quarta-feira, 5 de julho de 2017

A volta por baixo do cínico Aécio Neves

Por Katia Guimarães, no blog Socialista Morena:

De volta ao Senado após 46 dias afastado, foi preciso um acordo para Aécio Neves (PSDB-MG) se defender da tribuna do plenário. O tucano recebeu o “toque” de assumir uma postura low profile, sem distribuir ataques. Parecia outro Aécio, bem diferente do candidato derrotado à presidência que passou os últimos três anos esbravejando contra a corrupção e acusando o PT de ser uma organização criminosa. Flagrado pedindo dinheiro ao empresário Joesley Batista, da JBS, posa de vítima, dizendo que não lhe foi dado o direito à defesa.

Em um plenário esvaziado, Aécio passou pelo constrangimento de ser interrompido pela campainha que toca para chamar os senadores para as votações, que disparou por longos minutos, como um mau cantor rejeitado em um programa de calouros. Sob os holofotes da imprensa e ao vivo na TV Senado, o tucano se viu obrigado a descer do púlpito até a situação se normalizar. A maior parte dos senadores de oposição, que o considera cachorro morto, deixou o plenário no momento do discurso.

Foi preciso apelar a deputados do PSDB e da base aliada para fazer número. No início, havia apenas 22 parlamentares presentes. No final, somando os deputados que atravessaram o salão verde em direção à Câmara Alta, ainda eram menos do que a metade do total de senadores (81) . O grande número de assessores ao fundo do plenário azul apenas reforçava a sensação de desprestígio.

Logo de cara, Aécio anunciou que não daria apartes para não atrapalhar o andamento dos trabalhos da Casa. Balela, isso também fazia parte do acordo discutido entre tucanos e senadores mais próximos a ele. “Em razão da excepcionalidade deste meu pronunciamento, no meu retorno a esta Casa, entendemos que o melhor seria que não concedesse aqui apartes, para que o pronunciamento, que não será muito longo, pudesse ter aqui começo, meio e fim. Portanto, desde já, peço escusas aos ilustres Parlamentares aqui presentes”, afirmou.

Sem citar sua irmã Andreia Neves, que agora está em prisão domiciliar, Aécio se disse indignado, injustiçado e triste. Negou ter cometido crime e atacou o empresário da JBS, Joesley Batista, autor das denúncias contra ele e o presidente Temer. “Não cometi crime algum! Não aceitei recursos de origem ilícita, não ofereci ou prometi vantagens indevidas a quem quer que fosse e tampouco atuei para obstruir a ação da Justiça, como me acusaram. Fui, sim, vítima de uma armadilha engendrada e executada por um criminoso confesso de mais de 200 crimes, cujas penas somadas ultrapassariam mais de 2 mil anos de cadeia”, afirmou.

O tucano voltou a contar a história de que procurou Joesley para vender um imóvel em busca de dinheiro para pagar os advogados que o defende das diversas investigações que correm na Procuradoria-Geral da República (PGR) e no Supremo Tribunal Federal (STF). Em sua defesa disse ainda ter procurado quatro outros empresários.

“Errei, e assumo aqui esse erro, em primeiro lugar por me deixar envolver nessa trama ardilosa e, principalmente, ao permitir que meus familiares servissem de massa de manobra para atender aos propósitos espúrios daqueles que, por absoluta ausência de caráter, não se constrangeram em submeter a honra e a vida de pessoas de bem a seus nefastos interesses. Errei também, e por isso já me desculpei, ao me permitir utilizar, mesmo em conversa que deveria ser privada, vocabulário que não me é comum, como sabem aqueles, que comigo convivem diariamente”, disse, em referência aos palavrões e à frase “tem que ser um que a gente mata antes de delatar” em referência a seu primo Fred, portador do dinheiro.

O discurso foi um rosário de negativas e lamentações. Assim como combinado, Aécio não atacou ninguém. Negou ter tentado interferir nas investigações e apelou ao direito à liberdade de expressão, citando o artigo 53 da Constituição Federal, que assegura imunidade por palavras, opiniões e votos. “Fui condenado previamente, sem nenhuma chance de defesa; tentaram execrar-me junto à opinião pública. Fui vítima da manipulação de alguns, da má-fé de muitos e, sobretudo, de julgamentos apressados, alguns feitos aqui mesmo, nesta Casa, por alguns poucos que parecem não se preocupar com a preservação dos direitos individuais e com o primado da nossa Constituição.”

Nervoso e lendo todo o discurso, Aécio se agarrou aos argumentos do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, que o liberou para voltar ao Senado, repetindo vários trechos de sua decisão. O Aécio campeão de citações na Operação Lava Jato parece ter sentido, durante seu afastamento, a nostalgia do antigo Aécio, neto de Tancredo Neves e com carreira política promissora. Ele fez questão de lembrar o início de sua trajetória, como a campanha pelas eleições diretas em 1984, a Constituinte de 1988, os anos como deputado federal e aliado poderoso do governo FHC, e seus dois mandatos como governador de Minas.

“Sempre atuei na defesa do interesse público, na preservação do patrimônio dos brasileiros, na correção de injustiças que impedem o Brasil de alcançar a condição a que tem direito. Apresentei e relatei inúmeros projetos que buscavam e buscam dar mais transparência e controle às ações públicas para protegê-las da predação por interesses espúrios”, completou.

Uma servidora da limpeza do Senado, que já andou faxinando o gabinete do senador mineiro, chegou a elogiar a simpatia do Aécio, mas vaticinou: “Um acoberta o outro. É por isso que se chama ‘casa política’”, disse, quando perguntei o que achava da volta do senador. Terceirizada há 18 anos, ela levou o calote de duas empresas contratadas pelo Senado que não pagaram a sua rescisão trabalhista, e ao falar novamente de Aécio lembrou de Tancredo Neves. “Neto de quem é, né?! Porque o vô dele foi um grande homem”, completou.

Ao concluir o discurso, Aécio ainda teve a cara de pau de se solidarizar com os milhões de desempregados pela crise que ele mesmo ajudou a agravar, levando o país para o buraco com o boicote ao governo Dilma e o golpe que a tirou do cargo. No fim, sem ter o que falar, resolveu apelar para a “defesa” dos beneficiários do Bolsa Família, que tiveram o seu reajuste cortado por Temer. Sugestão dos marqueteiros e “consultores de crise”?

“Aproveito esta tribuna para, de público, apelar ao governo para que reconsidere, se realmente verdadeira for, a decisão de não conceder reajuste ao Bolsa Família. Todo esforço deve ser feito no sentido de garantir o poder aquisitivo desses benefícios e, sempre que possível, prover-lhes ganhos reais. Encerro com a constatação de que as maiores vítimas de toda essa crise por que passa o Brasil, são aqueles brasileiros que menos têm e mais precisam do apoio do Estado. E será sempre –fica, portanto, esta última mensagem– através da política, mas da boa política, feita com tolerância e respeito, que vamos conseguir encontrar um novo e virtuoso caminho para o Brasil e para cada brasileiro”, disse o tucano.

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