Por Joana Tavares, no jornal Brasil de Fato:
Apesar de tantas más notícias no cenário da política nacional, Alessandra Mello, repórter com 20 anos de carreira e atual presidenta do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, busca manter o otimismo de quem quer mudar as coisas. Enxerga o crescimento de uma conscientização sobre o papel – e os interesses – da grande mídia entre a população e defende que os sindicatos, mais do que nunca, são ferramentas fundamentais para os trabalhadores terem força para garantir direitos.
Enquanto repórter, como você vem avaliando a cobertura política dos grandes jornais, especialmente os de Minas Gerais?
Eu tenho 20 anos de carreira e acompanho a cobertura com muita preocupação. É uma cobertura de uma voz só, um lado só. Nós, jornalistas, temos que ser plurais em tudo, principalmente na política e em especial nesse momento que a gente vive, período de um golpe que retirou tantos direitos. Era a hora de discutirmos isso de forma mais clara. A cobertura é partidarizada, o que é um problema para o jornalismo em todas as áreas. E na política é ainda mais preocupante, porque a relação com os poderosos diz muito sobre como a notícia é produzida, editada e vista.
E dá pra sentir isso na prática de redação? Há uma orientação para essa cobertura ser direcionada?
Sim, há, mas não é clara. Muitas vezes, a orientação não chega diretamente para o repórter, que é o operário, o peão da notícia. Mas chega por meio de orientações como não dar destaque, escrever um título que não é tão bom, jogar o fato para o final da matéria… Essas são algumas das técnicas. Não é que você deixa de dar a notícia, mas escolhe uma nuance mais leve ou mais pesada, dependendo do seu interesse. Por isso, acho muito importante que o leitor tenha um olhar crítico para tudo que vem da mídia.
E você acha que existe também uma autocensura por parte dos jornalistas?
Houve sempre e ainda há. Principalmente com as pessoas que já estão há muitos anos em um só veículo, que sabem como ele funciona, quem pode aparecer e as pautas que são interessantes ou não. Acho que sofremos uma grande autocensura durante os governos do PSDB em Minas Gerais. O jornalista, já sabendo do tamanho da blindagem em cima do Aécio Neves (PSDB) – que está sendo revelada paulatinamente –, ficava desanimado de propor uma pauta sabendo que ela não ia vingar. É fazer toda uma apuração e saber que lá na frente seria dado um tratamento pífio a uma notícia importante.
Agora, fica cada vez mais claro que a mídia teve um papel atuante na situação política brasileira e no próprio golpe. Enquanto presidenta do sindicato, como você avalia essa situação?
Uma coisa muito reveladora nesse golpe foi a percepção da população sobre como os meios de comunicação funcionam. Todos os grandes conglomerados de mídia eram contra o governo de Dilma Rousseff, todas as ações dela eram tratadas de forma negativa. Quando o Temer tomou o poder, tudo passou a ser visto como positivo, até a economia do país. As pessoas estão percebendo e, aqui em Minas, elas também estão notando o tratamento que a mídia dá ao Aécio. Essa clareza é importante porque a pauta da democratização da comunicação no Brasil está no mesmo patamar que a da reforma econômica. Enquanto não tiver desconcentração, uma mídia mais democrática, a gente não vai ter democracia. É lamentável que a nossa democracia esteja à mercê de um veículo de comunicação.
Você acha que essa percepção cresceu também entre os jornalistas?
Cresceu pra todo mundo. O golpe mostrou como funcionam as relações de poder dentro da mídia, os interesses do patronato, dos grandes empresários, que tomaram de assalto o poder para instituir uma agenda só deles. O golpe apresentou a parcialidade do Judiciário. Devemos pegar esse gancho e trabalhar nele.
Já é possível saber como a Reforma Trabalhista vai impactar os jornalistas?
Ela é devastadora. Uma reforma que veio de cima pra baixo. No nosso caso, existem coisas graves que já aconteciam na profissão, como a pejotização e o trabalho intermitente. São inúmeros os trabalhadores de empresas de comunicação que não têm carteira assinada e que estão à disposição da empresa 24h por dia, mas só recebem por produção. Antes da reforma, isso era ilegalidade. As pessoas se submetiam a ela porque precisavam de emprego e com a esperança de serem contratadas. Caso não fossem, podiam resgatar seus direitos na Justiça. Hoje, isso tudo está regularizado, assim como a redução salarial, que já era uma realidade nas empresas e que agora é resguardada pela legislação.
Você acha que existe uma crise no modelo de informação desses grandes jornais? Nesse contexto, qual o papel dos veículos alternativos?
