Por Rodrigo Leão e Wiliam Nozaki, na revista CartaCapital:
Vista por grande parte da sociedade como surpresa, a notícia deve ser encarada como mais uma cena do roteiro de entrada das empresas estrangeiras no pré-sal brasileiro. Em recente texto publicado no site de CartaCapital, apontávamos a existência de uma trajetória muito bem definida do ingresso das operadoras de petróleo internacionais.
Tal trajetória se inicia pelo processo de espionagem industrial contra a Petrobras envolvendo a Halliburton (2008), passa pelo lobby ostensivo de empresas norte-americanas como a Chevron (2010) e pela sondagem de petrolíferas chinesas como a CNPC (2011) e culmina na efetiva alteração de diversos marcos regulatórios do setor de óleo e gás a partir de 2016.
Vale destacar: em 2013, o presidente da Shell, Ben Van Beurden, logo após participar do consórcio vencedor do leilão de Libra na área do pré-sal, afirmou que o Brasil era uma área estratégica para repor as reservas de petróleo da gigante petrolífera, como também “por ter grandes oportunidades para expandir o portfolio da empresa na área de downstream” e em outros segmentos.
Em 2016, ao anunciar plano de investimento no Brasil de 10 bilhões de dólares até 2020, o executivo comemorou as mudanças do marco regulatório brasileiro para exploração de petróleo e gás natural. Segundo ele, a Shell passava a olhar “com interesse renovado as oportunidades que iriam surgir do novo marco regulatório”.
Não por acaso, no leilão do pré-sal realizado no último mês, dos oito campos vendidos, três foram arrematados por consórcios com a presença da Shell. Todos esses fatos comprovam a existência de uma estratégia de longo prazo da Shell e dos britânicos, em última instância, para o mercado brasileiro.
Como observado, o lobby em si não é propriamente uma novidade para aqueles que acompanham a rotina deste setor. O que chama a atenção mais especificamente no caso do governo britânico é o modo como ele explicita um interesse estratégico para o qual poucos tem atentado.
Trata-se não apenas da entrada das operadoras estrangeiras na exploração e produção de petróleo e gás, mas de forçar a abertura do mercado brasileiro para a entrada do conjunto da cadeia produtiva de fornecedores britânicos no País.
Noutras palavras, com o encolhimento dos índices de conteúdo local desmonta-se a política industrial brasileira para que a partir daqui se fortaleça a indústria britânica.
Também em outro artigo publicado em CartaCapital, alertávamos que a estratégia de desinvestimento da Petrobras seguia na contramão do que se faz no mercado internacional. A entrada das empresas francesas e norte-americanas no Brasil teve como objetivo expandir e diversificar suas capacidades de fornecimento de óleo e gás, bem como atrair de parceiros para o desenvolvimento das mais diversas fontes de energia tiveram papel central na construção de tais estratégias.
Além disso, houve um claro interesse de aproveitar a expansão da fronteira exploratória brasileira para impulsionar a internacionalização das atividades produtivas de toda a cadeia de suprimento dos seus países de origem. Em outras palavras, as nações estrangeiras produtoras de petróleo visaram ampliar sua participação nas reservas do pré-sal e também das suas empresas fornecedores de bens e serviços para o setor.
Naquela ocasião, lembrávamos que a internacionalização das empresas francesas se caracterizou como um eixo estratégico do desenvolvimento do setor energético por três razões:
1) Garantir o suprimento de óleo e gás num país em que o volume de reservas é relativamente baixo para atender sua demanda;
2) Aproveitar novas oportunidades no mundo no segmento de energia e;
3) Permitir a expansão da cadeia de fornecedores (inclusive de menor porte) em termos globais.
No caso britânico, a situação não é muito diferente. Um documento do governo do Reino Unido de 2013, denominado “UK Oil and Gas Business and Government Action”, descreveu as principais diretrizes do setor de petróleo e gás naquela região para os próximos anos, dando destaque para a internacionalização da cadeia de suprimentos britânica.
Segundo o documento, um dos objetivos da política de petróleo e gás é criar condições para que as “operadoras britânicas sejam encorajadas a guiar tecnicamente a capacidade de expansão da cadeia de fornecedores no mercado internacional (...) O objetivo final é viabilizar e manter a competitividade global da cadeia de suprimentos do Reino Unido, mas que se mantenha ancorada no mercado nacional”.
Ao tratar dos resultados almejados por essa política, o documento mencionou a importância de expansão para novos mercados, como o brasileiro: “atualmente, a maior parte das vendas de serviços (na cadeia de petróleo e gás) está nos EUA, Canada, Angola, Noruega e Austrália. O UKTI (United Kingdom Trade and Investment) está focando um número cada vez maior de outros mercados com alto valor agregado, onde a capacidade e o apetite das operadoras britânicas possam engajar sua cadeia de suprimentos, tais como Brasil, Iraque, Cazaquistão, México, Líbia e Arábia Saudita”.
