Por Marcelo Zero
O exílio forçado de Jean Wyllys, comemorado com deboche por Bolsonaro, demonstra não apenas a falência da democracia no Brasil.
Demonstra o desmoronamento da nossa civilização. E demonstra algo pior: a perda da nossa humanidade.
Não são somente as instituições democráticas que não estão mais funcionando.
Algo mais profundo se rompeu em nossa sociedade.
Estamos voltamos ao estágio de bellum omnia omnes, de luta de todos contra todos, do homo homini lupus, referido por Hobbes.
Rumamos céleres a uma situação de pré-contrato social, na qual vigoraria a ausência de justiça e o império das paixões violentas e egoístas.
O mau exemplo vem de cima, bem de cima. Bolsonaro e seguidores nunca esconderam sua admiração por ditaduras, seu culto hediondo e bárbaro a torturadores, seu mal contido desejo de extermínio de "inimigos".
Sempre deixaram claro a todos sua tosca homofobia, seu racismo, sua misoginia repulsiva. Manifestam abertamente seu ódio brutal a tudo que lhes parece diferente e desviante da sua norma medíocre, retrógrada e pueril.
Como suínos morais, se refestelam orgulhosos e felizes na sua lama de ódio, brutalidade e preconceito.
Comemoram com alarde a perseguição ignóbil aos que consideram inimigos, tal qual os nazistas riam e zombavam dos judeus e comunistas que eram queimados nos fornos dos campos de concentração.
Comemoraram o golpe contra a presidente honesta.
Comemoram a prisão sem provas de Lula. Comemoraram a morte da esposa de Lula.
Comemoraram as inúmeras agressões contra membros do PT e da oposição e os tiros contra a caravana de Lula.
Comemoram o brutal assassinato de Marielle.
O próprio governador do Rio e um dos filhos do capitão participaram do ato hediondo de destruir a placa de homenagem à vereadora assassinada.
Houve até desembargadoras e juízes que afirmaram, em redes sociais, que Jean Wyllys deveria ser assassinado, para aplauso de uma legião de seguidores acéfalos.
Essa onda alarmante de selvageria fascista vem de longe e contou com o estímulo ou a omissão das instituições democráticas, que deveriam tê-la contido a tempo.
Contou também com o estímulo de grande parte da imprensa e das forças políticas que deveriam ter tido algum compromisso, mínimo que fosse, com a democracia.
Senão com a democracia, com, pelo menos, algum verniz civilizatório.
Agora, é tarde. A caixa de Pandora do neofascismo tupiniquim foi aberta.
O que chegou ao poder no Brasil não foi um simples "candidato de direita".
Chegou ao poder no Brasil um movimento de caráter nitidamente neofascista. Chegou ao poder o ódio. Chegou ao poder a brutalidade. Chegou ao poder o preconceito mais primitivo. Chegou ao poder a ignorância orgulhosa de si.
Chegou ao poder a selvageria. Chegou ao poder a desumanidade.
Quando Bolsonaro afirmava que iria "acabar com tudo isso que está aí", creio que ele se referia, no fundo, de forma talvez inconsciente, à queda da civilidade e da humanidade.
De fato, é difícil reconhecer algo de humano na selvageria que está se instalando no Brasil.
Selvageria econômica e selvageria política.
No campo econômico, pretende-se a instalação de um "salve-se quem puder" ultraneoliberal, que dispensará a existência do Estado de Bem-Estar, a legislação trabalhista protetiva e os investimentos em serviços públicos para a população mais pobre.
Vigorará, como no mundo natural de Hobbes, a "meritocracia" dos mais fortes ou mais afortunados.
Essa selvageria econômica seria complementada pela selvageria política, incrustada não mais num Estado de exceção seletivo, mas num Estado miliciano, que promove abertamente o ódio aos adversários e sua eliminação política ou mesmo física.
Bolsonaro bem que advertiu, às vésperas do segundo turno, que seus "inimigos" só teriam duas opções: a prisão ou o exílio. Insinuou também uma terceira opção: a morte na "ponta da praia".
Jean Wyllys escolheu o exílio à morte ou à prisão.
Fez bem. Afinal, quando o próprio presidente da República promove ódio e tem um clã ligado às milícias, é sinal de que as ameaças têm de ser levadas a sério. Muito a sério. Ninguém está a salvo.