Existe. A crise no modelo de comunicação, do fazer jornalístico, é anterior à crise da economia brasileira. Grandes empresas não pagam o FGTS desde 2009, quando a economia não estava esse caos. Os grandes jornais já vinham sofrendo com a perda do monopólio. Quando eu comecei como repórter, em 1995, a notícia reverberava e hoje não é assim. Aliás, o que não sai revela muito mais sobre os meios de comunicação do que o que é publicado. Há uma crise provocada pela nova maneira de fazer jornalismo, porque hoje, de uma forma ou de outra, todo mundo é um pouco comunicador. E o povo disputa o espaço com os meios de comunicação, que ainda não conseguiram perceber que precisam ser menos concentrados, ser plurais. Hoje também tem o que chamamos de notícia “caça clique”, que é capaz de gerar milhões de visualizações na sua página, mas que não te dá credibilidade, respeito. A comunicação é muito mais do que isso, ela é o pilar de democracia.
E no meio disso tudo ainda há lugar para o impresso?
Não sei, tenho dúvidas sobre o futuro do impresso. O ‘jornalão’, nesse modelo que conhecemos, de notícias velhas que já vimos em redes sociais, está fadado ao fracasso. Se não mudar, vai morrer. Mas, por outro lado, vemos outros instrumentos como revistas, jornais alternativos impressos surgindo. É muito legal essa questão da mídia alternativa, das pessoas fazendo sua própria comunicação e levando as informações da maneira que acreditam, tratando de questões locais. Isso é o futuro. A mídia alternativa cresce cada vez mais, e, infelizmente, ainda é muito pautada pelos grandes jornais, muitas vezes por falta de gente para trabalhar. Falta de braço para fazer concorrência ou para produzir uma grande reportagem. Mas ela está caminhando, está na infância, tem um trajeto longo a percorrer e, ao meu ver, vai se firmar.
Com essa crise dos grandes jornais e a mídia alternativa ainda não conseguindo ser um caminho profissional para a maioria, qual é a saída para os jornalistas?
Esse assunto é muito complexo. Aqui, no sindicato, vemos de perto a angústia dos trabalhadores. Você ama escrever, sabe que pode abrir um blog, criar um site, mas que não vai conseguir sobreviver. Eu tenho medo que, a partir disso, o jornalismo vire uma ‘profissão acessória’, o que na verdade já está começando a acontecer. Temos jornalistas vendedores de pão, jornalistas vendedores de roupa… É essa coisa de ter que ter outra profissão pra complementar a renda. O que eu penso que vai piorar cada vez mais com as novas relações de trabalho. E, realmente, o jornalismo é apaixonante. Quem entra tem dificuldade de sair.
Apesar de muitas mulheres já terem sido presidentas do sindicato e da categoria dos jornalistas ser majoritariamente feminina, você ainda vê machismo na área?
Demais. O sindicalismo ainda é muito machista. Os espaços são majoritariamente masculinos, e as mulheres têm dificuldade para conseguir falar. Nas reuniões, sempre são feitos comentários sobre a sua aparência física, esmalte, batom. E você não vê um homem falando para o outro: ‘ah, que gravata linda’, ‘que cabelo lindo’. O mundo do trabalho é muito dividido hoje, mas a gente não está representada nesse espaço sindical. Além do machismo, a mulher tem sempre uma jornada a mais do que o homem. Eu, por exemplo, trabalho 7h por dia e sou mãe, tenho minhas tarefas de dona de casa. Por isso existe a dificuldade de permanecer nessa luta. O jornalismo deve ser formado por, mais ou menos, 85% de mulheres, mas elas não estão no comando das redações. Nós avançamos e não podemos negar, no entanto, é uma longa construção até essa garantia dos espaços de poder.
E quais são os desafios para o sindicato nesse momento da conjuntura?
É um dos períodos mais difíceis para todos os sindicatos. O sindicato sempre foi importantíssimo para defender o trabalhador, se contrapor aos patrões, conscientizar a categoria, mas agora ele é essencial para a vida de todo mundo. O trabalhador vai precisar caminhar junto com o sindicato para formar uma trincheira de luta. Há uma tentativa de desmonte, de enfraquecimento das mobilizações de todas as categorias de trabalhador. Sindicalizar é importante porque temos cada vez mais demandas jurídicas, e advogado, contador, custa dinheiro. Para além da questão prática, devemos nos juntar pra luta. Eu sou otimista. Como disse Fidel Castro, quem quer ser revolucionário não pode ser pessimista. Ou seja, quem não se conforma, não pode pensar no pior. Juntos, somos muito fortes e vamos vencer.
