Foto: Ricardo Stuckert |
A rejeição pelo STJ do pedido de habeas corpus para o ex-presidente Lula não causa a mais pálida sombra de surpresa. Que esperar de uma pretensa Justiça pontual aliada no golpe dos outros dois Poderes da República? É do conhecimento até do mundo mineral que o estado de exceção precipitado pelo impeachment de Dilma Rousseff teve e tem como objetivo central alijar Lula das próximas eleições.
É a consagração paradoxal da liderança do ex-presidente, reconhecido como entrave fatal à sujeição do País às vontades “das multinacionais, dos setores financeiros e do mercado”, como sentencia Christophe Ventura, do Parti de Gauche, na entrevista a Leneide Duarte-Plon publicada nesta edição.
Perfeita na análise do golpe e de suas consequências, a entrevista chama atenção para alguns pontos decisivos da trama, as características stalinistas do processo contra Lula, por exemplo, ou da condição de gerente “do seu próprio servilismo” a recair inexoravelmente sobre o governo Temer. Há também o entendimento de que o golpe de 2016 é o ensaio de uma nova forma de autoritarismo político em países que não se curvam às exigências neoliberais.
A escalada do capitalismo selvagem não figurou nas previsões de Adam Smith, o grande iluminista da economia, mas tal é a selvageria inaudita da situação em que o Brasil precipita. E tem fundo o abismo que nos engole mais e mais a cada dia?
Várias incógnitas incumbem no momento, e uma delas diz respeito ao destino de Michel Temer, a viver o risco de prisão logo após a perda do mandato e nesta semana alcançado pela decisão do ministro Luís Roberto Barroso de quebrar o sigilo bancário do presidente ilegítimo. Não é que Temer perca de vista a ameaça, mas, por isso mesmo, até onde chegará para livrar-se dela?
A maior incógnita, em todo caso, é representada pelo calendário eleitoral: haverá eleições em outubro próximo? A única certeza é de que, sem Lula, o pleito é pura fraude, é a negação, stalinista, diria Christophe Ventura, da vontade popular.
De fato, a despeito das condenações em primeira e segunda instância, o ex-presidente cresce nas pesquisas. A dar ouvidos a rumores difusos, o Datafolha já disporia dos resultados de mais uma que o jornal preferiria não divulgar por razões óbvias.
Pouco importa, a ascensão de Lula é inevitável, ao sabor da próxima caravana no Sul do País, com visita prevista ao túmulo de Getúlio em São Borja, e da prisão que virá logo em seguida. Quais os recursos do estado de exceção para garantir a sua continuidade e gerenciar até as últimas consequências o seu servilismo?
O cenário das candidaturas no lado golpista é desolador, como sabemos. A levar em conta as pesquisas, seria o capitão Bolsonaro personagem potável para a demanda dos usurpadores? Que pensam dele as multinacionais, o mercado etc. etc.? Neste exato instante, ele responde a Temer, que lhe tirou a bala da boca, ao se candidatar como homem de Deus e do capitalismo. Quem entende do assunto vai se convencer?
Do lado oposto há candidatos de qualidade, sem dúvida, com a chegada de Guilherme Boulos, liderança nova e extremamente promissora, mas todos inviáveis aos olhos do poder ao qual o estado de exceção é vassalo. Haverá também o escolhido de Lula, provavelmente o mais perigoso. E os golpistas, e quem está por trás deles, aceitariam perder o pleito depois da longa e impune caminhada empreendida até o momento?
Não há lógica alguma em uma eleição perdida de saída por quantos tornam o Brasil cobaia do poder neoliberal. Recomenda-se temer (sem trocadilho) o que os ilegítimos estarão dispostos a perpetrar para ampliar o alcance da ilegitimidade.
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