Por Rodrigo Martins, na revista CartaCapital:
Após liderar a campanha a favor do pacote de “dez medidas contra a corrupção”, os procuradores da República Carlos Fernando dos Santos Lima e Deltan Dallagnol, da força-tarefa da Lava Jato, voltaram a dar pitacos em propostas legislativas que escapam à sua alçada.
Em vídeo divulgado nas redes sociais na semana passada, a dupla conclamou a população a reagir ao que chamam de “falsa reforma política”, uma tentativa de “velhos políticos se agarrarem ao poder”. O juiz Sergio Moro adotou discurso semelhante. Segundo o inquisidor curitibano, o Congresso não está empenhado com a “verdadeira reforma política”.
Qual seria ela? Não se arriscam a dizer. Limitam-se a criticar as propostas que, supostamente, visam livrar a classe política das investigações de corrupção. Fato é que não há qualquer consenso no País sobre o caminho a seguir. Diversas tentativas de alterar o sistema eleitoral fracassaram no Legislativo na última década.
A mudança mais significativa ocorreu em 2015, mas foi operada pelo Supremo Tribunal Federal. À época, os ministros da Corte consideraram inconstitucional o financiamento empresarial de campanhas.
A minirreforma conduzida a toque de caixa pelo ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, hoje preso em Curitiba, criou soluções paliativas para contornar o problema do fim das doações de empresas, como a redução do período eleitoral, sob o pretexto de baratear o custo das campanhas.
Para os críticos, a iniciativa apenas favoreceu quem possuía mandato eletivo e era conhecido da população. Como não houve restrição às doações de cidadãos, a vantagem estendeu-se aos milionários, dispostos a investir nas próprias candidaturas.
Perdida em meio às divergências, a Câmara dos Deputados adiou para esta terça-feira 22 a votação em plenário de duas propostas do pacote de reforma política, a criação de um fundo público para financiar campanhas e a mudança no modelo de escolha de deputados e vereadores nas eleições de 2018 e 2020, do sistema proporcional para o majoritário.
Na Comissão Especial da Reforma Política, os deputados ressuscitaram o chamado Distritão, modelo defendido pelo PMDB de Michel Temer e rejeitado pelo plenário da Câmara em 2015. Por esse sistema, são eleitos os parlamentares mais votados em cada estado. Os votos dados a candidatos não eleitos são desperdiçados, assim como aqueles direcionados em excesso aos eleitos.
Nas eleições de 2014, para citar um caso, 60% dos sufrágios em São Paulo seriam ignorados, não contariam para nada. O modelo, acolhido pelo relator petista Vicente Cândido, é adotado em apenas quatro países no mundo: Afeganistão, Jordânia, Vanuatu e Ilhas Pitcairn, território ultramarino britânico na Polinésia, com apenas 56 habitantes.
Diante das polêmicas que cercam a proposta, o Distritão parece ter subido no telhado. A proposta estava pronta para ser apreciada na quarta-feira 16, mas os deputados decidiram adiar a votação por falta de consenso. Enquanto isso, as lideranças partidárias especulavam sobre a criação de um sistema alternativo, por ora batizado de Semidistritão e apelidado de Distritão Light. Segundo esse novo modelo, seriam eleitos os mais votados, mas permaneceria a possibilidade de o eleitor votar na legenda. Os votos dados ao partido seriam distribuídos igualitariamente entre todos os candidatos da sigla. Uma “jabuticaba” brasileira, sem paralelo no mundo.
Rodrigo Maia, presidente da Câmara, decidiu, porém, encerrar abruptamente a sessão, por considerar o quórum de 430 deputados insuficiente para votar a proposta. “A decisão foi minha e vamos deixar para a próxima semana. Foi até bom porque a gente ganha tempo para continuar debatendo temas que estão construindo convergência nessa matéria”, justificou.
Entre os especialistas, parece haver um consenso sobre a inconveniência do Distritão, que seria adotado apenas nas eleições de 2018 e 2020, uma prévia do sistema distrital misto, que demanda um tempo maior de estudos para delimitar os distritos eleitorais. De acordo com Marcus Ianoni, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense, o sistema, tecnicamente conhecido como voto único não transferível, é nocivo à afirmação dos partidos.
“O Distritão baseia-se em uma disputa personalista de candidatos, a partir da qual os deputados mais votados são eleitos sem contar com nenhuma transferência de votos dos partidos e coligações, que passarão a ser, em caso de sua aprovação, meras pessoas jurídicas necessárias para a inscrição dos políticos nas eleições.”
Além disso, não há qualquer indício de que o modelo trará mais estabilidade política. “Em vez de 20 ou 30 partidos, o governo terá de negociar, na Câmara, com 513 ‘partidos’”, alerta o cientista político Roberto Amaral, ex-ministro da Ciência e Tecnologia de Lula.
“Transformando a eleição proporcional numa cara eleição majoritária, sem a mediação dos partidos, o projeto Temer-Cunha escancarará as portas dos Legislativos para os representantes das corporações econômicas, os milionários, os rentistas, os titulares de cargos eletivos, os doleiros, os ‘bispos’ de seitas religiosas, as celebridades midiáticas e os meliantes de carteirinha, à procura, a qualquer preço, de imunidade parlamentar. Todos estarão bem representados, menos o povo.”
Para Cezar Britto, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, a mudança tende a enfraquecer os partidos e dificultar ainda mais a participação popular.
“Como serão eleitos de forma individualizada, autônoma e desvinculada do compromisso partidário, os parlamentares nem sequer serão obrigados à lealdade, aos princípios do partido político que agasalhou cada candidato, como decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.081”. Neste caso, os ministros da Corte decidiram, por unanimidade, que a perda do mandato por troca de partido não se aplica a eleições majoritárias.
