Por João Filho e Nayara Felizardo, no site The Intercept-Brasil:
“Quero ser o Bolsonaro de saias". É assim que Joice Hasselmann projeta o seu mandato na Câmara. Eleita com mais de 1 milhão de votos pelo partido de Jair Bolsonaro, o PSL, a ex-jornalista paranaense ganhou fama nacional após virar uma expoente do reacionarismo brasileiro nas redes sociais. Seu alcance na internet é enorme. Só no Facebook ela conta com quase 2 milhões de seguidores. No YouTube, onde publica vídeos diariamente, já tem mais de 1 milhão.
O estrondoso sucesso online é diretamente proporcional à disseminação de boatos e notícias no mínimo mal apuradas em suas redes sociais. A ex-jornalista foi a principal responsável por espalhar uma das maiores mentiras do primeiro turno, a fraude nas urnas, segundo um relatório elaborado por pesquisadores e analistas de dados da Avaaz, uma comunidade de mobilização online com atuação mundial. Avaliando cerca de 10 mil postagens no Facebook, no Twitter e no YouTube, os pesquisadores descobriram que ex-jornalista foi um dos pontos de partida da história que visava desacreditar o processo eleitoral no Brasil – mas só os resultados que desagradassem os envolvidos, claro.
Relatório Avaaz Joice Hasselmann14 pages |
A falsa história ganhou força, segundo o monitoramento, depois que Hasselmann fez uma transmissão ao vivo em suas páginas do Facebook e YouTube. No vídeo, Hasselmann “joiçou” uma suposta fraude nas urnas (ou seja, distribuiu conteúdo falso, exagerado ou plagiado, verbo já incorporado ao léxico da internet). Ela diz que ficou sabendo por uma fonte que um suposto hacker, que teria operado em três eleições anteriores, estava pronto para agir novamente. Catapultada por outros formadores de opinião bolsonaristas, inclusive os filhos de Bolsonaro e o próprio Jair, a mentira atingiu cerca 16,5 milhões de pessoas nas redes sociais nas 48 horas após as eleições. Às 11h do dia 7 de outubro, a hashtag #FraudeNasUrnas alcançou o topo dos trending topics do Twitter.
No dia da eleição, a ex-jornalista também contribuiu para a disseminação do vídeo em que um eleitor digita o número 1 e logo aparece a foto de Fernando Haddad, do PT. A postagem atingiu 3,9 milhões de visualizações em seu Facebook. O Tribunal Superior Eleitoral já provou a falsidade do vídeo, mas Hasselmann manteve o conteúdo vários dias no ar, antes de exclui-lo. Até agora, aliás, não postou uma correção sobre a mentira que ajudou a disseminar. Curiosamente, os questionamentos sobre as urnas, segundo ela, não se aplicam às votações para governadores e legislativo – a que a elegeu. Apenas para a Presidência.
No dia da eleição, a ex-jornalista também contribuiu para a disseminação do vídeo em que um eleitor digita o número 1 e logo aparece a foto de Fernando Haddad, do PT. A postagem atingiu 3,9 milhões de visualizações em seu Facebook. O Tribunal Superior Eleitoral já provou a falsidade do vídeo, mas Hasselmann manteve o conteúdo vários dias no ar, antes de exclui-lo. Até agora, aliás, não postou uma correção sobre a mentira que ajudou a disseminar. Curiosamente, os questionamentos sobre as urnas, segundo ela, não se aplicam às votações para governadores e legislativo – a que a elegeu. Apenas para a Presidência.
No segundo turno, o papel de formadora de opinião a partir de conteúdos de procedência duvidosa foi mantido. Desta vez, ela escolheu destacar uma suposta interferência do Irã, da Venezuela e do Hezbollah nas eleições brasileiras. A única evidência para a teoria é um documento escrito pelo deputado norte-americano Dana Rohrabacher para o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo. Hasselmann menciona que o deputado está preocupado com a integridade do processo eleitoral e a segurança dos candidatos, principalmente depois do ataque a Bolsonaro.
Em 20 de outubro, dia em que Joice Hasselmann publicou seu vídeo sobre o tema, a discussão atingiu seu auge. Só no Facebook a publicação teve mais de 2,5 milhões de visualizações e foi compartilhada por pelo menos 2.388 páginas e grupos. No YouTube, o vídeo teve mais de 1,8 milhões de visualizações. No dia seguinte após publicá-lo, a deputada alcançou 1 milhão de inscritos em seu canal.
