Salvador Nasralla |
As diferenças estruturais entre Brasil e Honduras são tão gigantescas que dificultam qualquer comparação. Seu PIB é inferior ao de vários estados brasileiros. A população é 20 vezes menor. O território, 53 vezes menor.
Mesmo assim, desde 2009 a política de Honduras tornou-se um caso necessário de estudo na América Latina, continente que em 2012 assistiu à deposição de Fernando Lugo, no Paraguai, e em 2016, ao golpe parlamentar que derrubou Dilma Rousseff. Em Honduras que um golpe de Estado depôs o governo legítimo de Manoel Zelaya, empossado três anos antes, dando início a uma ditadura que se mantém de pé até hoje.
No último lance de uma tragédia que, oito anos depois, ninguém sabe como e quando vai acabar, a apuração da mais recente eleição presidencial foi interrompida por uma nova operação contra a democracia.
Ameaçado de ser derrotado no voto popular, o presidente Juan Orlando Hernandez decretou o Estado de Sítio, colocou as tropas do Exército nas principais ruas do país e impôs o toque de recolher para reprimir protestos populares, num esforço para garantir, à força, o exercício de um segundo mandato.
Quem se recorda do enredo do golpe de 2009 tem uma noção mais clara do absurdo da situação: o pretexto alegado para a deposição do presidente Manoel Zelaya, chefe de um governo aliado da Venezuela de Hugo Chávez, da Bolívia de Evo Morales, da Cuba de Raul Castro, foi justamente a reeleição.
O presidente planejava mudar um artigo da Constituição que proibia a reeleição do presidente da República e, com esta finalidade, pretendia organizar um plebiscito para ouvir a população. Foi deposto horas antes da consulta popular ter início e conduzido para fora do país ainda de pijama.
Sua deposição teve um caráter tão escandaloso que, nos primeiros dias, a embaixada norte americana no país denunciava a situação como "golpe de Estado". O governo de Barack Obama só mudou de posição a partir de um realinhamento do Departamento de Estado com os interesses estratégicos do império norte-americano para apoiar, sem nenhum escrúpulo democrático - traço que se confirmaria em outros episódios, mais tarde - toda e qualquer iniciativa contra governos que tentavam não se submeter a sua influência e controle.
Mesmo assim, ao menos no campo diplomático a vitória dos golpistas não foi completa. Em Assembleia Geral, a ONU reconheceu a queda de Zelaya como "inconstitucional". Não é pouca coisa.
A noção de que o exemplo de Honduras deveria ser visto como ensaio para iniciativas que poderiam ocorrer em outros países polarizou o debate político no país. Já alinhada com pressões anti-democráticas contra o governo Lula, a TV Globo promoveu uma campanha permanente de desmoralização de Zelaya, mobilizando articulistas para justificar a intervenção golpista.
Essa situação ajuda a compreender a importância da solidariedade da diplomacia de Lula-Celso Amorim junto a Zelaya, que levou o governo brasileiro a garantir abrigo para o chefe de Estado deposto na embaixada em Tegucigalpa. Em 2009 o prestígio internacional de Lula encontrava-se no apogeu - o que explica o esforço da mídia grande em tratar a iniciativa de forma irônica, preconceituosa, como se não fosse possível esforço reconhecer todas as implicações do caso.
Numa demonstração de que os golpistas não têm dificuldade para pisar nos próprios pretextos, Honduras vive, oito anos depois, uma situação inacreditável diante da deposição de Zelaya. Descrito como "autoritário" pelo New York Times, num recurso de linguagem para evitar o termo " ditador", uma vez no governo o herdeiro do golpe Juan Orlando Hernandez, eliminou o veto constitucional para permitir sua reeleição - e agora tenta permanecer no cargo com ajuda de tropas e de medidas violentas de repressão contra o locutor esportivo Salvador Nasralla, apoiado por uma frente política que incluía a presença do Zelaya e seu chapelão característico no palanque.
Como era possível imaginar, uma vez no governo, Hernandez quebrou exatamente a regra constitucional que impedia disputar a reeleição. A semelhança com a desculpa das "pedaladas fiscais" usadas no Brasil para depor Dilma Rousseff e dar posse a um governo inteiramente irresponsável também nesta matéria não é mera coincidência.
Apenas confirma a regra de que os golpes se parecem na própria estupidez e na imensa capacidade de criar dificuldades para o retorno a democracia. Isso porque sua primeira providência é cuidar da própria sobrevivência utilizando poderes que podem ser manipulados sem qualquer controle institucional. Sua prioridade permanente é fechar o caminho de volta, perseguindo antigos e novos adversários. Mantém - pela violência - uma situação que a maioria já considera insustentável. Golpes e ditaduras não ensinam nem educam cidadãos. Reprimem, prendem, censuram. Quando podem, matam.
As imagens da campanha em Honduras, que anunciavam a vitória da oposição, expressam uma vontade clara de retorno a democracia. Força-tarefa do golpe de 2009, contra Zelaya, oito anos depois o Exército e a polícia mostraram seu papel de tropa de choque de um golpe dentro do golpe. Preservam e protegem um sistema de governo que nunca deveria ter existido.
Alguma semelhança com o Brasil de 2017? Vamos ver em 2018.
0 comentários:
Postar um comentário