Por Ricardo Miranda, no site Os Divergentes:
Ustra, coronel do Exército, chefe do Destacamento de Operações Internas (DOI-Codi) de São Paulo no período de 1970 a 1974, em plena vigência do Ato Institucional nº 5, foi o primeiro militar reconhecido pela Justiça como torturador e comandante de uma delegacia de polícia acusada de ser palco de mais de 40 assassinatos e de, pelo menos, 500 casos de torturas. Virou uma fronteira para separar seres humanos e párias.
Mas existe um outro importante indicador de humanidade na mal contada história da ditadura brasileira, onde, ao contrário de seus vizinhos do Cone Sul e da República do Condor, generais não foram punidos ou presos e torturadores foram perdoados por uma Lei de Anistia que reflete bem a sodomia histórica e o péssimo caráter brasileiro. Há um mês, quando a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou, por unanimidade, o Brasil pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog – torturado e assassinado por autoridades militares do DOI/Codi, em São Paulo, em outubro de 1975 -, o pré-candidato à Presidência do PSL – que institutos de pesquisa colocam como um dos favorito a presidir o Brasil com Lula preso – preferiu usar do deboche ao luto.
“Alguns inocentes acabaram tendo um fim que não mereciam, no meu entender. O caso do Vladimir Herzog, muitos falam que ele praticou o suicídio”, desconversou Bolsonaro, em entrevista ao programa “Mariana Godoy Entrevista”, da RedeTV!. “Suicídio acontece, pessoal pratica suicídio”, afirmou, exumando, com luvas cirúrgicas, um dos momentos mais tristes da nossa história.
E a história tem dessas ironias. Herzog era funcionário da TV Cultura de São Paulo. A mesma que, ironicamente, entrevistou, com a falta de brilho recente, o capitão-deputado para, quem Herzog bom é Herzog morto. Herzog foi morto aos 38 anos. Apresentou-se voluntariamente para depor às autoridades militares. Seus assassinos tentaram forjar um suicídio, pendurando-o com as pernas arqueadas. Mesmo em plena ditadura, a farsa foi exposta. A divulgação de fotos montadas para sustentar essa versão causou indignação e provocou um massivo protesto, ajudando a tombar a ditadura. Numa impactante reportagem na Folha de S. Paulo, o repórter Lucas Ferraz entrevistou o fotógrafo Silvaldo Leung Vieira, autor da famosa foto do “suicídio” de Herzog. Ele, que mora em Los Angeles (EUA), confessou que a foto foi mais uma das farsas da cruel ditadura militar que vitimou o Brasil de 1964 a 1985. Posteriormente, em 1992, as autoridades iniciaram uma nova investigação, que no entanto foi arquivada devido à Lei de Anistia.
Desde o início dos anos 90 foram ao menos quatro tentativas de reabrir o caso na Justiça, mas a Lei da Anistia, de 1979, sempre foi evocada para impedir que as investigações avançassem. Até agora, os documentos relativos à investigação estavam em Brasília, na 2ª Câmara de Coordenação e Revisão (CCR) e o inquérito estava suspenso a pedido do MPF-SP, que aguardava decisão da CIDH. O processo já voltou a São Paulo e está no gabinete de Ana Letícia Absy, procuradora responsável pelo caso, que deverá nos próximos dias abrir uma Procedimento Investigatório Criminal, o ponta pé inicial para retomar o caso. É que o Ministério Público Federal de São Paulo irá retomar as investigações sobre a morte de Herzog, tendo como plataforma a decisão da CIDH em 4 de julho pela falta de investigação, julgamento e possíveis punições aos responsáveis. O tribunal, ligado à Organização dos Estados Americanos (OEA), que determinou que o assassinato de Herzog deve ser considerados como um crime de lesa-humanidade e instou a reabertura do caso.