Apesar de tantas más notícias no cenário da política nacional, Alessandra Mello, repórter com 20 anos de carreira e atual presidenta do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, busca manter o otimismo de quem quer mudar as coisas. Enxerga o crescimento de uma conscientização sobre o papel – e os interesses – da grande mídia entre a população e defende que os sindicatos, mais do que nunca, são ferramentas fundamentais para os trabalhadores terem força para garantir direitos.
Enquanto repórter, como você vem avaliando a cobertura política dos grandes jornais, especialmente os de Minas Gerais?
Eu tenho 20 anos de carreira e acompanho a cobertura com muita preocupação. É uma cobertura de uma voz só, um lado só. Nós, jornalistas, temos que ser plurais em tudo, principalmente na política e em especial nesse momento que a gente vive, período de um golpe que retirou tantos direitos. Era a hora de discutirmos isso de forma mais clara. A cobertura é partidarizada, o que é um problema para o jornalismo em todas as áreas. E na política é ainda mais preocupante, porque a relação com os poderosos diz muito sobre como a notícia é produzida, editada e vista.
E dá pra sentir isso na prática de redação? Há uma orientação para essa cobertura ser direcionada?
Sim, há, mas não é clara. Muitas vezes, a orientação não chega diretamente para o repórter, que é o operário, o peão da notícia. Mas chega por meio de orientações como não dar destaque, escrever um título que não é tão bom, jogar o fato para o final da matéria… Essas são algumas das técnicas. Não é que você deixa de dar a notícia, mas escolhe uma nuance mais leve ou mais pesada, dependendo do seu interesse. Por isso, acho muito importante que o leitor tenha um olhar crítico para tudo que vem da mídia.
E você acha que existe também uma autocensura por parte dos jornalistas?
Houve sempre e ainda há. Principalmente com as pessoas que já estão há muitos anos em um só veículo, que sabem como ele funciona, quem pode aparecer e as pautas que são interessantes ou não. Acho que sofremos uma grande autocensura durante os governos do PSDB em Minas Gerais. O jornalista, já sabendo do tamanho da blindagem em cima do Aécio Neves (PSDB) – que está sendo revelada paulatinamente –, ficava desanimado de propor uma pauta sabendo que ela não ia vingar. É fazer toda uma apuração e saber que lá na frente seria dado um tratamento pífio a uma notícia importante.
Agora, fica cada vez mais claro que a mídia teve um papel atuante na situação política brasileira e no próprio golpe. Enquanto presidenta do sindicato, como você avalia essa situação?
Uma coisa muito reveladora nesse golpe foi a percepção da população sobre como os meios de comunicação funcionam. Todos os grandes conglomerados de mídia eram contra o governo de Dilma Rousseff, todas as ações dela eram tratadas de forma negativa. Quando o Temer tomou o poder, tudo passou a ser visto como positivo, até a economia do país. As pessoas estão percebendo e, aqui em Minas, elas também estão notando o tratamento que a mídia dá ao Aécio. Essa clareza é importante porque a pauta da democratização da comunicação no Brasil está no mesmo patamar que a da reforma econômica. Enquanto não tiver desconcentração, uma mídia mais democrática, a gente não vai ter democracia. É lamentável que a nossa democracia esteja à mercê de um veículo de comunicação.
Você acha que essa percepção cresceu também entre os jornalistas?
Cresceu pra todo mundo. O golpe mostrou como funcionam as relações de poder dentro da mídia, os interesses do patronato, dos grandes empresários, que tomaram de assalto o poder para instituir uma agenda só deles. O golpe apresentou a parcialidade do Judiciário. Devemos pegar esse gancho e trabalhar nele.
Já é possível saber como a Reforma Trabalhista vai impactar os jornalistas?
Ela é devastadora. Uma reforma que veio de cima pra baixo. No nosso caso, existem coisas graves que já aconteciam na profissão, como a pejotização e o trabalho intermitente. São inúmeros os trabalhadores de empresas de comunicação que não têm carteira assinada e que estão à disposição da empresa 24h por dia, mas só recebem por produção. Antes da reforma, isso era ilegalidade. As pessoas se submetiam a ela porque precisavam de emprego e com a esperança de serem contratadas. Caso não fossem, podiam resgatar seus direitos na Justiça. Hoje, isso tudo está regularizado, assim como a redução salarial, que já era uma realidade nas empresas e que agora é resguardada pela legislação.
Você acha que existe uma crise no modelo de informação desses grandes jornais? Nesse contexto, qual o papel dos veículos alternativos?
