Roseau, capital de Dominica, após a passagem do furacão Maria. Foto: STR/AFP/Getty Images |
O furacão Maria, a 15ª depressão tropical desta estação, está golpeando o Caribe agora, apenas duas semanas depois do furacão Irma fazer estragos na região.
A devastação na Dominica é “estarrecedora”, escreveu o primeiro-ministro do país, Roosevelt Skerrit, no facebook logo após a meia-noite de 19 de setembro. No dia seguinte, em Porto Rico, a NPR noticiou, via estação-membro WRTU em San Juan, que “a maior parte da ilha está sem energia… ou água.”
Entre as ilhas caribenhas impactadas por ambas tempestades mortíferas estão Porto Rico, São Cristóvão, Tortola e Barbuda.
Nesta região, os danos de desastres são com frequência amplificados por recuperações desnecessariamente demoradas e incompletas. Em 2004, o furacão Ivan passou inclemente pelo Caribe com velocidades de vento de 100 km/h. A economia da região levou mais de três anos para se recuperar. O superávit de 17 milhões de dólares de Granada tornou-se um déficit de 54 milhões graças à renda decrescente e aos desembolsos para restauração e reconstrução.
Os efeitos de um terremoto de magnitude 7 que abalou o Haiti em 2010 tampouco ficaram limitados à morte de cerca de 100 mil pessoas. As missões de paz das Nações Unidas enviadas para socorrer o país deixaram-no lutando, até os dias de hoje, com um surto fatal do cólera.
Estes não são casos isolados de má sorte fortuita. Como geógrafos da Universidade das Índias Ocidentais que estudam percepção de risco e ecologia política, reconhecemos as raízes profundas, causadas pelo homem, da mudança climática, da desigualdade e do subdesenvolvimento de antigas colônias –e todas elas aumentam a vulnerabilidade do Caribe ao desastre.
O risco de desastre é resultado tanto da exposição de um lugar ao perigo físico –isto é, o quanto seja ameaçado diretamente pelo desastre– quanto da sua vulnerabilidade social, especificamente se será recuperável de maneira rápida.
Em quase todas as ilhas caribenhas, a exposição ao perigo é aproximadamente a mesma, mas pesquisas mostram que pobreza e desigualdade social ampliam drasticamente a severidade dos desastres.
O Haiti, onde oito em cada dez pessoas vivem com menos de 4 dólarespor dia, oferece um exemplo de como capitalismo, gênero e história convergem para compor o dano da tempestade.
O país está entre os mais pobres do hemisfério ocidental em grande parte por causa do imperialismo. Depois que os haitianos depuseram com sucesso seus escravizadores europeus em 1804, os poderes globais asfixiaram economicamente a ilha. De 1915 a 1934, os EUA primeiro ocuparam o Haiti militarmente, e então seguiram uma política intervencionista que continua a ter efeitos duradouros na sua governança.
Interferência internacional e as fracas instituições resultantes, por sua vez, impediram esforços de desenvolvimento, redução da pobreza e capacitação.
A devastação na Dominica é “estarrecedora”, escreveu o primeiro-ministro do país, Roosevelt Skerrit, no facebook logo após a meia-noite de 19 de setembro. No dia seguinte, em Porto Rico, a NPR noticiou, via estação-membro WRTU em San Juan, que “a maior parte da ilha está sem energia… ou água.”
Entre as ilhas caribenhas impactadas por ambas tempestades mortíferas estão Porto Rico, São Cristóvão, Tortola e Barbuda.
Nesta região, os danos de desastres são com frequência amplificados por recuperações desnecessariamente demoradas e incompletas. Em 2004, o furacão Ivan passou inclemente pelo Caribe com velocidades de vento de 100 km/h. A economia da região levou mais de três anos para se recuperar. O superávit de 17 milhões de dólares de Granada tornou-se um déficit de 54 milhões graças à renda decrescente e aos desembolsos para restauração e reconstrução.
Os efeitos de um terremoto de magnitude 7 que abalou o Haiti em 2010 tampouco ficaram limitados à morte de cerca de 100 mil pessoas. As missões de paz das Nações Unidas enviadas para socorrer o país deixaram-no lutando, até os dias de hoje, com um surto fatal do cólera.
Estes não são casos isolados de má sorte fortuita. Como geógrafos da Universidade das Índias Ocidentais que estudam percepção de risco e ecologia política, reconhecemos as raízes profundas, causadas pelo homem, da mudança climática, da desigualdade e do subdesenvolvimento de antigas colônias –e todas elas aumentam a vulnerabilidade do Caribe ao desastre.
O risco de desastre é resultado tanto da exposição de um lugar ao perigo físico –isto é, o quanto seja ameaçado diretamente pelo desastre– quanto da sua vulnerabilidade social, especificamente se será recuperável de maneira rápida.
