Por Luis Felipe Miguel, no blog Diário do Centro do Mundo:
Ainda acho pouco provável uma vitória em plenário, sobretudo porque precisa de maioria qualificada, mas a aprovação do voto único não transferível (o chamado “distritão”) na comissão da Câmara é, em si mesma, uma demonstração de que faltam, a muitos de nossos “representantes”, preocupação com a qualidade do processo eleitoral ou capacidade cognitiva para compreender os efeitos das regras – ou ambas.
O distritão é a regra pela qual as cadeiras de deputado ficam com os candidatos de maior votação individual, independentemente dos partidos. A regra atual (representação proporcional com listas abertas) prevê a distribuição proporcional das cadeiras entre os partidos e depois, dentro de cada lista partidária, a atribuição das vagas disponíveis de acordo com a votação individual.
Ao tornar irrelevante o partido no processo eleitoral, o distritão contribui para a destruição de uma instituição que já é muito frágil no Brasil, mas que continua sendo necessária caso se deseje ter um regime democrático. Ele projeta um “cada um por si” e tende a transformar a disputa eleitoral numa verdadeira corrida do ouro.
A justificativa principal para o distritão é evitar o chamado “efeito Tiririca”: candidatos pouco sufragados chegam ao parlamento graças à grande votação de um puxador de voto. Esse espantalho já levou a mudanças bisonhas nas regras eleitorais, como a que nega mandato a quem tenha obtido votação inferior a 10% do quociente eleitoral. O problema, porém, não está nas regras, mas nos partidos.
Se as listas fossem coerentes, seria mais do que razoável permitir que os votos “em excesso” do candidato X contribuíssem para a eleição de seu correligionário Y. O distritão, portanto, opta pelo caminho de matar o paciente para eliminar a doença.
Ao mesmo tempo, ele abre as portas para outro “efeito Tiririca”: a eleição de celebridades midiáticas sem trajetória de militância política. Sem a mediação efetiva dos partidos, a competição torna-se ainda mais favorável para pessoas que possuem qualquer tipo de visibilidade pública, como estrelas do show-business em curva descendente. O cantor ou ator previdente não precisa mais contribuir para o Lar dos Artistas: compra uma franquia local de um partido e curte sua aposentadoria no parlamento.
Reclama-se que a fragmentação das bancadas na Câmara é excessiva – em 2014, foram eleitos deputados de 28 partidos e o índice de fracionamento de Rae, que mede a dispersão parlamentar, chegou a 0,924 (de um máximo matematicamente possível de 0,998). Com o distritão, isso só tende a se agravar. Cada candidato teria incentivo para buscar um partido para chamar de seu, evitando disputas internas e a associação com escândalos alheios.
A criação de legendas partidárias para depois vendê-las a interessados nos estados, que já é um negócio florescente no Brasil (como demonstram os casos do PROS, do PMB e tantos outros), passaria a ocorrer em escala industrial. Justamente por isso, a ideia de exigir fidelidade partidária para contrabalançar os efeitos do sistema eleitoral, como propôs um novo defensor do distritão, o jurista Ives Gandra pai, é inócua.
Não sei se para 2018 já daria tempo, mas, com o distritão, em 2022 o número de partidos que elegem representantes certamente bateria na casa dos 50. Não sou dos que acham que esse número é necessariamente um problema. Se fossem 50 posições políticas participando da discussão, teríamos ganhos. Mas certamente não será o caso.
O outro remédio aventado para o excesso de fragmentação que o distritão projeta é a cláusula de barreira, isto é, um ponto de corte arbitrário, que elimina do jogo os partidos que obtiveram menos do que determinada votação. Trata-se, entretanto, de um contrassenso: o novo sistema eleitoral não pode determinar que a votação pessoal dos candidatos impera como único critério legítimo de atribuição de cadeiras e, ao mesmo tempo, negar a vaga (ou as condições ao trabalho parlamentar pleno) a alguns dos mais votados.
Tenho dito que a preocupação exclusiva com o sistema eleitoral, em boa parte das discussões sobre a reforma política, obscurece o fato de que nossos principais problemas não estão nele – estão na falta de pluralismo dos meios de comunicação de massa, na pouca laicidade do Estado, nas barreiras materiais e simbólicas à presença de integrantes dos grupos subalternos, no desincentivo sistêmico à participação e à educação políticas, na influência descontrolada do poder econômico, na vulnerabilidade e cumplicidade das instituições com os interesses poderosos. Mas o distritão não é sequer uma solução precária e insuficiente para uma crise muito maior. É um passo para o agravamento do problema.
