Por Haroldo Lima, no Blog do Renato:
É da maior gravidade a ação truculenta que a Polícia Federal efetuou, a 6 de dezembro de 2017, na Universidade Federal de Minas Gerais, levando, por condução coercitiva, para prestar depoimentos, o reitor Jaime Arturo Ramirez, a vice-reitora, Sandra Regina Goulart Almeida, mais duas ex-vice-reitoras e outros servidores.
Em nossa Constituição, a autonomia universitária é expressamente estabelecida, não só “didático-científica”, mas também “administrativa” e de “gestão financeira e patrimonial”, como está no artigo 207 da Carta Magna. A ação da Polícia Federal na UFMG é uma aberta afronta à Constituição
A tradição brasileira, defendida a muito custo, também é de respeito ao “campus”, sendo bem lembrado o gesto do reitor Pedro Calmon da antiga Universidade do Brasil quando, durante a ditadura de 1964, chegando na Faculdade de Direito do Rio, ocupada por estudantes, deparou-se com um oficial da Polícia Militar subindo a escadaria da escola. Não titubeou. Tomou-lhe a frente, cumprimentou-o e disse-lhe incisivo: “Alto lá. Aqui só se entra com vestibular”.
A entrada de força policial em “campus” universitário é sinal insofismável de que cresce o monstro do fascismo.
O golpe militar de 1964, apressou-se a mostrar sua catadura obscurantista, retrógrada, anticultural e violenta, justamente desferindo um ataque brutal e patético contra uma universidade, a de Brasília. Ali, institutos de ensino proliferavam em meio à vegetação do cerrado, formando um conjunto onde a árvore que mais crescia era a da liberdade do pensamento que, à ditadura, causava pânico.
E foi assim que, nove dias depois do golpe, forças militares transportadas por 14 ônibus invadiram a Universidade de Brasília. Devidamente apetrechados, chegaram prontos para o combate. Como poderia haver feridos, quem sabe mortos, levaram três ambulâncias com serviços médicos de emergência. Estavam informados que as “tropas” ali existentes eram comandadas por uma figura perigosa, um incansável batalhador da subversiva ideia da educação pública, universal e gratuita entre nós, um elemento audacioso e temerário, que tivera o desplante de colocar em um livro que escrevera o título “educação não é privilégio”, ele, o reitor Anísio Teixeira.
O recente ato contra a instituição universitária brasileira, invadindo o “campus” da UFMG, e levando o reitor e altos funcionários presos para depor – pois é isto que significa condução coercitiva – tem sua gravidade potencializada quando sabemos que é reincidência de ato identicamente arbitrário, efetuado na Universidade Federal de Santa Catarina, a UFSC. Ali, em outubro passado, a Polícia Federal também prendeu e levou para depor o reitor da Universidade Luiz Carlos Cancellier e mais alguns funcionários. E teve a desfaçatez de proibir que o reitor voltasse à sua universidade, o que o humilhou a tal ponto que ele, em seguida, se suicidou.
A condução coercitiva é um procedimento previsto no Código do Processo Penal Brasileiro em vigor, e que foi instituído em nosso país em 1941, em plena ditadura do Estado Novo. Diversos dispositivos deste código conflitam com preceitos da Constituição atual de 1988, sendo um deles justamente o da condução coercitiva. Esta, como prisão cautelar que é, contraria o art. 5º, inciso LXI, da Constituição, pelo qual “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.” Portanto, a prisão cautelar, como reiteradamente feita no Brasil, a partir do juiz Sérgio Moro e da escola autoritária que ele inspira, é flagrantemente ilegal.
Ademais, mesmo nos termos do Código do Processo Penal, a condução coercitiva só pode ser feita quando alguém, convocado a depor, se recusa a fazê-lo sem razão justificada. A propósito, o ministro Marco Aurélio do STF, criticando o abuso do juiz Sérgio Moro ao determinar condução coercitiva de Lula, em março de 2016, disse: “Condução coercitiva? O que é isso? Eu não compreendi. Só se conduz coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão que resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado. Precisamos colocar os pingos nos is”. E completou: “Nós, magistrados, não somos legisladores, não somos justiceiros. Não se avança atropelando as regras básicas”. ( FSP 04 março de 2016) .
A ação da Polícia Federal contra a UFMG é assim duplamente ilegal: é um procedimento do Código Penal que confronta a Constituição atual e, além disso, foi e está sendo aplicada, fora dos marcos previstos no próprio Código de Processo Penal.
Tudo isso mostra que está em curso no país uma escalada autoritária, de sentido fascistizante, que tem seus núcleos mais dinâmicos em setores destacados do Judiciário, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, acobertada e insuflada pela grande mídia brasileira.
As forças democráticas e patrióticas devem resistir com todo empenho a essa escalada, denunciando-a, desmascarando-a, criando óbices a suas realizações, protestando e, sobretudo, aglutinando setores cada vez mais amplos para confrontá-la, preparando o embate maior da eleição do ano que vem.
* Haroldo Lima é membro da Comissão Política Nacional do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil.