O grau de degradação democrática e civilizatória promovida por Bolsonaro permitiria, quem sabe, no limite e com o tempo, que ele fosse enquadrado até mesmo no Estatuto de Roma, que criou a Corte Penal Internacional.
Com efeito, o artigo 7º, alínea h), do Estatuto de Roma define como um dos "crimes contra a humanidade" a "perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3º, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal".
O Estatuto entende por perseguição a "privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa".
Parece-me que o direito a vida e o direito à livre representação e manifestação fazem parte dos direitos fundamentais.
A homofobia e o extermínio de gays e negros fazem parte do cenário brasileiro há muito.
Mas quando o próprio Chefe de Estado a estimula, com seu triste exemplo e seu deboche contínuo, a coisa tende a mudar de patamar. Jean Wyllys não é exceção, é confirmação de uma nova realidade política.
Claro está que tal enquadramento seria o que se chama em inglês de "long shot", algo, pelo menos por enquanto, bastante improvável.
Mas não se pode deixar de levar em consideração que, em qualquer país minimamente civilizado, alguém como Bolsonaro já teria tido sérios problemas com a justiça e jamais teria sido eleito para coisa alguma.
Por isso, no exterior, Bolsonaro só provoca medo, repulsa e, mais recentemente, após sua brilhante participação em Davos, profunda decepção e vergonha.
Selvageria se combate com princípios civilizatórios, ódio se combate com tolerância, ignorância se combate com conhecimento e autoritarismo se combate com democracia.
Passou da hora do Brasil procurar se curar e se livrar da doença mortal do bolsonarismo. Para tanto, é preciso que todas as forças que ainda têm algum compromisso mínimo com a democracia e com a civilização se unam.
Quem ainda não entendeu que o adversário principal do Brasil democrático, civilizado e humano é o neofascismo, e que o antipetismo é seu irmão gêmeo, não entendeu nada.
Ou entendeu e está se lixando.
Precisamos dessa clareza e dessa determinação, ou então continuaremos a rumar para aquele estado de pré-civilização, para aquilo que Hobbes descreveu de forma esplêndida no Leviatã, uma espécie de morte em vida:
"....E a vida do homem, solitária, pobre, sórdida, brutal e curta."
O exílio forçado de Jean Wyllys, comemorado com deboche por Bolsonaro, demonstra não apenas a falência da democracia no Brasil.
Demonstra o desmoronamento da nossa civilização. E demonstra algo pior: a perda da nossa humanidade.
Não são somente as instituições democráticas que não estão mais funcionando.
Algo mais profundo se rompeu em nossa sociedade.
Estamos voltamos ao estágio de bellum omnia omnes, de luta de todos contra todos, do homo homini lupus, referido por Hobbes.
Rumamos céleres a uma situação de pré-contrato social, na qual vigoraria a ausência de justiça e o império das paixões violentas e egoístas.
O mau exemplo vem de cima, bem de cima. Bolsonaro e seguidores nunca esconderam sua admiração por ditaduras, seu culto hediondo e bárbaro a torturadores, seu mal contido desejo de extermínio de "inimigos".
Sempre deixaram claro a todos sua tosca homofobia, seu racismo, sua misoginia repulsiva. Manifestam abertamente seu ódio brutal a tudo que lhes parece diferente e desviante da sua norma medíocre, retrógrada e pueril.
Como suínos morais, se refestelam orgulhosos e felizes na sua lama de ódio, brutalidade e preconceito.
Comemoram com alarde a perseguição ignóbil aos que consideram inimigos, tal qual os nazistas riam e zombavam dos judeus e comunistas que eram queimados nos fornos dos campos de concentração.
Comemoraram o golpe contra a presidente honesta.
Comemoram a prisão sem provas de Lula. Comemoraram a morte da esposa de Lula.
Comemoraram as inúmeras agressões contra membros do PT e da oposição e os tiros contra a caravana de Lula.
Comemoram o brutal assassinato de Marielle.
O próprio governador do Rio e um dos filhos do capitão participaram do ato hediondo de destruir a placa de homenagem à vereadora assassinada.
Houve até desembargadoras e juízes que afirmaram, em redes sociais, que Jean Wyllys deveria ser assassinado, para aplauso de uma legião de seguidores acéfalos.
Essa onda alarmante de selvageria fascista vem de longe e contou com o estímulo ou a omissão das instituições democráticas, que deveriam tê-la contido a tempo.
Contou também com o estímulo de grande parte da imprensa e das forças políticas que deveriam ter tido algum compromisso, mínimo que fosse, com a democracia.
