Foto: Brisa Serena Guedes/Reprodução Facebook |
Por mais de quatro horas, Carlita Viana Pereira, 50 anos, aguardava atendimento na sala de espera do Centro de Referência em Assistência Social (Cras) de Itaquera, na zona leste de São Paulo. O dia frio não a inibiu de tentar resolver problemas com o Cadastro Único, que dá acesso ao Bolsa Família, um alívio financeiro para a abatida senhora responsável por sustentar, sozinha, os dois netos na periferia de São Paulo.
“Cheguei aqui às 8 da manhã e peguei a senha. Às 9 horas ainda não tinham me atendido. Aí a moça falou que eu poderia levar minha neta na escola e voltar. Voltei e ainda estou aguardando.” Já era 13h30. “Também não consegui o benefício do meu neto. O cadastro está feito já tem um ano, mas não recebi nenhuma cartinha de confirmação.”
“Cheguei aqui às 8 da manhã e peguei a senha. Às 9 horas ainda não tinham me atendido. Aí a moça falou que eu poderia levar minha neta na escola e voltar. Voltei e ainda estou aguardando.” Já era 13h30. “Também não consegui o benefício do meu neto. O cadastro está feito já tem um ano, mas não recebi nenhuma cartinha de confirmação.”
Regina Moura de Souza também aguardava impaciente com seu filho de 12 anos por um atendimento. A mãe, de 44 anos, conta que sua primeira vez no Cras Itaquera foi em 2015. “Cheguei aqui às 8 da manhã e saí daqui às 2 da tarde.” O filho faltou à escola para acompanhar a mãe, desempregada. Após três horas de espera o garoto corria na área externa do sobrado em busca de qualquer distração.
Apesar do número reduzido de pessoas na espera na tarde de 22 de agosto, quando a reportagem esteve no local, Regina e seu filho ainda não haviam recebido atendimento.
A tarefa de inclusão e procura de cidadãos no Cadastro Único e nos programas sociais ofertados é das prefeituras. É também função do Poder Municipal promover o recadastramento das famílias.
Segundo levantamento da vereadora Juliana Cardoso (PT-SP), a precarização dos Cras e dos Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) ocorre em um contexto de demissões de 200 servidores públicos lotados em cargos comissionados. No início do ano, o prefeito João Doria Jr. anunciou um corte de 3.520 comissionados em diversas secretarias.
Para Ricardo de Lima, membro do Conselho Municipal de Assistência Social (Comas), o funcionário do Cras vive sobrecarregado, uma vez que tem de “supervisionar o serviços da assistência social no território, atender o Cras e levar as demandas, muitas vezes, ao Ministério Público. Com isso, criam-se as filas de agendamento e senhas, o que não era para existir”. Para o assistente social, há a necessidade de contratar pelo menos 720 funcionários para os Cras e Creas.
A espera no atendimento e a desordem na fila do cadastro único revelam consequências diretas da frágil situação encontrada na Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo.
Segundo o próprio secretário da pasta, Filipe Sabará, “a assistência sofreu um congelamento de 30%, promovido pela Secretaria da Fazenda”.
Os dados do Sistema de Orçamento e Finanças, da Prefeitura de São Paulo, mostram que a assistência dispõe de 78,6 milhões de reais em recursos empenhados em 2017, 17,2 milhões a menos do que em 2016, quando o valor era de 95,8 milhões de reais.
A receita líquida do município, em contrapartida, teve um aumento de mais de 915 bilhões de reais, o que corresponde a 4%. Mesmo assim, o empenho de verbas caiu 8%.
Cortes nos serviços de Abordagem Social
Ao mesmo tempo que se cortam verbas, a Portaria 41/2017, do fim de julho, reduz o atendimento dos Serviços Especializado de Abordagem Social (Seas) durante a manhã e transfere profissionais para o período noturno.
Segundo a gestão Doria, faltam funcionários à noite e os servidores do período matutino, já em aviso prévio, não serão demitidos, mas sim, realocados no período noturno. Sabará alega que são 108 pessoas em situação de aviso prévio.
A decisão é contestada pelos assistentes sociais do Seas. Eles argumentam que a baixa oferta do serviço da manhã é prejudicial para as pessoas em situação de rua já vinculadas aos assistentes sociais.
Damiso Faustino, trabalhador do Seas da Vila Maria, na zona norte da cidade, é um dos funcionários em aviso prévio. O assistente social critica a ausência de critério na aplicação da medida, já que trabalha no período noturno.
