Por Marcelo P. F. Manzano, no site da Fundação Perseu Abramo:
O documento divulgado nesta semana pelo PSDB a título de apresentar suas “diretrizes para um programa partidário” é uma pérola da sua caricata incapacidade de pensar o país e tomar posições, além de demonstrar absoluto descompromisso com a realidade dos fatos históricos, principalmente em relação ao trágico desfecho de seu governo em 2002.
Sigamos pelos principais pontos por eles destacados:
Responsabilidade fiscal? Depois de afirmarem levianamente que as “experiências do governo passado recente desviaram o país da responsabilidade fiscal”, dizem que “em seus trinta anos de história, o PSDB demonstrou seu compromisso com as contas públicas”. Vejamos. Quando FHC assumiu a presidência em 1995, a Dívida Total Líquida do governo federal correspondia a 12,5% do PIB. Em dezembro de 2002, após ter privatizado diversas empresas estatais na bacia das almas, mas torrado o dinheiro com o pagamento de juros, FHC entregou a Lula uma dívida que alcançava 37,7% do PIB. Depois de treze anos de governo sob o comando do Partidos dos Trabalhadores (onze dos quais com superávit primário) a dívida líquida do governo federal registrada em dezembro de 2015 chegou a 21,9% PIB (i.e., 15,8 pontos percentuais mais baixa). Com o golpe de 2016, orquestrado e comandado pelo consócio PMDB-PSDB, aquela dívida explodiu, e hoje (setembro de 2017) corresponde a 38,4% do PIB.
Modernização econômica? Diz o documento que ela teria ocorrido durante seu governo graças à “maior abertura ao capital privado e maior integração ao mercado global”. Ora, a afirmação não para de pé. Em primeiro lugar porque, em vez de “modernização econômica”, a abertura comercial e financeira realizada de forma açodada e oportunista para viabilizar o populismo cambial de FHC ensejou um processo de desindustrialização que até hoje não conseguimos reverter. Em 1995, 16,4% de nosso PIB provinha da produção industrial. Em 2015, esse patamar era de apenas 11,4% e, ao que tudo indica, depois golpe e do desmonte de setores estratégicos como os de petróleo e gás e da construção civil, já estejamos com menos de 10%. Em segundo lugar, porque, ao contrário do que afirma o documento tucano (“aumentamos o acesso da população a bens e serviços, por meio de privatizações e concessões”), ao final dos oito anos de governo FHC os brasileiros depararam com uma gravíssima crise de fornecimento de energia elétrica - que culminou com o “apagão” de 2001; com serviços de telefonia de péssima qualidade e com as tarifas mais caras do planeta (leia aqui); com as universidades federais falidas e sucateadas (lembre aqui), sem que tivesse ocorrido a criação de um único campi novo no país.
Saneamento do sistema financeiro? Aqui uma pérola do ilusionismo tucano: “promovemos o Proer, o saneamento dos bancos estaduais e do sistema financeiro nacional”. Ora, ora. O Proer custou ao país noventa bilhões de reais (em valores de 2016) e só foi necessário por conta dos equívocos de gestão e de supervisão do sistema financeiro ocorridos durante a fase de implantação do Plano Real – aliás, até hoje os ex-ministros tucanos Pedro Malan, José Serra e Pedro Parente respondem por improbidade administrativa relacionada aquelas operações (leia aqui). Além disso, no início de 1999, depois do colapso do real, outra rodada de falência de bancos e escândalos envolvendo o então presidente do Banco Central, Francisco Lopes, e instituições financeiras privadas. O caso só não resultou em “cana” porque a Justiça brasileira demorou para julgar e deixou o processo prescrever (leia aqui). Quanto aos bancos estaduais, foram vendidos na sua maioria a preços irrisórios, sem que se oferecessem outros instrumentos de financiamento dos governos estaduais, os quais ainda tiveram que engolir uma renegociação de suas dívidas com o governo federal em condições extremamente desfavoráveis. Por fim, ainda sobre o sistema financeiro, deve-se recordar que a abertura para a entrada de bancos estrangeiros junto com a mencionadas privatizações dos bancos estaduais terminou levando a uma forte concentração do sistema bancário brasileiro: de 242 bancos em 1995, chegou-se a 167 em 2002.
