Por Martín Fernández Lorenzo, no blog Socialista Morena:
“Hoje ganhou o jornalismo e ganharam os cidadãos”, disse o ministro de Meios e Conteúdos Públicos ao justificar as demissões em massa, jogando a culpa, como sempre, na ex-presidenta Cristina Kirchner
“22 anos na Télam. Entrei como estagiária, cumpria horário, entrevistei grandes personagens do mundo da cultura. Ontem me despediram sem causa”, lamentou Analía Páez, outra funcionária.
Juan Domingo Perón criou a agência em 14 de abril de 1945, com o objetivo de fazer frente à hegemonia das agências estadunidenses de notícias, UPI (United Press International) e AP (Associated Press). “Lombardi está despedindo os trabalhadores porque não lhes interessa ter soberania informativa. Não tem nada a ver com ‘nhoques’, é fechar o fluxo informativo”, disse o historiador da Universidade de Buenos Aires Sergio Wischñevsky. “Nhoque” ou “ñoqui”, em espanhol, é como eles chamam na Argentina os funcionários públicos encostados no Estado, que só aparecem no final do mês para pegar o salário, daí o apelido, já que o dia típico para se comer a massa italiana é o 29.
Depois da vitória sofrida contra a Nigéria, na última terça-feira, nem tudo foi festa para os argentinos. Na mesma tarde, 354 trabalhadores da histórica agência de notícias pública Télam, quase 40% de todo o pessoal da estatal, foram demitidos pelo ministro de Meios e Conteúdos Públicos, Hernán Lombardi. As redes explodiram em relatos de cortar o coração.
“Obrigado, Hernán Lombardi, por explicar a meus netos que o trabalho que seu avô fez durante 33 anos na Télam, como encabeçar a equipe de repórteres no julgamento de ex-comandantes (da ditadura militar) ou na primeira reportagem sobre Rajiv Gandhi em Nova Déli não era jornalismo. Até agora eu os enganei. Enganei 13 presidentes, quatro papas, mas o jornalismo começa agora. Entrei como repórter e me aposentei como secretário de redação. Fui um grande farsante. Quase quatro décadas trabalhando como jornalista e 33 anos na Télam em todos os cargos. Jamais imaginei este presente. Muito triste. Choro. Perdoa-me, Messi, gostaria de estar festejando, mas a angústia é enorme”, escreveu naquela noite Miguel Sintas, um dos demitidos.
“Meus filhos choram com o gol de Rojo, eu porque não sei como dizer a eles que hoje me despediram da Agência depois de 22 anos”, se pronunciava tristemente outro jornalista despedido, Carlos Nis.
A agência de notícias estatal padeceu também na última ditadura (1976-1983), quando teve dois trabalhadores desaparecidos sob o regime. Em 2000, o governo de Fernando de la Rúa chegou a anunciar o encerramento da área de publicidade e a venda da sede central da agência, no bairro de Montserrat, em Buenos Aires, mas as medidas não se concretizaram. Lombardi integrou o governo de la Rúa como ministro do Turismo, Cultura e Esportes.
No dia seguinte, a home da agência amanheceu com o aviso que, “por medidas sindicais, o serviço se encontra temporariamente limitado”. As notícias não estão sendo atualizadas desde as demissões. Nem a notícia da vitória argentina aparece no portal.
A jornalista Beatriz Viola, que trabalhava havia 35 anos em Télam, também recebeu o telegrama de demissão. “Simplesmente desabei. Comecei a chorar. O carteiro não entendia nada… Pedi a ele que o lesse para mim e ele, amavelmente, o leu. Diziam que em quatro dias eu estava demitida.”
