Por Cesar Locatelli, no site Jornalistas Livres:
O IDG, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), é construído com dados de mortalidade materna, maternidade na adolescência, participação no Parlamento, participação na educação secundária e participação no mercado de trabalho. O valor zero indicaria uma perfeita igualdade entre homens e mulheres.
A média dos salários dos negros é quase a metade da média dos brancos
Para ser exato, os negros ganharam em média, em 2017 no Brasil, o valor de R$ 1.545,30 por mês. Os brancos, por outro lado, ganharam R$ 2.924,31. A relação é de 53%, ou quase a metade. Em 2016, os negros ganhavam 57% do rendimento médio dos brancos.
A mortalidade infantil, em queda há 26 anos, subiu quase 5% em 2016
O estudo aponta mais uma regressão preocupante: “Em 2016, pela primeira vez desde 1990, o Brasil registrou alta na mortalidade infantil, que subiu de 13,3, em 2015, para 14 mortes por mil habitantes (4,9% a mais que o ano anterior). Além disso, houve uma escalada da pobreza no país, retrato de injustiças que há pouco tempo estavam em trajetória de superação.”
A renda média da metade mais pobre da população foi de R$ 787,69 por mês
A renda média da metade mais pobre foi de R$ 787,69, menor, portanto, que o salário-mínimo de R$ 937, vigente em 2017. Além disso, o conjunto dos 10% de trabalhadores mais pobres do país tiveram uma perda em seus rendimentos superior a 11%, de 2016 para 2017. Esse grupo tem uma renda média mensal de R$ 198,03, abaixo da linha de pobreza definida pelo Banco Mundial.
Os mais pobres pagam, percentualmente, menos imposto diretos, mas sua carga se equipara à dos ricos quando se agregam os impostos indiretos
O Brasil é um dos pouco países que baseiam sua arrecadação fortemente em impostos indiretos e regressivos. A tributação indireta é aquela embutida nos preços que os consumidores pagam pelos produtos e serviços que consomem. O termo regressivo indica a tributação pesa percentualmente o mesmo ou mais nos bolsos dos mais ricos e dos mais pobres.
O gráfico abaixo mostra os impostos diretos, em verde-escuro, e os impostos indiretos, em verde-claro, por diferentes classes de renda, cor do chefe da família e arranjo familiar. A soma dos dois dará o percentual total da renda do indivíduo que será pago em forma de tributos. Reparemos que o percentual total para os 20% mais ricos da população veriam entre 19% e 24% da renda. Por outro lado, entre os 40% mais pobres o percentual total situa-se entre 17% e 25% da renda.
A tributação indireta, ao contrário de corrigir, promove a desigualdade. Diz o relatório: “A característica que mais chama atenção é o papel regressivo da tributação indireta nos grupos de baixa renda. Ela aumenta a carga tributária de famílias e indivíduos que estão entre os 40% mais pobres para os mesmos patamares daqueles que estão entre os 20% mais ricos, revelando a incapacidade do sistema tributário brasileiro de tratar de maneira desigual os desiguais, corrigindo assim desníveis de renda.”
O teto de gastos, imposto pela Emenda 95, fará crescer o sofrimento dos mais pobres
O estudo aponta os riscos da medida aprovada pelo governo Temer: “a solução do Teto de Gastos é puramente fiscal, e a EC95 está disposta a perder uma geração pela incapacidade de debater mais profundamente direitos e privilégios no orçamento público de maneira mais ampla. O risco maior desta medida – que foi pensada para o longo prazo, restringindo prioridades a diferentes governos e em desconhecidos contextos – recai sobre a base da pirâmide social, pela dependência da saúde, assistência e educação pública entre outros. Mais que isso, essa medida põe em risco os direitos presentes em nossa Constituição, que garantem o acesso universal à saúde e educação. Neste sentido, o Teto de Gastos trará consequências desastrosas para o país em termos de pobreza e desigualdade”.