Crescimento da renda per capita? Mais uma vez o documento do PSDB surpreende pela falta de senso. Com razão, diz que “uma nação como o Brasil deve ter como meta dobrar a renda per capita em vinte anos”. Entretanto, durante os oito anos em que esteve no governo nacional (1995 a 2002) a renda per capita cresceu apenas 6,3%, o que significa que precisaria de mais de meio século para alcançar seu objetivo. Já durante os dois mandatos de Lula (2003 a 2010), a renda per capita deu um salto de 24,4% (crescendo quatro vezes mais rápido do que durante o período sob governo tucano) e manteve-se crescendo até 2014, avançando 0,9% durante o primeiro governo Dilma (2011-2014). Portanto, a se considerarem as experiências dos últimos governos brasileiros, para ser coerente com necessária a meta de dobrar a renda per capita em vinte anos, o documento tucano deveria reconhecer que o mais adequado seria mesmo elegermos novamente um governo petista.
Estado indutor? Outro trecho quase surreal do documento tucano é o que diz que “o Estado brasileiro precisa converter-se em indutor do desenvolvimento, assegurar ambiente de negócios mais propício à competição, mais dinâmico para as empresas e mais favorável para quem trabalha e produz”. Quando assumiu o governo em 1994, a taxa de investimento da economia brasileira estava um pouco acima de 22% em relação ao PIB. Quando passou o bastão ao Presidente Lula em 2002, a taxa havia recuado para 17,4%. A partir de então, houve uma recuperação dos investimentos, em larga medida puxados pelo setor estatal, que levou a taxa novamente a ultrapassar o patamar de 20% do PIB. Entre os anos 2010 e 2013, navegamos com uma taxa de investimento ligeiramente inferior a 22%. Deve-se ressaltar, contudo, que agora que o PSDB voltou a ser o governo sob o biombo golpista do PMDB, a taxa de investimento despencou para 15%, devendo terminar 2017 no patamar mais baixo em décadas.
Em suma, são muitas os despautérios que pontuam o documento de diretrizes programáticas do PSDB. Para além das diversas falsificações em que se apoia, assustam alguns recados que anuncia timidamente para ganhar os corações dos donos do dinheiro. Entre recorrentes fantasias sobre a superioridade dos mercados sobre o Estado, sinaliza que não apoiam os princípios das políticas universais que foram consagradas pela Constituição de 1988. Na afirmação de que “o acesso dos mais ricos a serviços públicos precisa ser reavaliado”, informam que intencionam aumentar ainda mais a fratura social que caracteriza o país. Sem dizer com todas as letras, pensam em um modelo de política social focalizada, que ofereça uma “cesta básica” aos pobres e jogue os remediados no colo do mercado.
O documento divulgado nesta semana pelo PSDB a título de apresentar suas “diretrizes para um programa partidário” é uma pérola da sua caricata incapacidade de pensar o país e tomar posições, além de demonstrar absoluto descompromisso com a realidade dos fatos históricos, principalmente em relação ao trágico desfecho de seu governo em 2002.
Sigamos pelos principais pontos por eles destacados:
Responsabilidade fiscal? Depois de afirmarem levianamente que as “experiências do governo passado recente desviaram o país da responsabilidade fiscal”, dizem que “em seus trinta anos de história, o PSDB demonstrou seu compromisso com as contas públicas”. Vejamos. Quando FHC assumiu a presidência em 1995, a Dívida Total Líquida do governo federal correspondia a 12,5% do PIB. Em dezembro de 2002, após ter privatizado diversas empresas estatais na bacia das almas, mas torrado o dinheiro com o pagamento de juros, FHC entregou a Lula uma dívida que alcançava 37,7% do PIB. Depois de treze anos de governo sob o comando do Partidos dos Trabalhadores (onze dos quais com superávit primário) a dívida líquida do governo federal registrada em dezembro de 2015 chegou a 21,9% PIB (i.e., 15,8 pontos percentuais mais baixa). Com o golpe de 2016, orquestrado e comandado pelo consócio PMDB-PSDB, aquela dívida explodiu, e hoje (setembro de 2017) corresponde a 38,4% do PIB.
Modernização econômica? Diz o documento que ela teria ocorrido durante seu governo graças à “maior abertura ao capital privado e maior integração ao mercado global”. Ora, a afirmação não para de pé. Em primeiro lugar porque, em vez de “modernização econômica”, a abertura comercial e financeira realizada de forma açodada e oportunista para viabilizar o populismo cambial de FHC ensejou um processo de desindustrialização que até hoje não conseguimos reverter. Em 1995, 16,4% de nosso PIB provinha da produção industrial. Em 2015, esse patamar era de apenas 11,4% e, ao que tudo indica, depois golpe e do desmonte de setores estratégicos como os de petróleo e gás e da construção civil, já estejamos com menos de 10%. Em segundo lugar, porque, ao contrário do que afirma o documento tucano (“aumentamos o acesso da população a bens e serviços, por meio de privatizações e concessões”), ao final dos oito anos de governo FHC os brasileiros depararam com uma gravíssima crise de fornecimento de energia elétrica - que culminou com o “apagão” de 2001; com serviços de telefonia de péssima qualidade e com as tarifas mais caras do planeta (leia aqui); com as universidades federais falidas e sucateadas (lembre aqui), sem que tivesse ocorrido a criação de um único campi novo no país.