Em nossa Constituição, a autonomia universitária é expressamente estabelecida, não só “didático-científica”, mas também “administrativa” e de “gestão financeira e patrimonial”, como está no artigo 207 da Carta Magna. A ação da Polícia Federal na UFMG é uma aberta afronta à Constituição
A tradição brasileira, defendida a muito custo, também é de respeito ao “campus”, sendo bem lembrado o gesto do reitor Pedro Calmon da antiga Universidade do Brasil quando, durante a ditadura de 1964, chegando na Faculdade de Direito do Rio, ocupada por estudantes, deparou-se com um oficial da Polícia Militar subindo a escadaria da escola. Não titubeou. Tomou-lhe a frente, cumprimentou-o e disse-lhe incisivo: “Alto lá. Aqui só se entra com vestibular”.
A entrada de força policial em “campus” universitário é sinal insofismável de que cresce o monstro do fascismo.
O golpe militar de 1964, apressou-se a mostrar sua catadura obscurantista, retrógrada, anticultural e violenta, justamente desferindo um ataque brutal e patético contra uma universidade, a de Brasília. Ali, institutos de ensino proliferavam em meio à vegetação do cerrado, formando um conjunto onde a árvore que mais crescia era a da liberdade do pensamento que, à ditadura, causava pânico.
E foi assim que, nove dias depois do golpe, forças militares transportadas por 14 ônibus invadiram a Universidade de Brasília. Devidamente apetrechados, chegaram prontos para o combate. Como poderia haver feridos, quem sabe mortos, levaram três ambulâncias com serviços médicos de emergência. Estavam informados que as “tropas” ali existentes eram comandadas por uma figura perigosa, um incansável batalhador da subversiva ideia da educação pública, universal e gratuita entre nós, um elemento audacioso e temerário, que tivera o desplante de colocar em um livro que escrevera o título “educação não é privilégio”, ele, o reitor Anísio Teixeira.
O recente ato contra a instituição universitária brasileira, invadindo o “campus” da UFMG, e levando o reitor e altos funcionários presos para depor – pois é isto que significa condução coercitiva – tem sua gravidade potencializada quando sabemos que é reincidência de ato identicamente arbitrário, efetuado na Universidade Federal de Santa Catarina, a UFSC. Ali, em outubro passado, a Polícia Federal também prendeu e levou para depor o reitor da Universidade Luiz Carlos Cancellier e mais alguns funcionários. E teve a desfaçatez de proibir que o reitor voltasse à sua universidade, o que o humilhou a tal ponto que ele, em seguida, se suicidou.
A condução coercitiva é um procedimento previsto no Código do Processo Penal Brasileiro em vigor, e que foi instituído em nosso país em 1941, em plena ditadura do Estado Novo. Diversos dispositivos deste código conflitam com preceitos da Constituição atual de 1988, sendo um deles justamente o da condução coercitiva. Esta, como prisão cautelar que é, contraria o art. 5º, inciso LXI, da Constituição, pelo qual “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.” Portanto, a prisão cautelar, como reiteradamente feita no Brasil, a partir do juiz Sérgio Moro e da escola autoritária que ele inspira, é flagrantemente ilegal.
Ademais, mesmo nos termos do Código do Processo Penal, a condução coercitiva só pode ser feita quando alguém, convocado a depor, se recusa a fazê-lo sem razão justificada. A propósito, o ministro Marco Aurélio do STF, criticando o abuso do juiz Sérgio Moro ao determinar condução coercitiva de Lula, em março de 2016, disse: “Condução coercitiva? O que é isso? Eu não compreendi. Só se conduz coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão que resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado. Precisamos colocar os pingos nos is”. E completou: “Nós, magistrados, não somos legisladores, não somos justiceiros. Não se avança atropelando as regras básicas”. ( FSP 04 março de 2016) .
A ação da Polícia Federal contra a UFMG é assim duplamente ilegal: é um procedimento do Código Penal que confronta a Constituição atual e, além disso, foi e está sendo aplicada, fora dos marcos previstos no próprio Código de Processo Penal.
Tudo isso mostra que está em curso no país uma escalada autoritária, de sentido fascistizante, que tem seus núcleos mais dinâmicos em setores destacados do Judiciário, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, acobertada e insuflada pela grande mídia brasileira.
As forças democráticas e patrióticas devem resistir com todo empenho a essa escalada, denunciando-a, desmascarando-a, criando óbices a suas realizações, protestando e, sobretudo, aglutinando setores cada vez mais amplos para confrontá-la, preparando o embate maior da eleição do ano que vem.
* Haroldo Lima é membro da Comissão Política Nacional do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil.
1 comentários:
Brilhante texto de Haroldo Lima.Juridicamente fundamentado deixa nua a ação da Policia e Justiça Federal, demonstrando violação da Constituição e da Lei. Eh o melhor libelo acusatório já escrito sobre os ataques `as Universidades (Santa Catarina e Minas Gerais). Onde esta a PGR que na pessoa de Raquel Dodge não tomou ate agora nenhuma providencia para responsabilizar criminalmente os policiais federais envolvidos? Ja nem falo de omissão do Ministro da Justiça e do Delegado Chefe de plantão. Eh preciso barrar a mentalidade nazi-fascista que esta tomando conta da Policia Federal e da Justiça Federal, enquanto eh tempo.
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