A agenda para redução das desigualdades passa pela reversão de privilégios
Em suas propostas para os próximos tempos, o estudo aponta a necessidade da reversão de privilégio: “há um grande espaço e uma inegável urgência para a reversão de privilégios no Brasil. Há décadas, os mais ricos detêm uma enorme fatia da renda nacional, seja em contexto de crise ou de bonança. Isenções fiscais, benevolentes benefícios e relações de compadrio com o Estado marcam a composição da renda do topo da pirâmide social, enquanto o país tem um dos piores níveis de mobilidade social do planeta. Portanto, é imperativo que soluções para as contas públicas perpassem pelo cerne da questão, ou seja, a real discussão redistributiva no país, inserindo os direitos da base da pirâmide social na equação fiscal.”
Bastaria cumprir a Constituição
Oded Grajew espera que o futuro presidente da República, “como fiel seguidor da Constituição”, cumpra seu artigo 3o, que dispõe:
“Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
* Nota: Para ter acesso ao relatório “País Estagnado: um retrato das desigualdades brasileiras 2018”: https://www.oxfam.org.br/pais-estagnado
“País estagnado”, título do novo estudo da Oxfam Brasil, pode dar ideia da ausência de crescimento econômico, mas tem, sobretudo, o sentido de uma sociedade com dificílima mobilidade social. O Brasil, retratado nos dados apresentados, é um país com estruturas que mantêm e aprofundam as desigualdades no plural: desigualdade na representação política, desigualdade de renda, desigualdade tributária, desigualdade regional, desigualdades entre mulheres e homens, entre negros e brancos, entre ricos e pobres.
“O sistema [brasileiro] não só mantém, como aumenta as desigualdades”, assinala Oded Grajew, presidente do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil. Não há país que dê certo com esse grau de desigualdade, não há como sermos um país decente com as desigualdades que historicamente oprimem nossa população, complementa.
O primeiro slide da apresentação de Rafael Georges, responsável pela redação do relatório País Estagnado: um retrato das desigualdades brasileiras 2018, enumera as mudanças para pior nos indicadores das desigualdades:
Brasil é o 9o. país mais desigual do mundo
Apenas África do Sul, Botsuana, Zâmbia, República Centro-Africana, Lesoto. Moçambique e Reino de Eswatini (ex-Suazilândia) são mais desiguais que o Brasil.
A desigualdade na distribuição de renda de uma sociedade ou de um país é medida pelo Índice de Gini. O índice é construído de modo a ficar entre zero e um. Quanto mais alto o valor do índice, maior a concentração da renda nas mãos de poucas pessoas, ou seja, mais desigual a distribuição de renda.
Atualmente, o país mais desigual do mundo é a África do Sul, que tem Índice de Gini igual a 0,63. O Brasil, o 9o. país com maior concentração de renda, tem 0,513. Para se ter uma ideia os países mais justos, como Noruega, Islândia, Suécia, Finlândia, Holanda e Dinamarca, têm Índices de Gini inferiores a 0,30.
No comparativo global, entre mais de 150 países, caímos, em 2017, da 10a. para a 9a. posição entre países mais desiguais do planeta.
População pobre cresce 1 milhão e 700 mil pessoas (11%) de 2016 para 2017
“Sob o critério-base do Banco Mundial, de US$ 1,90 por pessoa/dia, havia cerca de 15 milhões de pobres no país em 2017, 7,2% da população, um crescimento de 11% em relação a 2016 quando havia 13,3 milhões de pobres (6,5% da população)”, afirma o relatório.
Renda das mulheres cai, em relação à dos homens, pela primeira vez em 23 anos.
“Segundo dados das PNAD contínuas, mulheres ganhavam cerca de 72% do que ganhavam homens em 2016, proporção que caiu para 70% em 2017. Trata-se do primeiro recuo em 23 anos”, revelam.
Mais alarmante ainda é a constatação de que o Brasil tem um Índice de Desigualdade de Gênero (IDG) de 0,407. Ao verificarmos países como Noruega, Holanda, Suíça e Dinamarca encontramos índices abaixo de 0,05. A República do Niger, país com um dos piores IDG do mundo (0,649) tem 17% das cadeiras do Parlamento ocupadas por mulheres, enquanto que o Brasil tem apenas 11,3%. A média da América Latina e Caribe é mais do que o dobro do percentual brasileiro: 28,8% dos mandatos são das mulheres.