Em quase todas as ilhas caribenhas, a exposição ao perigo é aproximadamente a mesma, mas pesquisas mostram que pobreza e desigualdade social ampliam drasticamente a severidade dos desastres.
O Haiti, onde oito em cada dez pessoas vivem com menos de 4 dólarespor dia, oferece um exemplo de como capitalismo, gênero e história convergem para compor o dano da tempestade.
O país está entre os mais pobres do hemisfério ocidental em grande parte por causa do imperialismo. Depois que os haitianos depuseram com sucesso seus escravizadores europeus em 1804, os poderes globais asfixiaram economicamente a ilha. De 1915 a 1934, os EUA primeiro ocuparam o Haiti militarmente, e então seguiram uma política intervencionista que continua a ter efeitos duradouros na sua governança.
Interferência internacional e as fracas instituições resultantes, por sua vez, impediram esforços de desenvolvimento, redução da pobreza e capacitação.
Em tal contexto, os desastres agravam as numerosas vulnerabilidades sociais existentes em um país. Tome-se o gênero, por exemplo. Profissionais de saúde mental que ofereciam apoio a vítimas após o terremoto de 2010 no Haiti descobriram que um número extraordinariamente alto de mulheres desabrigadas –até 75%– haviam sofrido violência sexual. Este trauma anterior exacerbou as reações de tensão das mulheres após o desastre.
Desigualdade e subdesenvolvimento talvez sejam menos acentuados no resto do Caribe, mas de Antigua e Barbuda a São Cristóvão e Neves, os problemas socioeconômicos estão complicando agora tanto a prevenção quanto a reação aos desastres.
Por toda a região, as pessoas gastam a maior parte de sua renda em necessidades diárias como comida, água limpa, abrigo e remédios,pouco restando para recepcionar o Irma e o Maria com telhados salva-vidas de rápida recuperação para furacões, contraventos para tempestades, geradores solares e estojos de primeiros-socorros.
Para os pobres, rádios de emergência e telefones via satélite que poderiam alertá-los de desastres iminentes são em grande parte inacessíveis, assim como seguro das casas a fim de acelerar a recuperação.
Residentes caribenhos mais pobres também tendem a viver nas áreas mais propensas a desastres porque a moradia é mais barata em encostas desmatadas instáveis e ribanceiras em erosão. Isto aumenta exponencialmente o perigo que enfrentam. A baixa qualidade de construção destas habitações oferece menos proteção durante tempestades, ao passo que, após o desastre, veículos de emergência talvez não sejam capazes de ter acesso a estas áreas.
As mulheres caribenhas também continuarão a estar sob certo risco bem depois que o Maria passar. Numa região onde os papéis de gênero permanecem bastante rígidos, as mulheres são tipicamente sobrecarregadas com cuidar dos filhos, efetuar a colheita, cozinhar, limpar, lavar e outras coisas mais.
Mesmo em cenários pós-desastre, espera-se que as mulheres executem trabalhos domésticos. De modo que, quando os suprimentos de água estão contaminados (com despejos de esgoto, E. coli, salmonela, cólera, febre amarela e hepatite A, entre outros), as mulheres ficam expostas de maneira desproporcional a doenças.
O trabalho de alimentar os espíritos e os corpos dos outros quando ocorre escassez de comida e água também é empurrado para cima das mulheres, embora tenham em geral menor acesso à renda e ao créditoque os homens.
A política também joga um papel em como o Caribe está passando durante esta tumultuosa temporada de furacões. O longo domínio colonial não é a única razão pela qual as sociedades e ecossistemas caribenhos estejam tão vulneráveis.
Pode-se afirmar que muitos dos atuais governos na região também estão fazendo a sua parte em piorar a vida em geral para as comunidades marginalizadas. Em Trinidad e Tobago, a redução dos investimentos na educação pública tem prejudicado estudantes universitários da classe trabalhadora, a juventude de comunidades de baixa renda e adultos mais velhos que antes eram qualificados à ajuda financeira.
Na Guiana, rica em petróleo, a dependência dos combustíveis fósseisatraiu uma ávida ExxonMobil para uma rodada de perfurações, a despeito do seu currículo de extrair, poluir e levar os lucros quase que inteiramente para outro lugar. E, da Jamaica ao Belize, a corrupção disseminada e as violações dos direitos de terra romperam relações de confiança entre os povos e os estados que, em teoria, deveriam protegê-los.
Quando as tempestades ameaçam, tais políticas e práticas intensificam os riscos sociais e ecológicos do Caribe.