Lombardi justificou sua decisão em uma longa carta, culpando, é claro, Cristina Kirchner, como faz o governo Macri toda vez que vai aprontar alguma contra o povo. “A função do jornalismo é contar os fatos com a maior objetividade. A administração anterior enfraqueceu, desprezou e destruiu este último significado. A propaganda se disfarçou de jornalismo. A informação tendenciosa e as operações sujas foram a tônica da época. Os lobos se disfarçaram de cordeiros, a propaganda se disfarçou de jornalismo”, disse, para concluir que a demissão em massa dos trabalhadores é uma vitória dos argentinos. “Hoje ganhou o jornalismo e ganharam os cidadãos.”
Os relatos dos demitidos, boa parte deles anteriores ao governo Cristina, contrariam o que diz o ministro: são em geral jornalistas experientes, com currículo extenso e passagem por veículos respeitados, como a Reuters e o próprio “diário oficial” do macrismo, o grupo Clarín. Daniel Rey trabalhava havia 32 anos na Télam. É um dos 354 que foram parar no olho da rua. “Não sou de La Cámpora (a coligação de Cristina), como dizem na internet. Sou filiado à União Cívica Radical (rival dos peronistas)“, protestou.
“Obrigado, Hernán Lombardi, por explicar a meus netos que o trabalho que seu avô fez durante 33 anos na Télam, como encabeçar a equipe de repórteres no julgamento de ex-comandantes (da ditadura militar) ou na primeira reportagem sobre Rajiv Gandhi em Nova Déli não era jornalismo. Até agora eu os enganei. Enganei 13 presidentes, quatro papas, mas o jornalismo começa agora. Entrei como repórter e me aposentei como secretário de redação. Fui um grande farsante. Quase quatro décadas trabalhando como jornalista e 33 anos na Télam em todos os cargos. Jamais imaginei este presente. Muito triste. Choro. Perdoa-me, Messi, gostaria de estar festejando, mas a angústia é enorme”, escreveu naquela noite Miguel Sintas, um dos demitidos.
“Meus filhos choram com o gol de Rojo, eu porque não sei como dizer a eles que hoje me despediram da Agência depois de 22 anos”, se pronunciava tristemente outro jornalista despedido, Carlos Nis.
A agência de notícias estatal padeceu também na última ditadura (1976-1983), quando teve dois trabalhadores desaparecidos sob o regime. Em 2000, o governo de Fernando de la Rúa chegou a anunciar o encerramento da área de publicidade e a venda da sede central da agência, no bairro de Montserrat, em Buenos Aires, mas as medidas não se concretizaram. Lombardi integrou o governo de la Rúa como ministro do Turismo, Cultura e Esportes.
No dia seguinte, a home da agência amanheceu com o aviso que, “por medidas sindicais, o serviço se encontra temporariamente limitado”. As notícias não estão sendo atualizadas desde as demissões. Nem a notícia da vitória argentina aparece no portal.
A jornalista Beatriz Viola, que trabalhava havia 35 anos em Télam, também recebeu o telegrama de demissão. “Simplesmente desabei. Comecei a chorar. O carteiro não entendia nada… Pedi a ele que o lesse para mim e ele, amavelmente, o leu. Diziam que em quatro dias eu estava demitida.”
Lombardi justificou sua decisão em uma longa carta, culpando, é claro, Cristina Kirchner, como faz o governo Macri toda vez que vai aprontar alguma contra o povo. “A função do jornalismo é contar os fatos com a maior objetividade. A administração anterior enfraqueceu, desprezou e destruiu este último significado. A propaganda se disfarçou de jornalismo. A informação tendenciosa e as operações sujas foram a tônica da época. Os lobos se disfarçaram de cordeiros, a propaganda se disfarçou de jornalismo”, disse, para concluir que a demissão em massa dos trabalhadores é uma vitória dos argentinos. “Hoje ganhou o jornalismo e ganharam os cidadãos.”
