Artista: Pavel Égüez |
Perguntada pelo 247, que colocou uma questão sobre o impasse instalado pelas fraudes eleitorais em Honduras, a vice-presidente do Conselho Nacional Eleitoral, Sandra Oblitas, fez um comentário a altura sobre o sistema em vigor seu país. Reconheceu que, como autoridade venezuelana, não lhe cabia fazer declarações sobre os métodos de apuração que envolvem outro país mas admitiu: “mais uma vez, podemos comprovar a fortaleza de nosso sistema. Tudo reside em nossa confiabilidade”.
Num momento em que a fraude na eleição presidencial hondurenha provoca indignação universal e confirma a fragilidade de sistemas que deveriam funcionar como a tradução da vontade popular mas se mostram vulneráveis a vários tipos de manipulações condenáveis, vale à pena prestar atenção no sistema eleitoral da Venezuela.
Em 2013, este país enfrentou e venceu uma grande prova de fogo de sua história política recente – a suspeita de fraude numa campanha encerrada com uma microscópica vantagem de Nicolas Maduro sobre Henrique Capriles.
Na apuração oficial, anunciou-se a vitória de Maduro por uma diferença de 235 000 votos – na estatística, 50,66% sobre 49,07%. Após um trabalho de recontagem que se prolongou por um mês, quando se conferiu cada voto de mais de 18 milhões de venezuelanos, o Conselho Nacional Eleitoral confirmou a vitória de Maduro sobre Capriles por 50,61% contra 49,12%.
Eleições apertadas podem ser um pesadelo democrático em qualquer parte do mundo – como se viu em 2000, quando a disputa George W Bush x Al Gore foi resolvida pela Suprema Corte, de maioria republicana, a favor do candidato também republicano.
A experiência mostra que nos países onde funcionam sistemas convencionais de apuração não existe um meio seguro de se conferir o resultado de uma eleição a não ser o próprio universo de votos já contabilizados. Em caso de dúvida –inevitável em pleitos apertados, que agravam uma situação de desconfiança comuns nessas situações -- nada mais se pode fazer a não ser uma nova contagem, que pode levar a duas conclusões possíveis.
Caso tenha ocorrido um simples erro mecânico na totalização dos votos, sem nenhuma operação oculta para alterar o resultado final, a falha certamente será apontada numa segunda apuração.
Caso tenha sido produzida uma fraude planejada e articulada – e este é o grande receio --, obviamente será quase impossível encontrar rastros a espera de uma investigação posterior. Limitado a um universo viciado, o trabalho de conferir o resultado está condenado a reproduzir os mesmos resultados.
A novidade do sistema venezuelano é simples e relativamente conhecida. No momento em que o eleitor digita seu candidato numa urna eletrônica acionada por suas impressões digitais, imprime-se uma copia em papel de seu voto, que ficará armazenada em local seguro para permitir uma segunda contagem em caso de necessidade.
Foi o que se passou em 2013, quando o sistema foi testado e aprovado, num momento particularmente complicado da conjuntura do país.
Em outubro de 2012, Hugo Chávez conseguiu bater Henrique Capriles por uma margem clara e nítida – 54,4% sobre 44,9%, uma diferença tão grande que momentos depois da contagem o adversário reconheceu a derrota em declarações elegantes de praxe. Poucos meses depois, no entanto, a morte de Chávez levou à realização de novas eleições, num ambiente especialmente tenso, quando a oposição calculava que a disputa contra Nicolas Maduro seria um atalho garantido para o retorno ao Palácio Miraflores, do qual fora afastada por Chávez em 1999. Maduro venceu nas urnas mas às voltas com pressões de toda ordem, o Conselho Nacional Eleitoral viu-se na obrigação de realizar uma primeira recontagem. O levantamento atingiu 44% dos votos –uma marca altíssima em projeções estatísticas --, confirmou a vitória de Maduro mas o ambiente adverso, agora em escala internacional, não diminuiu. Num movimento que envolveu a Casa Branca de Barack Obama e chegou até ao Vaticano, onde o papa Francisco mal tivera tempo de esquentar o trono, o Conselho decidiu fazer uma recontagem de 100% dos votos.
“Era uma loucura, em termos estatísticos,” disse Sandra Oblitas, ontem. “Mas era uma necessidade política”.
A recontagem transformou-se num espetáculo que a população acompanhou de olhos bem abertos. Instalados num ambiente fechado no interior de um galpão do CNE, os cinco conselheiros conferiram manualmente, um a um, 18. 898.817 votos em papel. Enquanto faziam o serviço, uma multidão de eleitores revezava se na porta do edifício, para seguir os trabalhos. “Diariamente chegavam caravanas de operários, funcionários públicos, agricultores, estudantes” recorda Sandra Oblitas. “Fizemos um mês de trabalho para anunciar um resultado consistente sob todos os pontos de vista”. Os serviços foram encerrados quando se atingiu o patamar de 99,7% dos votos e não havia hipótese de mudança no resultado.
É possível avaliar o sistema eleitoral venezuelano, em termos históricos, como um avanço semelhante a eliminação do sistema “à bico de pena” que marcava o Brasil durante a Republica Velha.
Criado em 1999, como um dos cinco poderes da República, o Conselho Nacional Eleitoral ocupou o lugar de um sistema de pactos e arranjos semelhante, tão desmoralizado pelos contemporâneos que era conhecido como “Mata-Votos”, pela capacidade de eliminar decisões indesejáveis dos eleitores.
Não deixa de ser irônico que, naquele país que a diplomacia de George W Bush definia como parte do Eixo do Mal, tenha sido criado um sistema eleitoral que se mostra um dos mais seguros do planeta. Enquanto isso, em Honduras, um governo instalado por aliados da Casa Branca, que afastaram um presidente aliado de Hugo Chávez, envergonha a população do país e do Continente por mais uma rasteira contra a democracia.
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