sexta-feira, 8 de setembro de 2017

'Justiça' despreza malas para mirar no PT

Por Katia Guimarães, no blog Socialista Morena:

Nem a descoberta de malas com 51 milhões de reais, a maior apreensão da história, em um apartamento ligado a Geddel Vieira Lima, do PMDB, foi capaz de fazer a “Justiça” brasileira tirar o foco do PT. A delação do ex-ministro Antonio Palocci deu novo gás à Lava-Jato, que voltou à carga contra Lula, com o apoio da Procuradoria-Geral da República, que denunciou o ex-presidente e a presidenta eleita Dilma Rousseff no Supremo Tribunal Federal. A nação silenciosa assiste a tudo estupefata diante da superioridade das convicções diante das provas: fotos e vídeos de malas de dinheiro valem menos do que delações de criminosos.

O enredo da delação de Palocci, preso nas masmorras de Curitiba desde setembro de 2016, é rocambolesco. O ex-ministro chegou a citar, lendo de um papel no depoimento, um suposto “pacto de sangue” que Lula teria feito com Emilio Odebrecht em troca de 300 milhões de reais de propina. O próprio Palocci admite em seguida, porém, que, ao conversar sobre o assunto com Marcelo Odebrecht, ouviu que houve uma “divergência de valores”. “Ele falou: ‘não é 300 milhões de reais, meu pai se enganou, 300 milhões é a soma daquilo que foi dado com aquilo que ainda tem disponível’.”

Convenientemente, o ex-ministro também corroborou todo o enredo da acusação feita pelo juiz Sérgio Moro: que o “pacto de sangue” envolvia a reforma do sítio em Atibaia e uma nova sede para o Instituto Lula, embora a reforma já tenha sido atribuída a outra empreiteira, a OAS. Teriam as poderosas empreiteiras OAS e a Odebrecht se unido para construir a nova churrasqueira de um sítio que, conforme a própria mídia comercial noticiou, não tem luxo algum?

Os advogados de Lula afirmam que Palocci mente. “A história que Antonio Palocci conta é contraditória com outros depoimentos de testemunhas, réus, delatores da Odebrecht e provas e que só se compreende dentro da situação de um homem preso e condenado em outros processos pelo juiz Sérgio Moro que busca negociar com o Ministério Público e o próprio juiz Moro um acordo de delação premiada que exige que se justifique acusações falsas e sem provas contra o ex-presidente Lula”, disse a defesa do ex-presidente em nota. “Palocci repete o papel de réu que não só desiste de se defender como, sem o compromisso de dizer a verdade, valida as acusações do Ministério Público para obter redução de pena e que no processo do tríplex foi de Léo Pinheiro.”

O advogado Cristiano Zanin Martins enfatiza que não há nada no processo ou no depoimento de Palocci que confirme que o terreno teria sido destinado ao Instituto Lula a partir de propinas de contratos com a Petrobras, assim como o “esquema” de palestras dadas por Lula. Fica ainda evidente que o ex-ministro não conhecia a tal “planilha” de controle interno do Marcelo Odebrecht e citou reuniões que teriam acontecido sem ter como provar. Não tem dinheiro, conta bancária, documentos… Nada, apenas a delação. “Todas falas sem provas”, diz o advogado. A possível delação envolvendo os bancos e a mídia, com quem Palocci sempre teve relações próximas, ficou, no entanto, de fora. Por quê?
A presidenta eleita Dilma Rousseff também soltou nota dizendo que o ex-ministro “falta com a verdade” para obter os benefícios da delação. “Todo o conteúdo das supostas conversas descritas pelo senhor Palocci com a participação da então ministra Dilma Rousseff –e mesmo quando ela assumiu a Presidência– é uma ficção. Esta é uma estratégia adotada pelo delator em busca de benefícios da delação premiada”, rebateu Dilma. “O episódio em que cita um inacreditável benefício à Odebrecht pelo governo Dilma Rousseff, durante o processo de concessões de aeroportos, mostra que o senhor Antonio Palocci mente.”