O distritão é a regra pela qual as cadeiras de deputado ficam com os candidatos de maior votação individual, independentemente dos partidos. A regra atual (representação proporcional com listas abertas) prevê a distribuição proporcional das cadeiras entre os partidos e depois, dentro de cada lista partidária, a atribuição das vagas disponíveis de acordo com a votação individual.
Ao tornar irrelevante o partido no processo eleitoral, o distritão contribui para a destruição de uma instituição que já é muito frágil no Brasil, mas que continua sendo necessária caso se deseje ter um regime democrático. Ele projeta um “cada um por si” e tende a transformar a disputa eleitoral numa verdadeira corrida do ouro.
A justificativa principal para o distritão é evitar o chamado “efeito Tiririca”: candidatos pouco sufragados chegam ao parlamento graças à grande votação de um puxador de voto. Esse espantalho já levou a mudanças bisonhas nas regras eleitorais, como a que nega mandato a quem tenha obtido votação inferior a 10% do quociente eleitoral. O problema, porém, não está nas regras, mas nos partidos.
Se as listas fossem coerentes, seria mais do que razoável permitir que os votos “em excesso” do candidato X contribuíssem para a eleição de seu correligionário Y. O distritão, portanto, opta pelo caminho de matar o paciente para eliminar a doença.
Ao mesmo tempo, ele abre as portas para outro “efeito Tiririca”: a eleição de celebridades midiáticas sem trajetória de militância política. Sem a mediação efetiva dos partidos, a competição torna-se ainda mais favorável para pessoas que possuem qualquer tipo de visibilidade pública, como estrelas do show-business em curva descendente. O cantor ou ator previdente não precisa mais contribuir para o Lar dos Artistas: compra uma franquia local de um partido e curte sua aposentadoria no parlamento.
Reclama-se que a fragmentação das bancadas na Câmara é excessiva – em 2014, foram eleitos deputados de 28 partidos e o índice de fracionamento de Rae, que mede a dispersão parlamentar, chegou a 0,924 (de um máximo matematicamente possível de 0,998). Com o distritão, isso só tende a se agravar. Cada candidato teria incentivo para buscar um partido para chamar de seu, evitando disputas internas e a associação com escândalos alheios.
A criação de legendas partidárias para depois vendê-las a interessados nos estados, que já é um negócio florescente no Brasil (como demonstram os casos do PROS, do PMB e tantos outros), passaria a ocorrer em escala industrial. Justamente por isso, a ideia de exigir fidelidade partidária para contrabalançar os efeitos do sistema eleitoral, como propôs um novo defensor do distritão, o jurista Ives Gandra pai, é inócua.
Não sei se para 2018 já daria tempo, mas, com o distritão, em 2022 o número de partidos que elegem representantes certamente bateria na casa dos 50. Não sou dos que acham que esse número é necessariamente um problema. Se fossem 50 posições políticas participando da discussão, teríamos ganhos. Mas certamente não será o caso.
O outro remédio aventado para o excesso de fragmentação que o distritão projeta é a cláusula de barreira, isto é, um ponto de corte arbitrário, que elimina do jogo os partidos que obtiveram menos do que determinada votação. Trata-se, entretanto, de um contrassenso: o novo sistema eleitoral não pode determinar que a votação pessoal dos candidatos impera como único critério legítimo de atribuição de cadeiras e, ao mesmo tempo, negar a vaga (ou as condições ao trabalho parlamentar pleno) a alguns dos mais votados.
Tenho dito que a preocupação exclusiva com o sistema eleitoral, em boa parte das discussões sobre a reforma política, obscurece o fato de que nossos principais problemas não estão nele – estão na falta de pluralismo dos meios de comunicação de massa, na pouca laicidade do Estado, nas barreiras materiais e simbólicas à presença de integrantes dos grupos subalternos, no desincentivo sistêmico à participação e à educação políticas, na influência descontrolada do poder econômico, na vulnerabilidade e cumplicidade das instituições com os interesses poderosos. Mas o distritão não é sequer uma solução precária e insuficiente para uma crise muito maior. É um passo para o agravamento do problema.
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