Em 20 de outubro, dia em que Joice Hasselmann publicou seu vídeo sobre o tema, a discussão atingiu seu auge. Só no Facebook a publicação teve mais de 2,5 milhões de visualizações e foi compartilhada por pelo menos 2.388 páginas e grupos. No YouTube, o vídeo teve mais de 1,8 milhões de visualizações. No dia seguinte após publicá-lo, a deputada alcançou 1 milhão de inscritos em seu canal.
Plágio, processos e uma lição de jornalismo
Natural de Ponta Grossa, no Paraná, Hasselmann começou a carreira em programas regionais de rádio e TV. Antes de se tornar um fenômeno das redes, foi âncora de programas na rádio Jovem Pan e da TVeja, lugares onde se sentiu à vontade para dar vazão à sua obsessão em criminalizar as ideias identificadas com a esquerda.
Como profissional, Hasselmann se destacou mais pela oratória do que pelo jornalismo. Articulada e expressiva, sua carreira sempre privilegiou a forma – e não o conteúdo e a apuração. Quando ainda atuava no Paraná, foi denunciada no Conselho de Ética do Sindicato dos Jornalistas por 23 colegas por plagiar pelo menos 65 reportagens em menos de um mês. A plagiadora em série copiava textos de colegas e publicava em seu blog como se fossem de sua autoria – sem crédito, claro. Roubar o trabalho intelectual de colegas de profissão é corrupção em estado bruto, mas ela omite esse detalhe de seu currículo quando brada pela moralidade e pelo combate às falcatruas no mundo político.
Apesar das provas irrefutáveis, Joice Hasselmann ainda nega o que aconteceu. Sua defesa é, basicamente, acusar as vítimas de seus plágios de serem “vagabundos ligados ao PT e à CUT”, “invejosos” e “frustrados”. Prometeu que iria processar um por um dos seus acusadores – mas, claro, não cumpriu a promessa, já que seria necessário provar em juízo que os plágios não existiram. O caso, no entanto, acabou com a sua carreira na imprensa: cinco meses depois, foi demitida e processada pela Editora Abril. Depois que o caso veio a público, Reinaldo Azevedo, seu então colega de bancada na TVeja, se recusou a continuar apresentando o programa ao seu lado. Essa seria uma mancha irreparável no currículo de qualquer jornalista – mas em tempos de pós-verdade, pouco importa. Na verdade, parece que foi justamente essa característica o que a fez alçar voos mais longos em sua carreira.
A mulher mais votada da história da Câmara despreza o movimento feminista que, segundo ela, é composto por uma “gente chata que arranca blusa para colocar peito na rua”. Em uma participação numa esquete de um canal de humor no YouTube, Hasselmann aparece vestindo luvas de boxe para defender Jair Bolsonaro de Maria do Rosário, em uma alusão à famosa discussão no Salão Verde da Câmara. “Você merece (ser estuprada)? Fala, mocreia!”, pergunta Hasselmann, enquanto desfere socos no ator que atua como Maria do Rosário. “Sabe porque ele falou isso (‘você não merece ser estuprada’)? Porque você é chata e feia pra caramba!”
Sempre bastante centrada em seu ego, Joice Hasselmann adora criar apelidos para si própria. Primeiro, de carona no sucesso de público da operação da Polícia Federal, se auto-intitulou “Madrinha da Lava Jato”. Ela chegou a escrever até uma biografia de Sérgio Moro que, do ponto de vista jornalístico, é uma historinha tão chapa branca que parece ter sido escrita pela mãe do juiz.
Depois que foi demitida da Veja, Hasselmann continuou usando a marca da empresa sem autorização – registrou, inclusive, o domínio vejajoice.com.br. Ainda manteve o nome da publicação em suas redes sociais e usava em suas imagens de perfil uma faixa horizontal vermelha, marca de identidade da TVeja. Os advogados da Abril conseguiram tutela de urgência para proibir Hasselmann de usar a palavra “veja”. A jornalista se recusou a acatar a decisão judicial, o que a levou a ser condenada a pagar multa e indenização por danos morais.