Inocentada pelo menos cinco vezes das acusações usadas para justificar o impeachment, Dilma reagiu com veemência também à denúncia feita pelo procurador-geral Rodrigo Janot. Em nota, Dilma diz que Janot faz diversionismo. “Na semana em que o país toma conhecimento da deterioração ética e moral que cerca o mercado da corrupção; no dia em que a polícia encontra uma dúzia de malas cheias de dinheiro roubado por elemento central na articulação do presidente golpista; o procurador lança mão do diversionismo e encontra respaldo em parte da imprensa brasileira que se transformou em uma fração politica, perdendo inteiramente a isenção”.

A ex-presidenta chamou atenção para as ações casadas de Janot “em rápida sequência, no exato momento em que situações indevidas envolvendo delações premiadas vieram a público e estarrecem a sociedade brasileira”. “É curiosa a inversão de papéis. Os que praticam abusos de direitos e vazamentos ilegais de informações recobertas pelo sigilo legal não são sequer investigados e seus delitos punidos. Os que são vítimas destas situações abusivas e ilícitas, ao ver do procurador-geral da República, devem ser transformados em réus de uma ação penal”, dispara.

Acuado por acusações de ser “petista”, Janot deu uma guinada brusca na investigação sobre Temer e o PMDB após os furos na delação de Joesley Batista, e também passou a mirar o PT, denunciando toda a cúpula da legenda, inclusive Dilma e Lula, que foram denunciados como uma “organização criminosa”. A teoria do domínio de fato ressurgiu e o ex-presidente foi apontado como “chefe”, o que levou o advogado Cristiano Martins a dizer, no twitter, que Janot fez um ctrlC+ctrlV do célebre powerpoint do procurador Deltan Dallagnol.

Janot cobra dos petistas nada menos do 6,5 bilhões de reais. Lula e Dilma foram denunciados ainda por obstrução à Justiça. O procurador cita o suposto apoio político, jurídico e financeiro ao ex-senador Delcídio do Amaral para evitar que ele fechasse acordo de delação premiada; menciona a troca de informações sigilosas entre Dilma e a empresária Mônica Moura, mulher do publicitário João Santana, por meio de contas de e-mails, episódio recheado de dúvidas; por último, Janot cita a nomeação de Lula para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, com a suposta finalidade de garantir foro privilegiado.

Aqui, um parêntese para lembrar que a Procuradoria da República no Distrito Federal já havia pedido o arquivamento das investigações contra Lula e Dilma por considerar frágeis as acusações do ex-senador de que os dois teriam tentado atrapalhar o andamento da Lava-Jato. O procurador concluiu “não se vislumbrar no discurso de Delcídio a existência de real tentativa de embaraço às investigações da Operação Lava-Jato”.

Enquanto a mídia tradicional fala em “cartada final” e “bala de prata” que ferem do morte o PT, nas redes, o assunto virou debate político, até piada, e rapidamente as incoerências sobre o caso foram levantadas. Uma das inconsistências são as reuniões em que o dinheiro teria sido discutido. Palocci não esteve nelas apenas soube delas. Em seu site, o jornalista Luis Nassif enumerou as contradições dos depoimentos sobre o caso do terreno. Outros perfis de esquerda também apontaram as inverossimilhanças do relato.



Tudo aconteceu justamente ao fim da bem-sucedida caravana de Lula pelo Nordeste, que percorreu 60 cidades em nove estados e impulsionou o ex-presidente nas redes sociais. O massacre contra o PT também serviu para encobrir a patacoada protagonizada por Rodrigo Janot, que pode fazer a delação da J&S virar água.

Quem mais ganha com este cenário são o PMDB e o PSDB, ambos já associados a malas de dinheiro, providencialmente obscurecidas pela artilharia contra o PT. O presidente Temer e os mentores do golpe ganharam argumentos para desqualificar as denúncias de Joesley Batista e mais fôlego para dar continuidade ao desmonte do país.

A mídia comercial, claro, aproveitou a chance e recarregou suas baterias contra Lula e seu partido, com destaque para as Organizações Globo. O Jornal Nacional dos últimos dias deu mais espaço às denúncias contra o PT do que ao dinheiro de Geddel ou aos erros de Janot.

As malas de dinheiro? Ora, quem se importa com malas diante da possibilidade de prender Lula e Dilma, com quem não foi encontrada mala alguma?

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