Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Alvo permanente da fúria da Lava Jato, recentemente reforçada pela covardia reverencial de Antônio Palocci aos eternos senhores de uma Pátria novamente distraída, Lula enfrenta a rotina que a vida lhe impôs aos 72 anos.
Mostra gosto e disposição para assumir tarefas e ideias que podem permitir o retorno do país a democracia, opção que passa necessariamente pelo respeito ao direito de apresentar candidatura e ao calendário eleitoral.
“Não tenho medo de brigar”, disse ele, na tarde de terça-feira, em entrevista ao programa Contraponto, da rádio Trianon, referindo-se a Lava Jato, com quem terá um encontro marcado – ainda sem data -- no Tribunal Federal de Recursos de Porto Alegre. “Se tem político com medo, o problema é do político”.
A briga será boa, pelo tamanho e profundidade. Num ambiente nacional de desencanto, onde a miséria está de volta às ruas, trazida pelo desemprego e pelo corte de programas sociais, erguendo uma paisagem que alimenta várias versões de fascismo, é necessário reconhecer que raras vezes o destino de um homem e de um país estiveram tão próximos e até confundidos.
Lula ocupa, hoje, uma posição fora do alcance de qualquer outro homem público brasileiro. Num país onde um presidente da República com 3% de aprovação popular toma decisões às costas do eleitorado, ameaçando arruinar o destino de filhos e netos da maioria dos 207 milhões de brasileiras e brasileiros, o eixo de sua atuação é devolver o comando a vontade do povo. Não é assim porque ele quer, apenas. Mas porque pode – com base em relações políticas construídas em quatro décadas e reconhecimento pelas mudanças positivas promovidas pelo seu governo, que lhe asseguram uma força eleitoral única (e crescente) nas pesquisas de opinião para 2018.
“Política é relação química entre seres humanos”, diz, senhor de sua capacidade de explicar e convencer. Repetindo uma noção frequente nos discursos na caravana pelo Nordeste, diz que não pretende ser eleito para “governar” um país – mas “cuidar do povo brasileiro e do Brasil”. Esta é a mensagem.
A menos que não se reconheça a urgência dos problemas e dificuldades atuais, cabe admitir que o horizonte das próximas décadas do país está sendo desenhado por decisões políticas que serão tomadas no próximo período.
Elas podem confirmar ou revogar o pacote de medidas de horror sócio-econômico construído pela coalizão golpista, gerando um país no qual 13 milhões de desempregados, a promoção de leilões permanentes de riquezas e nenhum investimento produtivo simbolizam uma opção deliberada, um projeto de não-nação.
Pela primeira vez desde 1930, período de quase nove décadas em que o país venceu tantos desastres e retrocessos, uma política econômica de esvaziamento do Estado, enxugamento de gastos públicos e crescimento baixo não são uma contingencia, uma decisão transitória, mas uma opção duradoura, pretensamente definitiva, de redefinição das chamadas vocações nacionais.
“Este país, para crescer, tem apenas que acreditar em seu povo”, diz a voz grave de Lula, no rádio.
Sob impacto da tragédia ocorrida entre maio e agosto de 2016, quando se cometeu o crime de um vergonhoso golpe de Estado contra a planta frágil de nossa democracia, o calendário próximo -- dos últimos dias de setembro de 2017 até outubro de 2018 -- resume o trecho final uma travessia que se tornou a referência possível, a miserável brecha que sobrou da Constituição escrita em 1988, apesar de tudo a mais responsável e menos elitista das outras seis que a antecederam.
Caso o escandaloso logaritmo anunciado pelo general Mourão tivesse feito a última de suas aproximações sucessivas, num movimento descrito como um tic-tac de um relógio antigo na sala de jantar, o debate seria outro, vale admitir.
Como será outro, caso o TRF-4 confirme a condenação de Lula a 9 anos e meio – e nenhuma instância da Justiça tenha forças para reexaminar e corrigir a decisão a tempo de impedir um golpe definitivo numa campanha presidencial.