Existe. A crise no modelo de comunicação, do fazer jornalístico, é anterior à crise da economia brasileira. Grandes empresas não pagam o FGTS desde 2009, quando a economia não estava esse caos. Os grandes jornais já vinham sofrendo com a perda do monopólio. Quando eu comecei como repórter, em 1995, a notícia reverberava e hoje não é assim. Aliás, o que não sai revela muito mais sobre os meios de comunicação do que o que é publicado. Há uma crise provocada pela nova maneira de fazer jornalismo, porque hoje, de uma forma ou de outra, todo mundo é um pouco comunicador. E o povo disputa o espaço com os meios de comunicação, que ainda não conseguiram perceber que precisam ser menos concentrados, ser plurais. Hoje também tem o que chamamos de notícia “caça clique”, que é capaz de gerar milhões de visualizações na sua página, mas que não te dá credibilidade, respeito. A comunicação é muito mais do que isso, ela é o pilar de democracia.
E no meio disso tudo ainda há lugar para o impresso?
Não sei, tenho dúvidas sobre o futuro do impresso. O ‘jornalão’, nesse modelo que conhecemos, de notícias velhas que já vimos em redes sociais, está fadado ao fracasso. Se não mudar, vai morrer. Mas, por outro lado, vemos outros instrumentos como revistas, jornais alternativos impressos surgindo. É muito legal essa questão da mídia alternativa, das pessoas fazendo sua própria comunicação e levando as informações da maneira que acreditam, tratando de questões locais. Isso é o futuro. A mídia alternativa cresce cada vez mais, e, infelizmente, ainda é muito pautada pelos grandes jornais, muitas vezes por falta de gente para trabalhar. Falta de braço para fazer concorrência ou para produzir uma grande reportagem. Mas ela está caminhando, está na infância, tem um trajeto longo a percorrer e, ao meu ver, vai se firmar.
Com essa crise dos grandes jornais e a mídia alternativa ainda não conseguindo ser um caminho profissional para a maioria, qual é a saída para os jornalistas?
Esse assunto é muito complexo. Aqui, no sindicato, vemos de perto a angústia dos trabalhadores. Você ama escrever, sabe que pode abrir um blog, criar um site, mas que não vai conseguir sobreviver. Eu tenho medo que, a partir disso, o jornalismo vire uma ‘profissão acessória’, o que na verdade já está começando a acontecer. Temos jornalistas vendedores de pão, jornalistas vendedores de roupa… É essa coisa de ter que ter outra profissão pra complementar a renda. O que eu penso que vai piorar cada vez mais com as novas relações de trabalho. E, realmente, o jornalismo é apaixonante. Quem entra tem dificuldade de sair.
Apesar de muitas mulheres já terem sido presidentas do sindicato e da categoria dos jornalistas ser majoritariamente feminina, você ainda vê machismo na área?
Demais. O sindicalismo ainda é muito machista. Os espaços são majoritariamente masculinos, e as mulheres têm dificuldade para conseguir falar. Nas reuniões, sempre são feitos comentários sobre a sua aparência física, esmalte, batom. E você não vê um homem falando para o outro: ‘ah, que gravata linda’, ‘que cabelo lindo’. O mundo do trabalho é muito dividido hoje, mas a gente não está representada nesse espaço sindical. Além do machismo, a mulher tem sempre uma jornada a mais do que o homem. Eu, por exemplo, trabalho 7h por dia e sou mãe, tenho minhas tarefas de dona de casa. Por isso existe a dificuldade de permanecer nessa luta. O jornalismo deve ser formado por, mais ou menos, 85% de mulheres, mas elas não estão no comando das redações. Nós avançamos e não podemos negar, no entanto, é uma longa construção até essa garantia dos espaços de poder.
E quais são os desafios para o sindicato nesse momento da conjuntura?
É um dos períodos mais difíceis para todos os sindicatos. O sindicato sempre foi importantíssimo para defender o trabalhador, se contrapor aos patrões, conscientizar a categoria, mas agora ele é essencial para a vida de todo mundo. O trabalhador vai precisar caminhar junto com o sindicato para formar uma trincheira de luta. Há uma tentativa de desmonte, de enfraquecimento das mobilizações de todas as categorias de trabalhador. Sindicalizar é importante porque temos cada vez mais demandas jurídicas, e advogado, contador, custa dinheiro. Para além da questão prática, devemos nos juntar pra luta. Eu sou otimista. Como disse Fidel Castro, quem quer ser revolucionário não pode ser pessimista. Ou seja, quem não se conforma, não pode pensar no pior. Juntos, somos muito fortes e vamos vencer.
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