O cumprimento por parte do Estado brasileiro, que é signatário da corte, é obrigatório, ainda que decisões anteriores no mesmo sentido sigam, em última instância, bloqueadas pela interpretação que o Supremo Tribunal Federal faz da Lei de Anistia, de 1979. A última tentativa de levar a cabo uma condenação correu em 2008, quando o caso foi arquivado por prescrição. A diferença é que agora a CIDH considerou que o assassinato de Herzog foi um crime contra a humanidade, que não é passível de prescrição e nem da aplicação da Lei da Anistia, que previu o perdão tanto para os crimes cometidos pela ditadura como por seus opositores. O Ministério da Defesa e a AGU são hoje os dois principais obstáculos dentro do governo para que o Brasil se antecipe a um processo na Corte Interamericana de Direitos Humanos e peça formalmente perdão à família de Vladimir Herzog. Eleja-se com um barulho desses, Bolsonaro.
P.S. Tive o orgulho de, entre meus prêmios jornalísticos, ganhar Menção Honrosa no Prêmio Vladimir Herzog.
Numa eleição como essa, existe o lado certo, o lado errado – sobre isso, podemos até debater – e existe o lado impensável. “O horror, o horror”, descreveu o assombroso Marlon Brando, na pele do Coronel Kurtz, no clássico “Apocalypse Now”, de Francis Ford Coppola. O horror, para mim – discorda? entre na fila – chama-se hoje Jair Bolsonaro, o candidato-napalm. Se descartarmos todos os aspectos abjetos do pensamento e obra deste capitão-deputado, que nunca fez nada de bom no parlamento a não ser destilar seu ódio, seu preconceito, seus recalques e seus limites éticos, ainda assim restaria um elemento que, isolado, já seria suficiente para que qualquer pessoa com bom senso descartasse votar nele. Bolsonaro não só defende a tortura, uma das formas mais degradantes e desumanas de humilhação e extermínio de outro ser humano, ele a venera. Bolsonaro é a evidência de que existem pessoas más, e de que existem pessoas más capazes de votar em pessoas más. Simples assim.
Desde a votação na Câmara de Eduardo Cunha, o do bestseller fake, do impeachment de araque de Dilma Rousseff, ela própria torturada na ditadura, sessão na qual o deputado Bolsonaro homenageou Carlos Alberto Brilhante Ustra, tanto ele quanto outras figuras da direita têm usado como seus santos protetores o nome do torturador, deixando evidentes suas posições fascistas. Eduardo Bolsonaro, deputado, um dos herdeiros políticos políticos e patológicos de Jair, já desfilou e se deixou fotografar com uma camiseta negra escrita “Ustra vive”.
Desde a votação na Câmara de Eduardo Cunha, o do bestseller fake, do impeachment de araque de Dilma Rousseff, ela própria torturada na ditadura, sessão na qual o deputado Bolsonaro homenageou Carlos Alberto Brilhante Ustra, tanto ele quanto outras figuras da direita têm usado como seus santos protetores o nome do torturador, deixando evidentes suas posições fascistas. Eduardo Bolsonaro, deputado, um dos herdeiros políticos políticos e patológicos de Jair, já desfilou e se deixou fotografar com uma camiseta negra escrita “Ustra vive”.
Ustra, coronel do Exército, chefe do Destacamento de Operações Internas (DOI-Codi) de São Paulo no período de 1970 a 1974, em plena vigência do Ato Institucional nº 5, foi o primeiro militar reconhecido pela Justiça como torturador e comandante de uma delegacia de polícia acusada de ser palco de mais de 40 assassinatos e de, pelo menos, 500 casos de torturas. Virou uma fronteira para separar seres humanos e párias.
Mas existe um outro importante indicador de humanidade na mal contada história da ditadura brasileira, onde, ao contrário de seus vizinhos do Cone Sul e da República do Condor, generais não foram punidos ou presos e torturadores foram perdoados por uma Lei de Anistia que reflete bem a sodomia histórica e o péssimo caráter brasileiro. Há um mês, quando a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou, por unanimidade, o Brasil pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog – torturado e assassinado por autoridades militares do DOI/Codi, em São Paulo, em outubro de 1975 -, o pré-candidato à Presidência do PSL – que institutos de pesquisa colocam como um dos favorito a presidir o Brasil com Lula preso – preferiu usar do deboche ao luto.