Os relatos dos demitidos, boa parte deles anteriores ao governo Cristina, contrariam o que diz o ministro: são em geral jornalistas experientes, com currículo extenso e passagem por veículos respeitados, como a Reuters e o próprio “diário oficial” do macrismo, o grupo Clarín. Daniel Rey trabalhava havia 32 anos na Télam. É um dos 354 que foram parar no olho da rua. “Não sou de La Cámpora (a coligação de Cristina), como dizem na internet. Sou filiado à União Cívica Radical (rival dos peronistas)“, protestou.
“Hoje ganhou o jornalismo e ganharam os cidadãos”, disse o ministro de Meios e Conteúdos Públicos ao justificar as demissões em massa, jogando a culpa, como sempre, na ex-presidenta Cristina Kirchner
“22 anos na Télam. Entrei como estagiária, cumpria horário, entrevistei grandes personagens do mundo da cultura. Ontem me despediram sem causa”, lamentou Analía Páez, outra funcionária.
Juan Domingo Perón criou a agência em 14 de abril de 1945, com o objetivo de fazer frente à hegemonia das agências estadunidenses de notícias, UPI (United Press International) e AP (Associated Press). “Lombardi está despedindo os trabalhadores porque não lhes interessa ter soberania informativa. Não tem nada a ver com ‘nhoques’, é fechar o fluxo informativo”, disse o historiador da Universidade de Buenos Aires Sergio Wischñevsky. “Nhoque” ou “ñoqui”, em espanhol, é como eles chamam na Argentina os funcionários públicos encostados no Estado, que só aparecem no final do mês para pegar o salário, daí o apelido, já que o dia típico para se comer a massa italiana é o 29.
“Sou uma das 354 demitidas da Télam. Pela primeira vez em minha vida me chegou um telegrama. Trabalhei durante 13 anos em Olé e Clarín, passei pelo ESPN, DeporTV e Fútbol para Todos. Nunca vi algo igual em matéria de cinismo e perversidade. Obrigada a todos pelo apoio”, disse Marina Butron.
Desde a posse de Lombardi que os cortes no orçamento começaram. Ao mesmo tempo, era denunciada censura sobre os jornalistas e notícias durante o governo Macri, como também ocorre desde que Temer chegou ao poder na EBC (Empresa Brasil de Comunicação).
“Hoje me despediram da Télam. A frase correta é: hoje nos despediram da Télam. Somos mais de 150 trabalhadores na rua. Vão a 400. A limpeza ideológica é desculpa para os tolos que olham de fora. Aqui tiraram pessoas de todas as idades, posições, cargos e trajetórias”, disse Juan Rapacioli.
No dia seguinte à demissão em massa, os jornalistas e outros profissionais, com o apoio de setores políticos e culturais, realizaram um protesto na sede da agência para reclamar pela medida injusta. O governo enviou 300 policiais para calar a manifestação. Detalhe: nenhum meio televisivo ecoou a notícia, a não ser pela publicação de um comunicado justificando a decisão do governo.
Carlos Brigo, um dos máximos expoentes do fotojornalismo na Argentina, reconhecido por retratar momentos históricos do país em seus momentos mais difíceis, também protestou ao ser demitido. “Comecei a trabalhar com fotojornalismo no ano de 1980; em 2010 comecei a trabalhar na Télam; a vocação, este ato de amor, atravessou minha vida durante 38 anos, nos quais deixei até minha saúde. Tenho hoje 60 anos e a mesma garra de sempre de sair com a câmera e seguir mostrando nossa história. Aqui, na Télam (desde que este governo de ladrões assumiu, me tiraram o equipamento e me deixaram sem fazer nada, e só me deixavam sair quando havia alguma emergência; e aí eu saía com meu próprio equipamento fotográfico), não querem meu olhar; vou embora com o ORGULHO de ter sido despedido pelo governo da fuziladora (referência à ditadura civil-militar que derrubou Perón em 1955); Nunca serei como eles.”