“Essa portaria dizia que as ONGs deveriam reduzir os seus quadros para esses trabalhadores serem remanejados no período noturno, mas não houve nenhum diálogo ou critério nas demissões.” Segundo Faustino, são mais de 400 trabalhadores em aviso prévio e sem perspectiva de recolocação.
Para a ex-secretária da pasta e ex-vereadora Soninha Francine (PPS-SP), o secretário Filipe Sabará não compreende o papel do Seas. “Evidentemente, ele entende que é um serviço de convencimento para a pessoa sair da rua. Ele desconhece o vínculo e o acompanhamento feitos pelos profissionais”, afirmou em audiência pública na Câmara Municipal, em 21 de agosto.
Falta de recursos, mas novos serviços
Apesar do discurso de rombo nas contas públicas, Sabará inaugurou três Centros Temporários de Acolhimento (CTA) em diversas regiões da cidade de São Paulo, estabelecimentos que oferecem serviços de acolhimento para pessoas em situação de rua.
Os CTAs também são questionados pelos profissionais da assistência social. Para Ricardo de Lima, membro do Comas, o custo dos CTA tem desequilibrado o orçamento financeiro dos demais serviços. “Ele atrasa os serviços que julga não serem importantes, gerando insegurança nos centros", critica Lima.
De acordo com o Coletivo de Servidores Públicos em defesa do Sistema Único de Assistência Social (SUA), Centro da Criança e Adolescente (CCA), Cras, Creas e demais serviços da administração direta e indireta vêm sofrendo cortes de pessoal e falta de repasses desde o início do ano, o que atrasa o pagamento de salários e de fornecedores.
Apesar da alegação de Sabará sobre a o financiamento 100% privado dos CTAs, sem qualquer contrapartida, no ponto de vista da ex-secretária Soninha Francine a conta não fecha, uma vez que “os espaços em si não são gratuitos, têm aluguel, foram contratados serviços para a gestão, o mobiliário e almoxarifado da Secretaria, bem como o transporte e as equipes. Então o custo zero não é verdade”.
Para Ricardo de Lima, os investimentos nos CTA fazem parte de “uma preocupação da gestão Doria de fazer mídia em cima da população em situação de rua, deixando as crianças das periferias sem uma proteção adequada”. Na visão de Soninha, a proteção especial vai muito além da população de rua e a proteção social básica vem sendo deixada de lado.
Além disso, em 18 de agosto foi anunciado pelo secretário municipal de Desenvolvimento Social e pelo secretário de Finanças para presidentes e representantes das entidades um corte de 15% nos convênios de prestadoras de serviços na assistência social.
Os convênios, que eram renovados anualmente, passaram a ter renovação mensal, gerando insegurança entre os profissionais. Com as diversas manifestações dos trabalhadores da assistência social, Sabará recuou na decisão e publicou no Diário Oficial da quarta-feira 30, a volta da anuidade nos serviços conveniados.
Para Ricardo de Lima, a renovação de pelo menos mais um ano dos termos de Convênio dá um fôlego para a pasta e "representa uma vitória para todos aqueles e aquelas que ocuparam as ruas, as audiências públicas e as conferências".
No entanto, Lima alega que o descongelamento de verbas para os convênios ainda não é solução, na medida em que a contratação de mais pessoas para os Cras, Creas e para os novos CTA é imprescindível, bem como a revogação da Portaria 41.
Serviços fechados
Embora Sabará tenha assegurado que nenhum serviço seria fechado, Elvidio Alves, coordenador do Fórum Regional de Direitos da Criança e do Adolescente de São Mateus, organização da sociedade civil, afirma que os Sasfs São Rafael e Iguatemi, ambos em São Mateus, na zona leste, estão fechados há mais de um mês. “São 2 mil famílias atendidas em cada um dos serviços e nenhuma foi realocada para outro Sasf ou sequer avisada do fechamento”, lamenta Alves.
O coordenador salienta que a Secretaria descontinuou o serviço, enquanto avalia possíveis mudanças. A supervisão do local aguarda novas orientações.
O Sasf é responsável por desenvolver proteção básica em domicílio com famílias em situação de alta vulnerabilidade social e em risco.
“Os dois serviços estão provisionados na folha de orçamento anual. Então, onde está esse dinheiro?”, questiona Alves.
Procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social informou que a própria organização entregou os serviços dos Sasf Iguatemi e São Rafael e que a pasta está estudando o reordenamento do serviço para a reabertura.
Contradizendo a realidade dos usuários do Cras Itaquera, a assessoria de imprensa da Secretaria afirmou que “no mês de agosto, 77 mil famílias na cidade de São Paulo foram contempladas e, segundo o governo federal, não existe mais fila de espera para o Bolsa Família”.
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