Por Luiz Carlos Bresser-Pereira, em seu site:
É muito cedo para uma interpretação segura do que será o governo Bolsonaro, mas seus primeiros dias no posto, em especial com as questões da redução da idade mínima para a aposentadoria e da extensão das novas privatizações (rejeitadas pela população, segundo o Datafolha), confirmam minhas dúvidas. Que talvez possam ser mais bem entendidas se considerarmos as possíveis formas de governo.
No Brasil as alternativas são ou governos neoliberais, como foram os governos Temer, Cardoso e Collor, ou governos desenvolvimentistas, que defendem uma intervenção moderada do Estado na economia e o nacionalismo econômico, como foram os governos populistas de centro-esquerda do PT.
Existe, ainda, a possibilidade de os governos desenvolvimentistas serem populistas de direita, como é o governo Trump, ou novo-desenvolvimentistas, que, se forem de centro-direita, têm como referência os países do leste da Ásia; se de centro-esquerda, os países europeus democráticos e sociais do pós-guerra.
Em princípio não podemos ter governos ao mesmo tempo neoliberais e populistas de direita, como propôs Bolsonaro na campanha presidencial. Os neoliberais são populistas cambiais, porque defendem "crescimento com poupança externa", que envolve déficits em conta-corrente elevados e uma taxa de câmbio apreciada, mas não são populistas completos porque não praticam o populismo fiscal --uma vez que esperam resolver todos os problemas de desajuste macroeconômico apenas com ajuste fiscal.
Existe uma contradição entre o neoliberalismo e o populismo fiscal. O populista busca manter sua popularidade gastando; o neoliberal, além de acreditar que o mercado coordene de maneira ótima toda a economia, é conservador; defende os interesses dos ricos.
Ele quer resolver todo o desajuste macroeconômico, inclusive o cambial, apenas com ajuste fiscal. Defende, portanto, a austeridade, que não é apenas a defesa da responsabilidade fiscal. É combinar um forte ajuste fiscal, que inclui o corte dos investimentos públicos, com a recusa a realizar depreciação cambial.
Assim, a recuperação da competitividade do país se faz por meio do desemprego e da diminuição dos salários reais, via ajuste "interno", preservando-se os rendimentos dos rentistas (juros, dividendos, e aluguéis).
O único governo que foi estritamente neoliberal no Brasil foi o de Temer. Este nunca foi um neoliberal, mas conseguiu derrubar Dilma Rousseff e ocupar seu posto graças ao apoio dos neoliberais. No governo, fez aprovar um absurdo teto fiscal que congelou o gasto per capita do governo, uma reforma trabalhista que tirou direitos dos trabalhadores e enfraqueceu os sindicatos. Como se a causa da semiestagnação da economia brasileira desde 1990 fossem salários diretos e indiretos elevados, em vez de juros altos e câmbio apreciado no longo prazo.
O neoliberalismo de Temer dificultou a recuperação da economia brasileira, aprofundou a desigualdade e manteve sua popularidade muito baixa. Popularidade que não era importante para ele, já que não fora eleito nem espera ser no futuro.
O caso de Bolsonaro é diferente. O apoio popular é seu grande trunfo, muito mais importante do que o apoio do neoliberalismo financeiro-rentista e dos interesses estrangeiros. Mas não poderá ignorar os neoliberais, porque eles continuam hegemônicos na alta classe média, que é formadora de opinião.
Essa classe média tradicional tende a ser conservadora e a se submeter à hegemonia das elites neoliberais internacionais. Mas a hegemonia neoliberal está em plena crise, como vemos nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Itália. Por outro lado, o êxito do novo desenvolvimentismo no leste da Ásia é evidente.
Por enquanto, a alternativa novo-desenvolvimentista não está aberta para o Brasil. Temos apenas o neoliberalismo, que fracassa em toda parte; o populismo de centro-esquerda, que fracassou no Brasil; e o populismo de direita, que hoje ameaça os brasileiros. Não seria possível um novo-desenvolvimentismo de centro-direita, como no leste da Ásia?
Sim, mas para isso é preciso encontrar os defensores desse modelo de governo e levá-los a estabelecer acordos com os novo-desenvolvimentistas de centro-esquerda, cujo modelo é a social-democracia europeia.