Ao contrário do que disse o ministro Lombardi, o jornalismo não ganhou e muito menos a cidadania, da qual fazem parte os 354 empregados que perderam seus empregos. Quem perdeu novamente foi a democracia. Quem ganhou foi a censura, o silêncio, a falta de pluralidade de vozes. Perdeu a sociedade inteira, que já não escuta a verdade nem os gritos, porque já não restam vozes, só palavras, que se multiplicam por milhões, porque se calam um, calam todos.
E que se cuide a brasileira EBC, porque o plano, como o site já mostrou várias vezes, é o mesmo para a Argentina e para o Brasil: fim dos direitos trabalhistas, fim da Justiça do Trabalho e fim da comunicação pública. Em abril, a direção da empresa pública aprovou mudanças definindo que veículos como a Agência Brasil passarão a produzir apenas “comunicação estatal”, o que, segundo o sindicato de Jornalistas do Distrito Federal, é ilegal, já que contraria a Lei 11652/08, que criou a EBC, garantindo sua autonomia diante do governo federal.
Desde a posse de Lombardi que os cortes no orçamento começaram. Ao mesmo tempo, era denunciada censura sobre os jornalistas e notícias durante o governo Macri, como também ocorre desde que Temer chegou ao poder na EBC (Empresa Brasil de Comunicação).
“Hoje me despediram da Télam. A frase correta é: hoje nos despediram da Télam. Somos mais de 150 trabalhadores na rua. Vão a 400. A limpeza ideológica é desculpa para os tolos que olham de fora. Aqui tiraram pessoas de todas as idades, posições, cargos e trajetórias”, disse Juan Rapacioli.
No dia seguinte à demissão em massa, os jornalistas e outros profissionais, com o apoio de setores políticos e culturais, realizaram um protesto na sede da agência para reclamar pela medida injusta. O governo enviou 300 policiais para calar a manifestação. Detalhe: nenhum meio televisivo ecoou a notícia, a não ser pela publicação de um comunicado justificando a decisão do governo.
Carlos Brigo, um dos máximos expoentes do fotojornalismo na Argentina, reconhecido por retratar momentos históricos do país em seus momentos mais difíceis, também protestou ao ser demitido. “Comecei a trabalhar com fotojornalismo no ano de 1980; em 2010 comecei a trabalhar na Télam; a vocação, este ato de amor, atravessou minha vida durante 38 anos, nos quais deixei até minha saúde. Tenho hoje 60 anos e a mesma garra de sempre de sair com a câmera e seguir mostrando nossa história. Aqui, na Télam (desde que este governo de ladrões assumiu, me tiraram o equipamento e me deixaram sem fazer nada, e só me deixavam sair quando havia alguma emergência; e aí eu saía com meu próprio equipamento fotográfico), não querem meu olhar; vou embora com o ORGULHO de ter sido despedido pelo governo da fuziladora (referência à ditadura civil-militar que derrubou Perón em 1955); Nunca serei como eles.”
Ao contrário do que disse o ministro Lombardi, o jornalismo não ganhou e muito menos a cidadania, da qual fazem parte os 354 empregados que perderam seus empregos. Quem perdeu novamente foi a democracia. Quem ganhou foi a censura, o silêncio, a falta de pluralidade de vozes. Perdeu a sociedade inteira, que já não escuta a verdade nem os gritos, porque já não restam vozes, só palavras, que se multiplicam por milhões, porque se calam um, calam todos.
E que se cuide a brasileira EBC, porque o plano, como o site já mostrou várias vezes, é o mesmo para a Argentina e para o Brasil: fim dos direitos trabalhistas, fim da Justiça do Trabalho e fim da comunicação pública. Em abril, a direção da empresa pública aprovou mudanças definindo que veículos como a Agência Brasil passarão a produzir apenas “comunicação estatal”, o que, segundo o sindicato de Jornalistas do Distrito Federal, é ilegal, já que contraria a Lei 11652/08, que criou a EBC, garantindo sua autonomia diante do governo federal.
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