“O sistema [brasileiro] não só mantém, como aumenta as desigualdades”, assinala Oded Grajew, presidente do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil. Não há país que dê certo com esse grau de desigualdade, não há como sermos um país decente com as desigualdades que historicamente oprimem nossa população, complementa.
O primeiro slide da apresentação de Rafael Georges, responsável pela redação do relatório País Estagnado: um retrato das desigualdades brasileiras 2018, enumera as mudanças para pior nos indicadores das desigualdades:
Brasil é o 9o. país mais desigual do mundo
Apenas África do Sul, Botsuana, Zâmbia, República Centro-Africana, Lesoto. Moçambique e Reino de Eswatini (ex-Suazilândia) são mais desiguais que o Brasil.
A desigualdade na distribuição de renda de uma sociedade ou de um país é medida pelo Índice de Gini. O índice é construído de modo a ficar entre zero e um. Quanto mais alto o valor do índice, maior a concentração da renda nas mãos de poucas pessoas, ou seja, mais desigual a distribuição de renda.
Atualmente, o país mais desigual do mundo é a África do Sul, que tem Índice de Gini igual a 0,63. O Brasil, o 9o. país com maior concentração de renda, tem 0,513. Para se ter uma ideia os países mais justos, como Noruega, Islândia, Suécia, Finlândia, Holanda e Dinamarca, têm Índices de Gini inferiores a 0,30.
No comparativo global, entre mais de 150 países, caímos, em 2017, da 10a. para a 9a. posição entre países mais desiguais do planeta.
População pobre cresce 1 milhão e 700 mil pessoas (11%) de 2016 para 2017
“Sob o critério-base do Banco Mundial, de US$ 1,90 por pessoa/dia, havia cerca de 15 milhões de pobres no país em 2017, 7,2% da população, um crescimento de 11% em relação a 2016 quando havia 13,3 milhões de pobres (6,5% da população)”, afirma o relatório.
Renda das mulheres cai, em relação à dos homens, pela primeira vez em 23 anos.
“Segundo dados das PNAD contínuas, mulheres ganhavam cerca de 72% do que ganhavam homens em 2016, proporção que caiu para 70% em 2017. Trata-se do primeiro recuo em 23 anos”, revelam.
Mais alarmante ainda é a constatação de que o Brasil tem um Índice de Desigualdade de Gênero (IDG) de 0,407. Ao verificarmos países como Noruega, Holanda, Suíça e Dinamarca encontramos índices abaixo de 0,05. A República do Niger, país com um dos piores IDG do mundo (0,649) tem 17% das cadeiras do Parlamento ocupadas por mulheres, enquanto que o Brasil tem apenas 11,3%. A média da América Latina e Caribe é mais do que o dobro do percentual brasileiro: 28,8% dos mandatos são das mulheres.
O IDG, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), é construído com dados de mortalidade materna, maternidade na adolescência, participação no Parlamento, participação na educação secundária e participação no mercado de trabalho. O valor zero indicaria uma perfeita igualdade entre homens e mulheres.
A média dos salários dos negros é quase a metade da média dos brancos
Para ser exato, os negros ganharam em média, em 2017 no Brasil, o valor de R$ 1.545,30 por mês. Os brancos, por outro lado, ganharam R$ 2.924,31. A relação é de 53%, ou quase a metade. Em 2016, os negros ganhavam 57% do rendimento médio dos brancos.
A mortalidade infantil, em queda há 26 anos, subiu quase 5% em 2016
O estudo aponta mais uma regressão preocupante: “Em 2016, pela primeira vez desde 1990, o Brasil registrou alta na mortalidade infantil, que subiu de 13,3, em 2015, para 14 mortes por mil habitantes (4,9% a mais que o ano anterior). Além disso, houve uma escalada da pobreza no país, retrato de injustiças que há pouco tempo estavam em trajetória de superação.”