Senão com a democracia, com, pelo menos, algum verniz civilizatório.
Agora, é tarde. A caixa de Pandora do neofascismo tupiniquim foi aberta.
O que chegou ao poder no Brasil não foi um simples "candidato de direita".
Chegou ao poder no Brasil um movimento de caráter nitidamente neofascista. Chegou ao poder o ódio. Chegou ao poder a brutalidade. Chegou ao poder o preconceito mais primitivo. Chegou ao poder a ignorância orgulhosa de si.
Chegou ao poder a selvageria. Chegou ao poder a desumanidade.
Quando Bolsonaro afirmava que iria "acabar com tudo isso que está aí", creio que ele se referia, no fundo, de forma talvez inconsciente, à queda da civilidade e da humanidade.
De fato, é difícil reconhecer algo de humano na selvageria que está se instalando no Brasil.
Selvageria econômica e selvageria política.
No campo econômico, pretende-se a instalação de um "salve-se quem puder" ultraneoliberal, que dispensará a existência do Estado de Bem-Estar, a legislação trabalhista protetiva e os investimentos em serviços públicos para a população mais pobre.
Vigorará, como no mundo natural de Hobbes, a "meritocracia" dos mais fortes ou mais afortunados.
Essa selvageria econômica seria complementada pela selvageria política, incrustada não mais num Estado de exceção seletivo, mas num Estado miliciano, que promove abertamente o ódio aos adversários e sua eliminação política ou mesmo física.
Bolsonaro bem que advertiu, às vésperas do segundo turno, que seus "inimigos" só teriam duas opções: a prisão ou o exílio. Insinuou também uma terceira opção: a morte na "ponta da praia".
Jean Wyllys escolheu o exílio à morte ou à prisão.
Fez bem. Afinal, quando o próprio presidente da República promove ódio e tem um clã ligado às milícias, é sinal de que as ameaças têm de ser levadas a sério. Muito a sério. Ninguém está a salvo.
O grau de degradação democrática e civilizatória promovida por Bolsonaro permitiria, quem sabe, no limite e com o tempo, que ele fosse enquadrado até mesmo no Estatuto de Roma, que criou a Corte Penal Internacional.
Com efeito, o artigo 7º, alínea h), do Estatuto de Roma define como um dos "crimes contra a humanidade" a "perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3º, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal".
O Estatuto entende por perseguição a "privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa".
Parece-me que o direito a vida e o direito à livre representação e manifestação fazem parte dos direitos fundamentais.
A homofobia e o extermínio de gays e negros fazem parte do cenário brasileiro há muito.
Mas quando o próprio Chefe de Estado a estimula, com seu triste exemplo e seu deboche contínuo, a coisa tende a mudar de patamar. Jean Wyllys não é exceção, é confirmação de uma nova realidade política.
Claro está que tal enquadramento seria o que se chama em inglês de "long shot", algo, pelo menos por enquanto, bastante improvável.
Mas não se pode deixar de levar em consideração que, em qualquer país minimamente civilizado, alguém como Bolsonaro já teria tido sérios problemas com a justiça e jamais teria sido eleito para coisa alguma.
Por isso, no exterior, Bolsonaro só provoca medo, repulsa e, mais recentemente, após sua brilhante participação em Davos, profunda decepção e vergonha.
Selvageria se combate com princípios civilizatórios, ódio se combate com tolerância, ignorância se combate com conhecimento e autoritarismo se combate com democracia.
Passou da hora do Brasil procurar se curar e se livrar da doença mortal do bolsonarismo. Para tanto, é preciso que todas as forças que ainda têm algum compromisso mínimo com a democracia e com a civilização se unam.
Quem ainda não entendeu que o adversário principal do Brasil democrático, civilizado e humano é o neofascismo, e que o antipetismo é seu irmão gêmeo, não entendeu nada.
Ou entendeu e está se lixando.
Precisamos dessa clareza e dessa determinação, ou então continuaremos a rumar para aquele estado de pré-civilização, para aquilo que Hobbes descreveu de forma esplêndida no Leviatã, uma espécie de morte em vida:
"....E a vida do homem, solitária, pobre, sórdida, brutal e curta."
2 comentários:
Acabei de ver novamente o filme idiocracy, constatei que estamos vivendo em uma...
Quem não entendeu este artigo?
Quem não concorda com o que foi dito?
Por que não concorda?
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