Por André Cintra, no site Vermelho:
Corinthians e Palmeiras voltam a duelar em Itaquera neste 13 de maio, data em que a assinatura da Lei Áurea completa 130 anos. Dos 22 jogadores que irão a campo, seis ou sete são negros – e a maioria é palmeirense. Mesmo afastado da imprensa esportiva desde a Copa do Mundo de 2014, tento conhecer a origem e a trajetória desses atletas em especial, até porque negros nem sempre foram bem-vindos no esporte.
Em reportagem de 2013 para o jornal “O Globo”, Renato Grandelle citou exemplos das “raízes profundas” desse preconceito: “Quando Charles Miller trouxe a primeira bola de futebol para o Brasil, o esporte logo desbancou o turfe e o remo como preferência nacional. Mas era marcado por contradições. Brancos construíram estádios, negros improvisaram campos de várzea. Brancos trajavam uniformes de marinheiro e limpavam o suor com lenços, negros usavam barbante para amarrar o meião. Brancos comemoravam as partidas com uísque. Negros, cachaça”.
Não é por acaso que, logo nas primeiras linhas do excelente ensaio “O Negro no Futebol Brasileiro”, de 1947, o jornalista Mario Filho ironiza a falácia da “democracia racial” dentro das quatro linhas: “Há quem ache que o futebol do passado era bom. De quando em quando a gente esbarra com um saudosista. Todos brancos, nenhum negro”.
Daí a importância de evocar, com simpatia, o “Clássico Preto e Branco”, promovido em São Paulo, de 1927 a 1939, sempre no dia 13 de maio, para lembrar a assinatura da Lei Áurea. O título era disputado num único jogo, que opunha os principais atletas negros do estado contra os melhores jogadores brancos. A renda da partida era destinada a alguma instituição de caridade.
Por razões desconhecidas, suspenderam a iniciativa intempestivamente. A Taça Princesa Isabel – que ficaria em definitivo com a equipe que conquistasse três edições seguidas do “Clássico Preto e Branco” – encontra-se hoje sem dono na Sala de Troféus da Federação Paulista de Futebol. Ironia do destino: é a mesma Federação que realizou, em 1945, um amistoso entre Corinthians e Palmeiras para arrecadar fundos ao Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), ligado ao Partido Comunista do Brasil. Não se fazem mais cartolas progressistas como antigamente.
A aproximação era necessária porque o futebol continuava a ser um esporte essencialmente branco, salvo raras exceções. “Em algumas cidades, os negros, impedidos de disputar os torneios, criaram suas próprias ligas”, conta Renato Grandelle. “Entre os anos 1920 e 1930, São Paulo chegou a contar com 12 clubes disputando o campeonato informal.
Em 1993, Caetano Veloso lançou o rap “Haiti”, que denunciava “a fila de soldados, quase todos pretos / Dando porrada na nuca de malandros pretos / De ladrões mulatos e outros quase brancos / Tratados como pretos”. Na mesma época, por uma deplorável coincidência, parte dos torcedores palmeirenses – muitos deles “pretos”, “mulatos” e “quase brancos tratados como pretos” – passou a cantar um coro racista nos estádios para provocar os corintianos: “Chora Viola imundo / O teu salário é o café do Edmundo”.
Ao tachar um jogador adversário de “imundo”, ignoravam que o próprio Palmeiras ostentava tantos e quantos craques negros – como o zagueiro Cléber, o volante César Sampaio e o atacante Edílson. Ignoravam, mais ainda, que naquele tempo pré-Arenas pobres e pretos até tinham condições de ver jogos num estádio, mesmo que ganhassem algo como “o café do Edmundo” ou até menos.
É fato que a inserção dos negros – tanto no campo quanto nas arquibancadas – engrandeceu o futebol brasileiro e mundial. Mas também é verdade que ainda não estamos imunes a novos episódios racistas, espontâneos ou voluntários, explícitos ou velados.
Sem o “Clássico Preto e Branco”, o 13 de Maio deste ano nos reserva um aguardado Corinthians x Palmeiras. Torçamos para que as provocações, hoje e cada vez mais, se restrinjam a esta maravilha chamada futebol.
0 comentários:
Postar um comentário