Após liderar a campanha a favor do pacote de “dez medidas contra a corrupção”, os procuradores da República Carlos Fernando dos Santos Lima e Deltan Dallagnol, da força-tarefa da Lava Jato, voltaram a dar pitacos em propostas legislativas que escapam à sua alçada.
Em vídeo divulgado nas redes sociais na semana passada, a dupla conclamou a população a reagir ao que chamam de “falsa reforma política”, uma tentativa de “velhos políticos se agarrarem ao poder”. O juiz Sergio Moro adotou discurso semelhante. Segundo o inquisidor curitibano, o Congresso não está empenhado com a “verdadeira reforma política”.
Qual seria ela? Não se arriscam a dizer. Limitam-se a criticar as propostas que, supostamente, visam livrar a classe política das investigações de corrupção. Fato é que não há qualquer consenso no País sobre o caminho a seguir. Diversas tentativas de alterar o sistema eleitoral fracassaram no Legislativo na última década.
A mudança mais significativa ocorreu em 2015, mas foi operada pelo Supremo Tribunal Federal. À época, os ministros da Corte consideraram inconstitucional o financiamento empresarial de campanhas.
A minirreforma conduzida a toque de caixa pelo ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, hoje preso em Curitiba, criou soluções paliativas para contornar o problema do fim das doações de empresas, como a redução do período eleitoral, sob o pretexto de baratear o custo das campanhas.
Para os críticos, a iniciativa apenas favoreceu quem possuía mandato eletivo e era conhecido da população. Como não houve restrição às doações de cidadãos, a vantagem estendeu-se aos milionários, dispostos a investir nas próprias candidaturas.
Perdida em meio às divergências, a Câmara dos Deputados adiou para esta terça-feira 22 a votação em plenário de duas propostas do pacote de reforma política, a criação de um fundo público para financiar campanhas e a mudança no modelo de escolha de deputados e vereadores nas eleições de 2018 e 2020, do sistema proporcional para o majoritário.
Na Comissão Especial da Reforma Política, os deputados ressuscitaram o chamado Distritão, modelo defendido pelo PMDB de Michel Temer e rejeitado pelo plenário da Câmara em 2015. Por esse sistema, são eleitos os parlamentares mais votados em cada estado. Os votos dados a candidatos não eleitos são desperdiçados, assim como aqueles direcionados em excesso aos eleitos.
Nas eleições de 2014, para citar um caso, 60% dos sufrágios em São Paulo seriam ignorados, não contariam para nada. O modelo, acolhido pelo relator petista Vicente Cândido, é adotado em apenas quatro países no mundo: Afeganistão, Jordânia, Vanuatu e Ilhas Pitcairn, território ultramarino britânico na Polinésia, com apenas 56 habitantes.
Diante das polêmicas que cercam a proposta, o Distritão parece ter subido no telhado. A proposta estava pronta para ser apreciada na quarta-feira 16, mas os deputados decidiram adiar a votação por falta de consenso. Enquanto isso, as lideranças partidárias especulavam sobre a criação de um sistema alternativo, por ora batizado de Semidistritão e apelidado de Distritão Light. Segundo esse novo modelo, seriam eleitos os mais votados, mas permaneceria a possibilidade de o eleitor votar na legenda. Os votos dados ao partido seriam distribuídos igualitariamente entre todos os candidatos da sigla. Uma “jabuticaba” brasileira, sem paralelo no mundo.
Rodrigo Maia, presidente da Câmara, decidiu, porém, encerrar abruptamente a sessão, por considerar o quórum de 430 deputados insuficiente para votar a proposta. “A decisão foi minha e vamos deixar para a próxima semana. Foi até bom porque a gente ganha tempo para continuar debatendo temas que estão construindo convergência nessa matéria”, justificou.
Entre os especialistas, parece haver um consenso sobre a inconveniência do Distritão, que seria adotado apenas nas eleições de 2018 e 2020, uma prévia do sistema distrital misto, que demanda um tempo maior de estudos para delimitar os distritos eleitorais. De acordo com Marcus Ianoni, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense, o sistema, tecnicamente conhecido como voto único não transferível, é nocivo à afirmação dos partidos.
“O Distritão baseia-se em uma disputa personalista de candidatos, a partir da qual os deputados mais votados são eleitos sem contar com nenhuma transferência de votos dos partidos e coligações, que passarão a ser, em caso de sua aprovação, meras pessoas jurídicas necessárias para a inscrição dos políticos nas eleições.”
Além disso, não há qualquer indício de que o modelo trará mais estabilidade política. “Em vez de 20 ou 30 partidos, o governo terá de negociar, na Câmara, com 513 ‘partidos’”, alerta o cientista político Roberto Amaral, ex-ministro da Ciência e Tecnologia de Lula.
“Transformando a eleição proporcional numa cara eleição majoritária, sem a mediação dos partidos, o projeto Temer-Cunha escancarará as portas dos Legislativos para os representantes das corporações econômicas, os milionários, os rentistas, os titulares de cargos eletivos, os doleiros, os ‘bispos’ de seitas religiosas, as celebridades midiáticas e os meliantes de carteirinha, à procura, a qualquer preço, de imunidade parlamentar. Todos estarão bem representados, menos o povo.”
Para Cezar Britto, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, a mudança tende a enfraquecer os partidos e dificultar ainda mais a participação popular.
“Como serão eleitos de forma individualizada, autônoma e desvinculada do compromisso partidário, os parlamentares nem sequer serão obrigados à lealdade, aos princípios do partido político que agasalhou cada candidato, como decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.081”. Neste caso, os ministros da Corte decidiram, por unanimidade, que a perda do mandato por troca de partido não se aplica a eleições majoritárias.
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