Não se trata de um personagem providencial nem de uma possível divindade, como sugerido pelo antigo protegido e agora delator Palocci. De camisa azul em sua sala no Instituto, entidade examinada com lupa e má fé por autoridades que tinham o dever jurídico e político da imparcialidade, mas que há anos se dedicam à perseguição política, o mais popular presidente de nossa história republicana fala dos assuntos do presente e das armadilhas do futuro. Pretende conseguir apoio de empresários e mesmo atrair empresas estrangeiras – para abrir novos investimentos, e não desnacionalizar empreendimentos prontos, assegura. Como eixo de movimentos e opções, mais do que nunca o povo é seu protagonista.
Por isso é necessário fazer caravanas, “ter contato com a sociedade aonde está a sociedade”, diz, numa nova versão do verso cantado por Milton Nascimento, para quem o “artista deve estar aonde o povo está”.
Lula aprendeu que seu contato com a população desenganada tem um efeito mobilizador, como deixa claro ao dizer que “quer olhar no olho do povo e dizer que o Brasil não merece o que está passando”.
É uma volta ao melhor das campanhas do passado, quando organizou caravanas em 1994, 1998 e 2002. A diferença, em 2017, é que tanto o candidato como o país se modificaram. Há reconhecimento mas também há descontentamento. Ele se mostra disposto a ouvir as duas coisas.
Embora tenha reservado uma agenda com lugar especial para o eleitorado que tem mantido uma postura fiel, planeja “dar uma conversada” em mais de uma dezena de municípios da Grande São Paulo, que constituíam o chamado Cinturão Vermelho que, após anos de votos petistas, deu as costas ao partido em 2016, acentuando um processo que já se anunciava em 2014. Não se aguarda um diálogo fácil mas vale reconhecer que também ali se vive um novo momento de reflexão após o desmoronamento de Aécio Neves e do PSDB.
A referência popular se mantém quando lhe perguntam por que não ocorrem mobilizações para afastar um presidente com 3% de aprovação e antecipar eleições diretas. “Sabedoria. O povo é mais inteligente do que a gente pode imaginar”. Explica: “todo mundo sabe que é preciso esperar até 2018” porque ninguém tem voto para aprovar uma emenda antecipando as eleições.
Falando sobre as Forças Armadas, ele se dirige a oficiais e solados em argumentos que ambos compreendem – e a população também. Repete a noção constitucional de que as Forças Armadas não se destinam a preservar a ordem interna, atribuição da Carta de 1946 revogada literalmente pela de 1988. Lembra que a partir da posse, em 2003, seu governo liderou um esforço para reequipar e reconstruir uma instituição rebaixada. Recordou que, quando chegou ao Planalto, “os recrutas tinham de ser liberados as 11 da manhã porque não tinha dinheiro para o almoço. Soldado não tinha coturno.” Também lembrou que os dois aviões da Presidência da República eram chamados “Sucatão e Sucatinha”.
Numa escolha que representa uma decisão política importante para uma candidatura de oposição a Temer-Meirelles, pretende levar para o Planalto -- caso seja candidato e venha a ser eleito – a ideia de um plebiscito revogatório, capaz de jogar abaixo o entulho reacionário deixado por Temer-Meirelles. O alvo principal é a emenda constitucional que limita o teto de gastos por 20 anos, uma medida que Lula condena, acima de tudo, pelo seu caráter anti-democrático, que subtrai a vontade que o eleitor deixa nas urnas. “É preciso que cada governo tenha autonomia, em função dos votos que recebeu, de decidir qual política vai fazer para o país”.
Numa postura que lembra a década de 1982, quando percorreu cidades do país inteiro para discutir a criação do PT, em encontros que até hoje são lembrados pelos mais velhos em cidades remotas do interior, como Altos, com 38 000 habitantes, no interior do Piauí, ele diz: “aos 72 anos, continuo com a vontade de briga de um menino de 30.”
Com essa postura, Lula não admite conversar sobre um possível plano B. Perguntado sobre o que pretende fazer caso sua candidatura seja bloqueada, responde com bom humor: “Você está me perguntando o que eu vou falar no vestiário depois de um jogo Corinthians e Santos, Corinthians e São Paulo, depois que eu perder. Primeiro vamos jogar. Depois vamos ver o que eu vou falar”.