“Alguns inocentes acabaram tendo um fim que não mereciam, no meu entender. O caso do Vladimir Herzog, muitos falam que ele praticou o suicídio”, desconversou Bolsonaro, em entrevista ao programa “Mariana Godoy Entrevista”, da RedeTV!. “Suicídio acontece, pessoal pratica suicídio”, afirmou, exumando, com luvas cirúrgicas, um dos momentos mais tristes da nossa história.
E a história tem dessas ironias. Herzog era funcionário da TV Cultura de São Paulo. A mesma que, ironicamente, entrevistou, com a falta de brilho recente, o capitão-deputado para, quem Herzog bom é Herzog morto. Herzog foi morto aos 38 anos. Apresentou-se voluntariamente para depor às autoridades militares. Seus assassinos tentaram forjar um suicídio, pendurando-o com as pernas arqueadas. Mesmo em plena ditadura, a farsa foi exposta. A divulgação de fotos montadas para sustentar essa versão causou indignação e provocou um massivo protesto, ajudando a tombar a ditadura. Numa impactante reportagem na Folha de S. Paulo, o repórter Lucas Ferraz entrevistou o fotógrafo Silvaldo Leung Vieira, autor da famosa foto do “suicídio” de Herzog. Ele, que mora em Los Angeles (EUA), confessou que a foto foi mais uma das farsas da cruel ditadura militar que vitimou o Brasil de 1964 a 1985. Posteriormente, em 1992, as autoridades iniciaram uma nova investigação, que no entanto foi arquivada devido à Lei de Anistia.
Desde o início dos anos 90 foram ao menos quatro tentativas de reabrir o caso na Justiça, mas a Lei da Anistia, de 1979, sempre foi evocada para impedir que as investigações avançassem. Até agora, os documentos relativos à investigação estavam em Brasília, na 2ª Câmara de Coordenação e Revisão (CCR) e o inquérito estava suspenso a pedido do MPF-SP, que aguardava decisão da CIDH. O processo já voltou a São Paulo e está no gabinete de Ana Letícia Absy, procuradora responsável pelo caso, que deverá nos próximos dias abrir uma Procedimento Investigatório Criminal, o ponta pé inicial para retomar o caso. É que o Ministério Público Federal de São Paulo irá retomar as investigações sobre a morte de Herzog, tendo como plataforma a decisão da CIDH em 4 de julho pela falta de investigação, julgamento e possíveis punições aos responsáveis. O tribunal, ligado à Organização dos Estados Americanos (OEA), que determinou que o assassinato de Herzog deve ser considerados como um crime de lesa-humanidade e instou a reabertura do caso.
O cumprimento por parte do Estado brasileiro, que é signatário da corte, é obrigatório, ainda que decisões anteriores no mesmo sentido sigam, em última instância, bloqueadas pela interpretação que o Supremo Tribunal Federal faz da Lei de Anistia, de 1979. A última tentativa de levar a cabo uma condenação correu em 2008, quando o caso foi arquivado por prescrição. A diferença é que agora a CIDH considerou que o assassinato de Herzog foi um crime contra a humanidade, que não é passível de prescrição e nem da aplicação da Lei da Anistia, que previu o perdão tanto para os crimes cometidos pela ditadura como por seus opositores. O Ministério da Defesa e a AGU são hoje os dois principais obstáculos dentro do governo para que o Brasil se antecipe a um processo na Corte Interamericana de Direitos Humanos e peça formalmente perdão à família de Vladimir Herzog. Eleja-se com um barulho desses, Bolsonaro.
P.S. Tive o orgulho de, entre meus prêmios jornalísticos, ganhar Menção Honrosa no Prêmio Vladimir Herzog.
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