O Irma e o Maria não são com certeza os últimos desastres extremos que atingirão a região. Para sobreviver e prosperar nesta perigosa nova normalidade, os países caribenhos fariam bem em olhar para o âmago destas questões, repensando o conceito de risco e se engajando com mais consciência em questões como a pobreza, gênero e mudança climática.
Desigualdade e subdesenvolvimento talvez sejam menos acentuados no resto do Caribe, mas de Antigua e Barbuda a São Cristóvão e Neves, os problemas socioeconômicos estão complicando agora tanto a prevenção quanto a reação aos desastres.
Por toda a região, as pessoas gastam a maior parte de sua renda em necessidades diárias como comida, água limpa, abrigo e remédios,pouco restando para recepcionar o Irma e o Maria com telhados salva-vidas de rápida recuperação para furacões, contraventos para tempestades, geradores solares e estojos de primeiros-socorros.
Para os pobres, rádios de emergência e telefones via satélite que poderiam alertá-los de desastres iminentes são em grande parte inacessíveis, assim como seguro das casas a fim de acelerar a recuperação.
Residentes caribenhos mais pobres também tendem a viver nas áreas mais propensas a desastres porque a moradia é mais barata em encostas desmatadas instáveis e ribanceiras em erosão. Isto aumenta exponencialmente o perigo que enfrentam. A baixa qualidade de construção destas habitações oferece menos proteção durante tempestades, ao passo que, após o desastre, veículos de emergência talvez não sejam capazes de ter acesso a estas áreas.
As mulheres caribenhas também continuarão a estar sob certo risco bem depois que o Maria passar. Numa região onde os papéis de gênero permanecem bastante rígidos, as mulheres são tipicamente sobrecarregadas com cuidar dos filhos, efetuar a colheita, cozinhar, limpar, lavar e outras coisas mais.
Mesmo em cenários pós-desastre, espera-se que as mulheres executem trabalhos domésticos. De modo que, quando os suprimentos de água estão contaminados (com despejos de esgoto, E. coli, salmonela, cólera, febre amarela e hepatite A, entre outros), as mulheres ficam expostas de maneira desproporcional a doenças.
O trabalho de alimentar os espíritos e os corpos dos outros quando ocorre escassez de comida e água também é empurrado para cima das mulheres, embora tenham em geral menor acesso à renda e ao créditoque os homens.
A política também joga um papel em como o Caribe está passando durante esta tumultuosa temporada de furacões. O longo domínio colonial não é a única razão pela qual as sociedades e ecossistemas caribenhos estejam tão vulneráveis.
Pode-se afirmar que muitos dos atuais governos na região também estão fazendo a sua parte em piorar a vida em geral para as comunidades marginalizadas. Em Trinidad e Tobago, a redução dos investimentos na educação pública tem prejudicado estudantes universitários da classe trabalhadora, a juventude de comunidades de baixa renda e adultos mais velhos que antes eram qualificados à ajuda financeira.
Na Guiana, rica em petróleo, a dependência dos combustíveis fósseisatraiu uma ávida ExxonMobil para uma rodada de perfurações, a despeito do seu currículo de extrair, poluir e levar os lucros quase que inteiramente para outro lugar. E, da Jamaica ao Belize, a corrupção disseminada e as violações dos direitos de terra romperam relações de confiança entre os povos e os estados que, em teoria, deveriam protegê-los.
Quando as tempestades ameaçam, tais políticas e práticas intensificam os riscos sociais e ecológicos do Caribe.
O Irma e o Maria não são com certeza os últimos desastres extremos que atingirão a região. Para sobreviver e prosperar nesta perigosa nova normalidade, os países caribenhos fariam bem em olhar para o âmago destas questões, repensando o conceito de risco e se engajando com mais consciência em questões como a pobreza, gênero e mudança climática.
Na prática, isto significa identificar suas comunidades mais vulneráveis e trabalhar para melhorar seu bem-estar no dia-a-dia –não apenas sua sobrevivência em uma tempestade.
O nativo caribenho Frantz Fanon (1925-1961), da ilha de Martinica, reconheceu estas complexidades no livro Os Condenados da Terra.
Fanon sustentava que democracia e a educação política das massas por toda a geografia pós-colonial era uma “necessidade histórica”. Profeticamente, também indicava que “o solo precisa de pesquisa, bem como o subsolo, os rios, e por que não?, o sol”.
Enquanto o Caribe procura soluções aos danos e sofrimentos acarretados tanto pela revolta da natureza quanto pela desigualdade social, as palavras de Fanon soam como um bom ponto de partida.
* Levi Gahman é professor de Estudos de Geografia Radical e Desenvolvimento Crítico na Universidade das Índias Ocidentais; Gabrielle Thongs é professora assistente do Departamento de Geografia da Universidade das Índias Ocidentais.
* Publicado no The Conversation. Tradução Mauricio Búrigo.
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