Alvo permanente da fúria da Lava Jato, recentemente reforçada pela covardia reverencial de Antônio Palocci aos eternos senhores de uma Pátria novamente distraída, Lula enfrenta a rotina que a vida lhe impôs aos 72 anos.
Mostra gosto e disposição para assumir tarefas e ideias que podem permitir o retorno do país a democracia, opção que passa necessariamente pelo respeito ao direito de apresentar candidatura e ao calendário eleitoral.
“Não tenho medo de brigar”, disse ele, na tarde de terça-feira, em entrevista ao programa Contraponto, da rádio Trianon, referindo-se a Lava Jato, com quem terá um encontro marcado – ainda sem data -- no Tribunal Federal de Recursos de Porto Alegre. “Se tem político com medo, o problema é do político”.
A briga será boa, pelo tamanho e profundidade. Num ambiente nacional de desencanto, onde a miséria está de volta às ruas, trazida pelo desemprego e pelo corte de programas sociais, erguendo uma paisagem que alimenta várias versões de fascismo, é necessário reconhecer que raras vezes o destino de um homem e de um país estiveram tão próximos e até confundidos.
Lula ocupa, hoje, uma posição fora do alcance de qualquer outro homem público brasileiro. Num país onde um presidente da República com 3% de aprovação popular toma decisões às costas do eleitorado, ameaçando arruinar o destino de filhos e netos da maioria dos 207 milhões de brasileiras e brasileiros, o eixo de sua atuação é devolver o comando a vontade do povo. Não é assim porque ele quer, apenas. Mas porque pode – com base em relações políticas construídas em quatro décadas e reconhecimento pelas mudanças positivas promovidas pelo seu governo, que lhe asseguram uma força eleitoral única (e crescente) nas pesquisas de opinião para 2018.
“Política é relação química entre seres humanos”, diz, senhor de sua capacidade de explicar e convencer. Repetindo uma noção frequente nos discursos na caravana pelo Nordeste, diz que não pretende ser eleito para “governar” um país – mas “cuidar do povo brasileiro e do Brasil”. Esta é a mensagem.
A menos que não se reconheça a urgência dos problemas e dificuldades atuais, cabe admitir que o horizonte das próximas décadas do país está sendo desenhado por decisões políticas que serão tomadas no próximo período.
Elas podem confirmar ou revogar o pacote de medidas de horror sócio-econômico construído pela coalizão golpista, gerando um país no qual 13 milhões de desempregados, a promoção de leilões permanentes de riquezas e nenhum investimento produtivo simbolizam uma opção deliberada, um projeto de não-nação.
Pela primeira vez desde 1930, período de quase nove décadas em que o país venceu tantos desastres e retrocessos, uma política econômica de esvaziamento do Estado, enxugamento de gastos públicos e crescimento baixo não são uma contingencia, uma decisão transitória, mas uma opção duradoura, pretensamente definitiva, de redefinição das chamadas vocações nacionais.
“Este país, para crescer, tem apenas que acreditar em seu povo”, diz a voz grave de Lula, no rádio.
Sob impacto da tragédia ocorrida entre maio e agosto de 2016, quando se cometeu o crime de um vergonhoso golpe de Estado contra a planta frágil de nossa democracia, o calendário próximo -- dos últimos dias de setembro de 2017 até outubro de 2018 -- resume o trecho final uma travessia que se tornou a referência possível, a miserável brecha que sobrou da Constituição escrita em 1988, apesar de tudo a mais responsável e menos elitista das outras seis que a antecederam.
Caso o escandaloso logaritmo anunciado pelo general Mourão tivesse feito a última de suas aproximações sucessivas, num movimento descrito como um tic-tac de um relógio antigo na sala de jantar, o debate seria outro, vale admitir.
Como será outro, caso o TRF-4 confirme a condenação de Lula a 9 anos e meio – e nenhuma instância da Justiça tenha forças para reexaminar e corrigir a decisão a tempo de impedir um golpe definitivo numa campanha presidencial.