Entre os projetos citados para os próximos anos, estava a criação do “High Value Opportunities Programme”, cuja função era subsidiar os negócios estrangeiros do Reino Unido com as operadoras de petróleo impulsionando as atividades dos fornecedores.
A postura do governo britânico, assim como a do francês e de outros países, deixa claro que há um projeto para construir globalmente uma integração de suas cadeias produtivas que envolve o setor de petróleo e seus fornecedores.
A consecução desse projeto de internacionalização somente tem sido possível, no caso brasileiro, a partir de duas premissas básicas: o desmonte da política de conteúdo local e a forte redução dos investimentos da Petrobras.
Com a primeira medida permite-se uma diminuição das exigências de contratação de bens e serviços no mercado nacional, abrindo espaço para a importação dos mesmos. E, com a segunda, abre-se a oportunidade para que as empresas estrangerias possam atuar, em substituição à Petrobras, nos diferentes elos da cadeia de petróleo nacional.
Em suma, no Brasil, o que prevalece atualmente é o interesse estrangeiro, cuja premissa básica é a desintegração da indústria nacional em prol da integração produtiva das cadeias de petróleo e gás de países estrangeiros como a Grã-Bretanha.
O lobby é somente mais uma forma de alcançar esse objetivo. O país que protagonizou a primeira revolução industrial sabe muito bem que o liberalismo é lei para brasileiro ver, ou seja, é sempre adequado como recomendação ideológica para o outro, mas quase nunca é pertinente como prática política para si próprio.
* Rodrigo Leão é economista (FACAMP) e mestre em desenvolvimento econômico (IE/UNICAMP). Foi gestor de planejamento da Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros). Atualmente, é um dos coordenadores do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas (GEEP) da FUP e pesquisador visitante do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA)
* William Nozaki é professor de ciência política e economia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas da Federação Única dos Petroleiros (GEEP-FUP)
A revelação do lobby realizado pelo governo britânico para facilitar a entrada das petrolíferas daquele país no pré-sal brasileiro ganhou as páginas dos veículos de comunicação no fim de semana. Originalmente apresentada com a finalidade de relaxar as regras tributárias e ambientais, o lobby ao fim e ao cabo escancarou seu verdadeiro objetivo: o enfraquecimento da política de conteúdo nacional adotada no Brasil.
De acordo com diplomatas britânicos, a redução das exigências de compras no mercado brasileiro beneficiaria as grandes operadoras britânicas, a Shell e a BP mais notadamente, e consequentemente toda a cadeia de fornecedores do parque empresarial daquela região.
De acordo com diplomatas britânicos, a redução das exigências de compras no mercado brasileiro beneficiaria as grandes operadoras britânicas, a Shell e a BP mais notadamente, e consequentemente toda a cadeia de fornecedores do parque empresarial daquela região.
Vista por grande parte da sociedade como surpresa, a notícia deve ser encarada como mais uma cena do roteiro de entrada das empresas estrangeiras no pré-sal brasileiro. Em recente texto publicado no site de CartaCapital, apontávamos a existência de uma trajetória muito bem definida do ingresso das operadoras de petróleo internacionais.
Tal trajetória se inicia pelo processo de espionagem industrial contra a Petrobras envolvendo a Halliburton (2008), passa pelo lobby ostensivo de empresas norte-americanas como a Chevron (2010) e pela sondagem de petrolíferas chinesas como a CNPC (2011) e culmina na efetiva alteração de diversos marcos regulatórios do setor de óleo e gás a partir de 2016.
Vale destacar: em 2013, o presidente da Shell, Ben Van Beurden, logo após participar do consórcio vencedor do leilão de Libra na área do pré-sal, afirmou que o Brasil era uma área estratégica para repor as reservas de petróleo da gigante petrolífera, como também “por ter grandes oportunidades para expandir o portfolio da empresa na área de downstream” e em outros segmentos.
Em 2016, ao anunciar plano de investimento no Brasil de 10 bilhões de dólares até 2020, o executivo comemorou as mudanças do marco regulatório brasileiro para exploração de petróleo e gás natural. Segundo ele, a Shell passava a olhar “com interesse renovado as oportunidades que iriam surgir do novo marco regulatório”.
Não por acaso, no leilão do pré-sal realizado no último mês, dos oito campos vendidos, três foram arrematados por consórcios com a presença da Shell. Todos esses fatos comprovam a existência de uma estratégia de longo prazo da Shell e dos britânicos, em última instância, para o mercado brasileiro.
Como observado, o lobby em si não é propriamente uma novidade para aqueles que acompanham a rotina deste setor. O que chama a atenção mais especificamente no caso do governo britânico é o modo como ele explicita um interesse estratégico para o qual poucos tem atentado.