Outro enrosco judicial em que Hasselmann se meteu por causa de uma mentira foi com Julia Nassif, filha do jornalista Luis Nassif. Ela publicou uma foto de Luiza debaixo da seguinte manchete: “Filha de Luis Nassif comanda ato contra Moro em NY. Nassif recebeu 5,7 milhões do governo petista”. Mas era só mais um boato para a coleção da jornalista – que foi condenada a indenizar Nassif. Na sentença, o desembargador a responsabilizou por “divulgar matéria jornalística inverídica” e ainda se viu obrigado a ensinar os preceitos básicos do jornalismo para uma pessoa que se identificava como jornalista. Segundo o juiz, o ofício tem “dever de ser reto e veraz, de checar suas fontes, de apurar a procedência dos fatos, de pesar evidências, evitando a todo custo a divulgação precipitada de fatos delituosos que possam prejudicar a vida e a reputação de pessoas indevidamente.” Aparentemente ela ainda não aprendeu.
Outro boato que Hasselmann ajudou a alimentar foi o “Decálogo de Lênin”, que seria composto por 10 mandamentos do revolucionário russo e que seria usado pelo PT como uma espécie de manual para se perpetuar no poder. Mas Lênin, a quem a jornalista chama de “ditador russo”, nunca escreveu nada disso. Era só Joice sendo Joice mais uma vez.
Do "jornalismo" para a política
Os serviços prestados por Hasselmann ao país encantaram Jair Bolsonaro, a quem ela chama carinhosamente de “zero um”, uma referência ao filme Tropa de Elite. A deputada eleita conta que tinha uma visão equivocada sobre ele, mas tudo mudou quando ela o conheceu de perto de perto e pôde medi-lo com sua régua moral. “Bastou uma conversa pessoalmente para eu enxergar que por trás daquele homem com posições fortes havia um coração bom, honesto, e uma espinha ereta que não se dobra.” O capitão a convidou para ser candidata, mas ela titubeou por um momento. “Tive algumas conversas com Bolsonaro e houve um dia em que ele, com olhos marejados, depois de ser carregado por uma multidão, me disse: ‘Se eu tiver um Congresso forte, eu mudo este país’. Aí não teve jeito. Eu não tinha o direito de fugir dessa responsabilidade”.
Hasselmann se vê como uma heroína na luta do bem contra o mal. Para ela, o mundo é bem mais simples do que se imagina. Não há complexidade, nuances, contradições. Seu mundo é binário e maniqueísta, como nos contos infantis. “Vou compor a bancada do bem. E a outra é a do mal, que vai tentar atrapalhar Brasil“. Parece que a única razão que a fez entrar para a política é a mesma que a move como jornalista: “a defesa ininterrupta da extinção do PT”, obsessão compartilhada por Bolsonaro e praticamente toda a bancada de seu partido.
Mas o ego de Hasselmann já causou problemas para o PSL durante a campanha. Ela não é considerada confiável por parte de seus correligionários. Sem consultar ninguém do partido, que havia definido sua candidatura como deputada federal, a jornalista anunciou publicamente que seria candidata ao governo de São Paulo, causando grande constrangimento. Major Olimpio, presidente do PSL em São Paulo, afirmou que ela “atravessou o samba para querer aparecer”. Já Alexandre Frota, também deputado federal eleito, foi ao Twitter para chamá-la de “biscate” e “ratazana que atua nos bastidores”.
Apesar de ter causado alvoroço dentro do PSL, Hasselmann é a candidata que mais recebeu verbas do partido: R$ 100 mil, enquanto as demais candidaturas do diretório paulista receberam apenas R$ 5 mil. A estrondosa de votação de Hasselmann, junto com a de Eduardo Bolsonaro, garantirá pelo menos R$ 110 milhões em recursos públicos para o PSL a partir do ano que vem. Será que a ex-jornalista, que sempre se escandalizou com os milhões destinados ao Fundo Partidário, continuará escandalizada?
Além da carreira como política e cabo eleitoral da direita, Hasselmann agora também tem ministrado cursos online. Um deles se chama “Comunicação Global com Caráter e Verdade” e há tópicos interessantes como “Aprenda a enxergar a mentira”, “O som da verdade – a verdade tem um som diferente” e “Aula com treinamento para identificar a mentira no dia a dia”. No mínimo curioso.
Com esse currículo não é difícil entender porque Joice Hasselmann se tornou o principal polo disseminador da campanha de Bolsonaro. A ex-jornalista foi escalada para dar um verniz de credibilidade aos principais boatos que contribuíram para alavancar a candidatura do capitão, em um esquema de distribuição massiva de mentiras que impressionou até a Comissão Eleitoral da Organização dos Estados Americanos.
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