Por Ricardo Kotscho, em seu blog:
No primeiro dia do novo governo, a operação de guerra montada pelo esquema de segurança do general Augusto Heleno para a posse de Jair Bolsonaro foi uma demonstração de força do que vem por aí.
Jornalistas foram confinados em chiqueirinhos com cordas e grades e populares que queriam ver a cerimonia de perto tiveram que passar por quatro pontos de revista.
Só se podia passar com a roupa do corpo.
Em dia de chuva e sol, foram proibidos até guarda chuvas e sombrinhas. Carrinhos de bebê não podiam passar nem perto da segurança.
Como eram obrigados a esperar por horas nos locais determinados, e não podiam entrar com frutas nem garrafas de água, meus colegas passaram fome e sede para cobrir o evento da posse.
Barrado por portar uma perigosa maçã, um jornalista estrangeiro devorou a fruta ali mesmo ao lado dos agentes. Não continha explosivos.
Era tudo bem diferente do que vi de perto na transmissão do cargo de FHC para Lula, em 2003, e até mesmo do general João Figueiredo para José Sarney, o primeiro presidente civil após a ditadura, em 1985.
Figueiredo recusou-se a participar da cerimonia e a passar a faixa para Sarney, mas os jornalistas puderam trabalhar sem problemas e até comemoraram a liberdade para circular no Palácio do Planalto, após 20 anos de severas restrições.
Lembro-me que me perdi do fotógrafo da Folha que estava comigo e improvisei uma dupla com o veterano craque Orlando Brito, que trabalhava em outra empresa, para entrar nos lugares antes proibidos.
Respirava-se novamente liberdade em Brasília e, se não houve uma grande festa, é porque Tancredo Neves, o presidente eleito por via indireta, com amplo apoio popular, tinha sido internado no Hospital de Base, na véspera da posse.
Na festa de posse de Lula, fui o encarregado de organizar o trabalho da imprensa junto aos órgãos de segurança.
Meus colegas são testemunhas da liberdade com que todos puderam trabalhar, respeitando apenas as normas habituais do cerimonial para os eventos com a presença do presidente da República.
A grande maioria tinha votado em Lula e o conhecia pessoalmente das três campanhas anteriores à sua chegada ao poder. A vitória e a festa eram de todos.
O que vi nesta terça-feira pela televisão foi deprimente: jornalistas tentando mostrar animação onde não havia.
Ficaram horas em pé em lugares pré-determinados, enchendo linguiça sobre o discurso que Bolsonaro faria à tarde, sem informações novas, só repetindo 500 vezes a programação do dia, enquanto rodavam imagens do esquema de segurança, sem nenhum sinal de festa popular até as duas da tarde.
Bolsonaro, na Granja do Torto, já tinha se manifestado pelo Twitter, com uma crítica à revista Veja e uma saudação militar: “Selva!”.
Para ele, adepto da “comunicação direta com a população”, era o suficiente.
Se é isso que nos espera no novo governo, os jornalistas que se preparem para enfrentar dificuldades crescentes.
Fora os amigos da rede bolsonariana de televisão, a quem os novos donos do poder concedem entrevistas e informações exclusivas, os outros são todos tratados como perigosos inimigos a ser abatidos.
Espero estar errado, mas temo que estejamos entrando num novo período de trevas, em que o direito fundamental da liberdade de expressão está ameaçado, entre outros.
Vida que segue.
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