É muito cedo para uma interpretação segura do que será o governo Bolsonaro, mas seus primeiros dias no posto, em especial com as questões da redução da idade mínima para a aposentadoria e da extensão das novas privatizações (rejeitadas pela população, segundo o Datafolha), confirmam minhas dúvidas. Que talvez possam ser mais bem entendidas se considerarmos as possíveis formas de governo.
No Brasil as alternativas são ou governos neoliberais, como foram os governos Temer, Cardoso e Collor, ou governos desenvolvimentistas, que defendem uma intervenção moderada do Estado na economia e o nacionalismo econômico, como foram os governos populistas de centro-esquerda do PT.
Existe, ainda, a possibilidade de os governos desenvolvimentistas serem populistas de direita, como é o governo Trump, ou novo-desenvolvimentistas, que, se forem de centro-direita, têm como referência os países do leste da Ásia; se de centro-esquerda, os países europeus democráticos e sociais do pós-guerra.
Em princípio não podemos ter governos ao mesmo tempo neoliberais e populistas de direita, como propôs Bolsonaro na campanha presidencial. Os neoliberais são populistas cambiais, porque defendem "crescimento com poupança externa", que envolve déficits em conta-corrente elevados e uma taxa de câmbio apreciada, mas não são populistas completos porque não praticam o populismo fiscal --uma vez que esperam resolver todos os problemas de desajuste macroeconômico apenas com ajuste fiscal.
Existe uma contradição entre o neoliberalismo e o populismo fiscal. O populista busca manter sua popularidade gastando; o neoliberal, além de acreditar que o mercado coordene de maneira ótima toda a economia, é conservador; defende os interesses dos ricos.
Ele quer resolver todo o desajuste macroeconômico, inclusive o cambial, apenas com ajuste fiscal. Defende, portanto, a austeridade, que não é apenas a defesa da responsabilidade fiscal. É combinar um forte ajuste fiscal, que inclui o corte dos investimentos públicos, com a recusa a realizar depreciação cambial.
Assim, a recuperação da competitividade do país se faz por meio do desemprego e da diminuição dos salários reais, via ajuste "interno", preservando-se os rendimentos dos rentistas (juros, dividendos, e aluguéis).
O único governo que foi estritamente neoliberal no Brasil foi o de Temer. Este nunca foi um neoliberal, mas conseguiu derrubar Dilma Rousseff e ocupar seu posto graças ao apoio dos neoliberais. No governo, fez aprovar um absurdo teto fiscal que congelou o gasto per capita do governo, uma reforma trabalhista que tirou direitos dos trabalhadores e enfraqueceu os sindicatos. Como se a causa da semiestagnação da economia brasileira desde 1990 fossem salários diretos e indiretos elevados, em vez de juros altos e câmbio apreciado no longo prazo.
O neoliberalismo de Temer dificultou a recuperação da economia brasileira, aprofundou a desigualdade e manteve sua popularidade muito baixa. Popularidade que não era importante para ele, já que não fora eleito nem espera ser no futuro.
O caso de Bolsonaro é diferente. O apoio popular é seu grande trunfo, muito mais importante do que o apoio do neoliberalismo financeiro-rentista e dos interesses estrangeiros. Mas não poderá ignorar os neoliberais, porque eles continuam hegemônicos na alta classe média, que é formadora de opinião.
Essa classe média tradicional tende a ser conservadora e a se submeter à hegemonia das elites neoliberais internacionais. Mas a hegemonia neoliberal está em plena crise, como vemos nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Itália. Por outro lado, o êxito do novo desenvolvimentismo no leste da Ásia é evidente.
Por enquanto, a alternativa novo-desenvolvimentista não está aberta para o Brasil. Temos apenas o neoliberalismo, que fracassa em toda parte; o populismo de centro-esquerda, que fracassou no Brasil; e o populismo de direita, que hoje ameaça os brasileiros. Não seria possível um novo-desenvolvimentismo de centro-direita, como no leste da Ásia?
Sim, mas para isso é preciso encontrar os defensores desse modelo de governo e levá-los a estabelecer acordos com os novo-desenvolvimentistas de centro-esquerda, cujo modelo é a social-democracia europeia.
* Publicado originalmente na Folha de S.Paulo, em 09/01/2019.
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