Saneamento do sistema financeiro? Aqui uma pérola do ilusionismo tucano: “promovemos o Proer, o saneamento dos bancos estaduais e do sistema financeiro nacional”. Ora, ora. O Proer custou ao país noventa bilhões de reais (em valores de 2016) e só foi necessário por conta dos equívocos de gestão e de supervisão do sistema financeiro ocorridos durante a fase de implantação do Plano Real – aliás, até hoje os ex-ministros tucanos Pedro Malan, José Serra e Pedro Parente respondem por improbidade administrativa relacionada aquelas operações (leia aqui). Além disso, no início de 1999, depois do colapso do real, outra rodada de falência de bancos e escândalos envolvendo o então presidente do Banco Central, Francisco Lopes, e instituições financeiras privadas. O caso só não resultou em “cana” porque a Justiça brasileira demorou para julgar e deixou o processo prescrever (leia aqui). Quanto aos bancos estaduais, foram vendidos na sua maioria a preços irrisórios, sem que se oferecessem outros instrumentos de financiamento dos governos estaduais, os quais ainda tiveram que engolir uma renegociação de suas dívidas com o governo federal em condições extremamente desfavoráveis. Por fim, ainda sobre o sistema financeiro, deve-se recordar que a abertura para a entrada de bancos estrangeiros junto com a mencionadas privatizações dos bancos estaduais terminou levando a uma forte concentração do sistema bancário brasileiro: de 242 bancos em 1995, chegou-se a 167 em 2002.
Crescimento da renda per capita? Mais uma vez o documento do PSDB surpreende pela falta de senso. Com razão, diz que “uma nação como o Brasil deve ter como meta dobrar a renda per capita em vinte anos”. Entretanto, durante os oito anos em que esteve no governo nacional (1995 a 2002) a renda per capita cresceu apenas 6,3%, o que significa que precisaria de mais de meio século para alcançar seu objetivo. Já durante os dois mandatos de Lula (2003 a 2010), a renda per capita deu um salto de 24,4% (crescendo quatro vezes mais rápido do que durante o período sob governo tucano) e manteve-se crescendo até 2014, avançando 0,9% durante o primeiro governo Dilma (2011-2014). Portanto, a se considerarem as experiências dos últimos governos brasileiros, para ser coerente com necessária a meta de dobrar a renda per capita em vinte anos, o documento tucano deveria reconhecer que o mais adequado seria mesmo elegermos novamente um governo petista.
Estado indutor? Outro trecho quase surreal do documento tucano é o que diz que “o Estado brasileiro precisa converter-se em indutor do desenvolvimento, assegurar ambiente de negócios mais propício à competição, mais dinâmico para as empresas e mais favorável para quem trabalha e produz”. Quando assumiu o governo em 1994, a taxa de investimento da economia brasileira estava um pouco acima de 22% em relação ao PIB. Quando passou o bastão ao Presidente Lula em 2002, a taxa havia recuado para 17,4%. A partir de então, houve uma recuperação dos investimentos, em larga medida puxados pelo setor estatal, que levou a taxa novamente a ultrapassar o patamar de 20% do PIB. Entre os anos 2010 e 2013, navegamos com uma taxa de investimento ligeiramente inferior a 22%. Deve-se ressaltar, contudo, que agora que o PSDB voltou a ser o governo sob o biombo golpista do PMDB, a taxa de investimento despencou para 15%, devendo terminar 2017 no patamar mais baixo em décadas.
Em suma, são muitas os despautérios que pontuam o documento de diretrizes programáticas do PSDB. Para além das diversas falsificações em que se apoia, assustam alguns recados que anuncia timidamente para ganhar os corações dos donos do dinheiro. Entre recorrentes fantasias sobre a superioridade dos mercados sobre o Estado, sinaliza que não apoiam os princípios das políticas universais que foram consagradas pela Constituição de 1988. Na afirmação de que “o acesso dos mais ricos a serviços públicos precisa ser reavaliado”, informam que intencionam aumentar ainda mais a fratura social que caracteriza o país. Sem dizer com todas as letras, pensam em um modelo de política social focalizada, que ofereça uma “cesta básica” aos pobres e jogue os remediados no colo do mercado.
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