Não se trata de um personagem providencial nem de uma possível divindade, como sugerido pelo antigo protegido e agora delator Palocci. De camisa azul em sua sala no Instituto, entidade examinada com lupa e má fé por autoridades que tinham o dever jurídico e político da imparcialidade, mas que há anos se dedicam à perseguição política, o mais popular presidente de nossa história republicana fala dos assuntos do presente e das armadilhas do futuro. Pretende conseguir apoio de empresários e mesmo atrair empresas estrangeiras – para abrir novos investimentos, e não desnacionalizar empreendimentos prontos, assegura. Como eixo de movimentos e opções, mais do que nunca o povo é seu protagonista.
Por isso é necessário fazer caravanas, “ter contato com a sociedade aonde está a sociedade”, diz, numa nova versão do verso cantado por Milton Nascimento, para quem o “artista deve estar aonde o povo está”.
Lula aprendeu que seu contato com a população desenganada tem um efeito mobilizador, como deixa claro ao dizer que “quer olhar no olho do povo e dizer que o Brasil não merece o que está passando”.
É uma volta ao melhor das campanhas do passado, quando organizou caravanas em 1994, 1998 e 2002. A diferença, em 2017, é que tanto o candidato como o país se modificaram. Há reconhecimento mas também há descontentamento. Ele se mostra disposto a ouvir as duas coisas.
Embora tenha reservado uma agenda com lugar especial para o eleitorado que tem mantido uma postura fiel, planeja “dar uma conversada” em mais de uma dezena de municípios da Grande São Paulo, que constituíam o chamado Cinturão Vermelho que, após anos de votos petistas, deu as costas ao partido em 2016, acentuando um processo que já se anunciava em 2014. Não se aguarda um diálogo fácil mas vale reconhecer que também ali se vive um novo momento de reflexão após o desmoronamento de Aécio Neves e do PSDB.
A referência popular se mantém quando lhe perguntam por que não ocorrem mobilizações para afastar um presidente com 3% de aprovação e antecipar eleições diretas. “Sabedoria. O povo é mais inteligente do que a gente pode imaginar”. Explica: “todo mundo sabe que é preciso esperar até 2018” porque ninguém tem voto para aprovar uma emenda antecipando as eleições.
Falando sobre as Forças Armadas, ele se dirige a oficiais e solados em argumentos que ambos compreendem – e a população também. Repete a noção constitucional de que as Forças Armadas não se destinam a preservar a ordem interna, atribuição da Carta de 1946 revogada literalmente pela de 1988. Lembra que a partir da posse, em 2003, seu governo liderou um esforço para reequipar e reconstruir uma instituição rebaixada. Recordou que, quando chegou ao Planalto, “os recrutas tinham de ser liberados as 11 da manhã porque não tinha dinheiro para o almoço. Soldado não tinha coturno.” Também lembrou que os dois aviões da Presidência da República eram chamados “Sucatão e Sucatinha”.
Numa escolha que representa uma decisão política importante para uma candidatura de oposição a Temer-Meirelles, pretende levar para o Planalto -- caso seja candidato e venha a ser eleito – a ideia de um plebiscito revogatório, capaz de jogar abaixo o entulho reacionário deixado por Temer-Meirelles. O alvo principal é a emenda constitucional que limita o teto de gastos por 20 anos, uma medida que Lula condena, acima de tudo, pelo seu caráter anti-democrático, que subtrai a vontade que o eleitor deixa nas urnas. “É preciso que cada governo tenha autonomia, em função dos votos que recebeu, de decidir qual política vai fazer para o país”.
Numa postura que lembra a década de 1982, quando percorreu cidades do país inteiro para discutir a criação do PT, em encontros que até hoje são lembrados pelos mais velhos em cidades remotas do interior, como Altos, com 38 000 habitantes, no interior do Piauí, ele diz: “aos 72 anos, continuo com a vontade de briga de um menino de 30.”
Com essa postura, Lula não admite conversar sobre um possível plano B. Perguntado sobre o que pretende fazer caso sua candidatura seja bloqueada, responde com bom humor: “Você está me perguntando o que eu vou falar no vestiário depois de um jogo Corinthians e Santos, Corinthians e São Paulo, depois que eu perder. Primeiro vamos jogar. Depois vamos ver o que eu vou falar”.
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