exagerar no pessimismo: nos próximos anos, a luta política é que vai decidir se as tecnologias de comunicação da terceira Revolução Industrial, a internet e a convergência dos meios, vão nos conduzir ao totalitarismo consentido, à moda de George Orwell, ou ao aperfeiçoamento democrático da ágora informatizada capaz de corrigir as distorções dos poderes que se escondem sob as máscaras da liberdade. Veremos.
No momento, os Facebooks da vida estimulam a predação abastecida nos arsenais da ligeireza obtusa. Quem manda mesmo não aparece em cena, está manejando os cordéis.
O Big Brother global não cobriu, mas encobriu, por todos os meios e modos, a greve geral do dia 28 de abril. Durante a programação noticiosa, o telespectador ficou à mercê do excesso de gesticulações de âncoras e que tais, contorcionismos que denunciavam o mal-estar com a negação dos fatos que ocupavam e desocupavam as ruas. Não raro, os diálogos entre apresentadores e repórteres se encerravam com ataques ao vernáculo: “Brigado”.
A propósito da imprensa e de suas liberdades, julguei oportuno reproduzir nesta coluna o relatório final da Comissão sobre a Liberdade de Imprensa, nomeada em 1947 pelo Congresso dos Estados Unidos. Considero o texto um exemplo de equilíbrio e acuidade no tratamento do tema “liberdade de imprensa”.
Diz o relatório: existe uma razão inversamente proporcional entre a vasta influência da imprensa na atualidade e os grupos sociais que podem utilizá-la para expressar suas opiniões. Enquanto a importância da imprensa para o povo aumentou enormemente com o seu desenvolvimento como meio de comunicação de massa, “diminuiu em grande escala a proporção de pessoas que podem expressar suas opiniões e ideias através da imprensa”.
O relatório procurou apontar “o que a sociedade tem direito de exigir de sua imprensa”. Definiu duas regras essenciais para o legítimo exercício da liberdade de informação e de opinião:
1. “Todos os pontos de vista importantes e todos os interesses da sociedade devem estar representados nos organismos de comunicação de massa.”
2. “É necessário que a imprensa dê uma ideia dos grupos que constituem a sociedade. Dizer a verdade a respeito de qualquer grupo social – sem excluir suas debilidades e vícios – incluí também reconhecer seus valores, suas aspirações, seu caráter humano.”
As recomendações exaradas no relatório da Comissão sobre a Liberdade de Imprensa refletem o espírito do tempo nos Estados Unidos e na Europa Ocidental: a aposta no aperfeiçoamento dos processos de controle democrático sobre o Estado e sobre o poder privado.
O trauma das duas guerras mundiais e da Grande Depressão saturou o ambiente intelectual dos anos 1940 do século XX da rejeição aos totalitarismos, seja o do despotismo do mercado descontrolado, seja o dos chefes providenciais.
O sociólogo Karl Mannheim, um pensador representativo de sua época, escreveu em 1950, no livro Liberdade, Poder e Planejamento Democrático: “Não devemos restringir o nosso conceito de poder ao poder político. Trataremos do poder econômico e administrativo, assim como do poder de persuasão que se manifesta através da religião, da educação e dos meios de comunicação de massa, tais como a imprensa, o cinema e a radiodifusão”.
Mannheim dizia temer menos os governos, que podemos controlar e substituir, e muito mais os poderes privados que exercem sua influência no “interior” das sociedades modernas. Não é preciso ter lido Michel Foucault para suspeitar de truculências que não dizem o seu nome e são impiedosamente exercidas nas “malhas do poder”, tecidas em silêncio no interior das sociedades.
O vírus da intolerância midiática desenvolve-se rapidamente na estufa da autocomplacência, sob a forma perigosa e letal do silêncio cúmplice especializado na perseguição aos “inimigos”, na desqualificação e intimidação da opinião divergente, na prática do serial character assassination, no descumprimento do direito de resposta.
A liberdade de opinião e de informação transformada em (quase) infalibilidade da mídia revela o suave endurecimento dos métodos de controle social e político nas sociedades contemporâneas. Os mandachuvas olham o passado como juízes do tribunal da história. São eles que decidem quem tem o poder de julgar e quem deve se sentar no banco dos réus.
Mas, dizem alguns, não é sábio exagerar no pessimismo: nos próximos anos, a luta política é que vai decidir se as tecnologias de comunicação da terceira Revolução Industrial, a internet e a convergência dos meios, vão nos conduzir ao totalitarismo consentido, à moda de George Orwell, ou ao aperfeiçoamento democrático da ágora informatizada capaz de corrigir as distorções dos poderes que se escondem sob as máscaras da liberdade. Veremos.
No momento, os Facebooks da vida estimulam a predação abastecida nos arsenais da ligeireza obtusa. Quem manda mesmo não aparece em cena, está manejando os cordéis.
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