Trata-se não apenas da entrada das operadoras estrangeiras na exploração e produção de petróleo e gás, mas de forçar a abertura do mercado brasileiro para a entrada do conjunto da cadeia produtiva de fornecedores britânicos no País.
Noutras palavras, com o encolhimento dos índices de conteúdo local desmonta-se a política industrial brasileira para que a partir daqui se fortaleça a indústria britânica.
Também em outro artigo publicado em CartaCapital, alertávamos que a estratégia de desinvestimento da Petrobras seguia na contramão do que se faz no mercado internacional. A entrada das empresas francesas e norte-americanas no Brasil teve como objetivo expandir e diversificar suas capacidades de fornecimento de óleo e gás, bem como atrair de parceiros para o desenvolvimento das mais diversas fontes de energia tiveram papel central na construção de tais estratégias.
Além disso, houve um claro interesse de aproveitar a expansão da fronteira exploratória brasileira para impulsionar a internacionalização das atividades produtivas de toda a cadeia de suprimento dos seus países de origem. Em outras palavras, as nações estrangeiras produtoras de petróleo visaram ampliar sua participação nas reservas do pré-sal e também das suas empresas fornecedores de bens e serviços para o setor.
Naquela ocasião, lembrávamos que a internacionalização das empresas francesas se caracterizou como um eixo estratégico do desenvolvimento do setor energético por três razões:
1) Garantir o suprimento de óleo e gás num país em que o volume de reservas é relativamente baixo para atender sua demanda;
2) Aproveitar novas oportunidades no mundo no segmento de energia e;
3) Permitir a expansão da cadeia de fornecedores (inclusive de menor porte) em termos globais.
No caso britânico, a situação não é muito diferente. Um documento do governo do Reino Unido de 2013, denominado “UK Oil and Gas Business and Government Action”, descreveu as principais diretrizes do setor de petróleo e gás naquela região para os próximos anos, dando destaque para a internacionalização da cadeia de suprimentos britânica.
Segundo o documento, um dos objetivos da política de petróleo e gás é criar condições para que as “operadoras britânicas sejam encorajadas a guiar tecnicamente a capacidade de expansão da cadeia de fornecedores no mercado internacional (...) O objetivo final é viabilizar e manter a competitividade global da cadeia de suprimentos do Reino Unido, mas que se mantenha ancorada no mercado nacional”.
Ao tratar dos resultados almejados por essa política, o documento mencionou a importância de expansão para novos mercados, como o brasileiro: “atualmente, a maior parte das vendas de serviços (na cadeia de petróleo e gás) está nos EUA, Canada, Angola, Noruega e Austrália. O UKTI (United Kingdom Trade and Investment) está focando um número cada vez maior de outros mercados com alto valor agregado, onde a capacidade e o apetite das operadoras britânicas possam engajar sua cadeia de suprimentos, tais como Brasil, Iraque, Cazaquistão, México, Líbia e Arábia Saudita”.
Entre os projetos citados para os próximos anos, estava a criação do “High Value Opportunities Programme”, cuja função era subsidiar os negócios estrangeiros do Reino Unido com as operadoras de petróleo impulsionando as atividades dos fornecedores.
A postura do governo britânico, assim como a do francês e de outros países, deixa claro que há um projeto para construir globalmente uma integração de suas cadeias produtivas que envolve o setor de petróleo e seus fornecedores.
A consecução desse projeto de internacionalização somente tem sido possível, no caso brasileiro, a partir de duas premissas básicas: o desmonte da política de conteúdo local e a forte redução dos investimentos da Petrobras.
Com a primeira medida permite-se uma diminuição das exigências de contratação de bens e serviços no mercado nacional, abrindo espaço para a importação dos mesmos. E, com a segunda, abre-se a oportunidade para que as empresas estrangerias possam atuar, em substituição à Petrobras, nos diferentes elos da cadeia de petróleo nacional.
Em suma, no Brasil, o que prevalece atualmente é o interesse estrangeiro, cuja premissa básica é a desintegração da indústria nacional em prol da integração produtiva das cadeias de petróleo e gás de países estrangeiros como a Grã-Bretanha.
O lobby é somente mais uma forma de alcançar esse objetivo. O país que protagonizou a primeira revolução industrial sabe muito bem que o liberalismo é lei para brasileiro ver, ou seja, é sempre adequado como recomendação ideológica para o outro, mas quase nunca é pertinente como prática política para si próprio.
* Rodrigo Leão é economista (FACAMP) e mestre em desenvolvimento econômico (IE/UNICAMP). Foi gestor de planejamento da Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros). Atualmente, é um dos coordenadores do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas (GEEP) da FUP e pesquisador visitante do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA)
* William Nozaki é professor de ciência política e economia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas da Federação Única dos Petroleiros (GEEP-FUP)
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