A renda média da metade mais pobre da população foi de R$ 787,69 por mês
A renda média da metade mais pobre foi de R$ 787,69, menor, portanto, que o salário-mínimo de R$ 937, vigente em 2017. Além disso, o conjunto dos 10% de trabalhadores mais pobres do país tiveram uma perda em seus rendimentos superior a 11%, de 2016 para 2017. Esse grupo tem uma renda média mensal de R$ 198,03, abaixo da linha de pobreza definida pelo Banco Mundial.
Os mais pobres pagam, percentualmente, menos imposto diretos, mas sua carga se equipara à dos ricos quando se agregam os impostos indiretos
O Brasil é um dos pouco países que baseiam sua arrecadação fortemente em impostos indiretos e regressivos. A tributação indireta é aquela embutida nos preços que os consumidores pagam pelos produtos e serviços que consomem. O termo regressivo indica a tributação pesa percentualmente o mesmo ou mais nos bolsos dos mais ricos e dos mais pobres.
O gráfico abaixo mostra os impostos diretos, em verde-escuro, e os impostos indiretos, em verde-claro, por diferentes classes de renda, cor do chefe da família e arranjo familiar. A soma dos dois dará o percentual total da renda do indivíduo que será pago em forma de tributos. Reparemos que o percentual total para os 20% mais ricos da população veriam entre 19% e 24% da renda. Por outro lado, entre os 40% mais pobres o percentual total situa-se entre 17% e 25% da renda.
A tributação indireta, ao contrário de corrigir, promove a desigualdade. Diz o relatório: “A característica que mais chama atenção é o papel regressivo da tributação indireta nos grupos de baixa renda. Ela aumenta a carga tributária de famílias e indivíduos que estão entre os 40% mais pobres para os mesmos patamares daqueles que estão entre os 20% mais ricos, revelando a incapacidade do sistema tributário brasileiro de tratar de maneira desigual os desiguais, corrigindo assim desníveis de renda.”
O teto de gastos, imposto pela Emenda 95, fará crescer o sofrimento dos mais pobres
O estudo aponta os riscos da medida aprovada pelo governo Temer: “a solução do Teto de Gastos é puramente fiscal, e a EC95 está disposta a perder uma geração pela incapacidade de debater mais profundamente direitos e privilégios no orçamento público de maneira mais ampla. O risco maior desta medida – que foi pensada para o longo prazo, restringindo prioridades a diferentes governos e em desconhecidos contextos – recai sobre a base da pirâmide social, pela dependência da saúde, assistência e educação pública entre outros. Mais que isso, essa medida põe em risco os direitos presentes em nossa Constituição, que garantem o acesso universal à saúde e educação. Neste sentido, o Teto de Gastos trará consequências desastrosas para o país em termos de pobreza e desigualdade”.
A agenda para redução das desigualdades passa pela reversão de privilégios
Em suas propostas para os próximos tempos, o estudo aponta a necessidade da reversão de privilégio: “há um grande espaço e uma inegável urgência para a reversão de privilégios no Brasil. Há décadas, os mais ricos detêm uma enorme fatia da renda nacional, seja em contexto de crise ou de bonança. Isenções fiscais, benevolentes benefícios e relações de compadrio com o Estado marcam a composição da renda do topo da pirâmide social, enquanto o país tem um dos piores níveis de mobilidade social do planeta. Portanto, é imperativo que soluções para as contas públicas perpassem pelo cerne da questão, ou seja, a real discussão redistributiva no país, inserindo os direitos da base da pirâmide social na equação fiscal.”
Bastaria cumprir a Constituição
Oded Grajew espera que o futuro presidente da República, “como fiel seguidor da Constituição”, cumpra seu artigo 3o, que dispõe:
“Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
* Nota: Para ter acesso ao relatório “País Estagnado: um retrato das desigualdades brasileiras 2018”: https://www.oxfam.org.br/pais-estagnado
0 comentários:
Postar um comentário