Por Luis Nassif, no Jornal GGN:
As ondas de terror costumam ter ciclo intenso, porém curto. Surgem, conquistam fígados e mentes das turbas das ruas, são impulsionadas pela mídia – por ideologia ou a reboque da opinião pública.
No ciclo inicial, conferem uma sensação inédita de onipotência aos provocadores, sejam chefes de torcida organizada, insufladores de linchamento, políticos medíocres, ou, no caso da Lava Jato, procuradores e juízes do interior, alçados de repente ao Olimpo das celebridades.
Em todas essas pessoas, o perfil psicológico é o mesmo. São personagens sem biografia anterior, sem grande destaque, que ganham a sorte grande de protagonizar o sacrifício ritual alimentado pela sede de sengue das bestas das ruas.
O roteiro exige como protagonistas pessoas amorais, despidas de sentimento de compaixão, da piedade, de senso de justiça, de responsabilidade pública, sem pudor de praticar ao máximo a crueldade física ou psicológica, exercitar a covardia em todas as instâncias, porque sua base de sobrevivência é o ódio difuso que, de repente, ganha um foco, ao se lhe apontar um inimigo real ou imaginário.
O que estão fazendo com Lula há muito ultrapassou os limites da mera severidade. Bloquearam todos os seus recursos, deixando familiares passando necessidade, sendo amparados por amigos. Impediram-no de prantear o irmão morto e tentaram impor condições indignas para ir ao funeral do neto, que foi tratado em hospital de terceira linha, por falta de recursos da família, bloqueados pela crueldade extrema da Lava Jato e dos desembargadores do TRF4.
A indignidade com que um dos grandes personagens da história foi tratado pela juíza Gabriela Hardt ainda há de figurar nos futuros compêndios da psicologia do fascismo, como o exemplo mais deformado do que essas situações criam em pessoas médias, pelo prazer sádico de poder se impor sobre vultos da história.
Mas, como não há mal que sempre dure, em algum momento esse ciclo de ódio tem uma inflexão. Foi assim com Jean-Paul Marat na Revolução Francesa, com Joseph McCarthy, quando decidiu estender a caça às bruxas ao Exército. No caso da Lava Jato, foi essa tentativa de se apropriar de R$ 2,5 bilhões de recursos do Tesouro para uma fundação de direito privado controlada por eles próprios.
Ai quebrou a blindagem.
Para avaliar os próximos passos, é necessário entender a lógica jornalística.
A imprensa é pró-cíclica – ou seja, tende a potencializar movimentos da opinião pública. Quando um ciclo começa a esgotar, há a necessidade de criar novos ciclos, nos quais se dará a disputa entre os jornais.
Foi assim em todos os episódios de linchamento midiático desde a campanha do impeachment de Fernando Collor à Escola Base – tenho mais de vinte casos narrados no livro “O jornalismo dos anos 90”.
A campanha de ódio, que resultou na Lava Jato, teve três motivações. Uma delas, de ordem política, contra Lula e o PT. A segunda, a competição pelos “furos” da Lava Jato, em um episódio grotesco de antijornalismo, com todos os jornais comendo na mão dos procuradores e delegados, sem nenhum esforço de checar as informações. A terceira, indo a reboque da besta das ruas, o ódio dos leitores.
Agora, o jogo começa a inverter.
Primeiro, há o desgaste natural das operações de impacto da Lava Jato. Quanto mais o tempo passa, menos novidade existe. Quando se enredou com o governo Bolsonaro, a Polícia Federal de Sérgio Moro montou duas operações de impacto, inclusive prendendo o presidente da Confederação Nacional da Indústria. A notícia ficou um dia nos jornais. Do jeito que as coisas caminham, nem a prisão de José Serra merecerá manchetes.
O fator Palocci – soltar trechos da delação do ex-Ministro como antídoto para crises – é cada vez menos eficaz. Já saiu das manchetes principais e começa a cair para o pé de páginas internas dos jornais.
Agora, vem o episódio da fundação de R$ 2,5 bilhões.
Nas redes sociais, a condenação é quase unânime. Os únicos defensores da fundação são os próprios membros da Lava Jato, com campanhas bisonhas, lembrando que as multas de um caso permitiram construir uma sede para uma APAE, ou reformar seis escolas, como justificativa para a apropriação de R$ 2,5 bilhões (!). Pela primeira vez, colegas procuradores põem a cabeça para fora e começam a externar o incômodo que acompanhou parte da categoria com os abusos reiterados da Lava Jato.
Em breve terá início o novo ciclo. E agora será de caça à Lava Jato.
Como ocorre em todo final de ciclo, a imprensa vai apalpando aos poucos o novo terreno, para ver se há terra firme para começar a nova etapa. Depois que se divulgou aqui a fundação de R$ 2,5 bi, levou alguns dias para começar a repercussão. Era um escândalo óbvio, mas os jornalistas precisam saber se já existe apoio tácito para a mudança na cobertura.
O apoio veio, as matérias começam a pipocar. Não virá de uma só vez, porque os jornais teriam que explicar a parceria de tantos anos com esse grupo. Mas a arte e o engenho jornalístico encontrarão narrativas adequadas. Colocarão lupa nas parcerias entre Rosângela Moro e Carlos Zucolotto, esmiuçarão os honorários dos advogados da delação, levantarão o aumento de patrimônio de Deltan Dallagnol, com as palestras pagas, cobrarão dele a fundação que disse que iria constituir com dinheiro das palestras, e que sumiu do noticiário, checarão o caso Tacla Duran, e a proposta de tacada de Zucolotto, falando em nome da Lava Jato.
Tudo isso já foi levantado por veículos independentes, furando a barreira de silêncio da mídia. Portanto, haverá apenas o trabalho de aprofundar as pautas.
Em um ponto qualquer do futuro, é possível até que divulguem o martírio de Lula, as humilhações impostas a ele e Marisa, a perseguição implacável que atingiu os familiares e pode ter sido causa da morte do neto. E alguma reportagem lembrará que, com uma entrevista, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, decretou o fim de qualquer possibilidade de salvar as empresas de engenharia brasileira. Já existem levantamentos criteriosos sobre os prejuízos trazidos à economia. E serão cobrados, também, o ex-Procurador Geral Rodrigo Janot, e seu companheiro de noitadas Ministro José Eduardo Cardozo, pela falta de coragem de enfrentar as turbas, em um tema de interesse nacional.
Haverá perfis detalhados sobre o deslumbramento das Hardt, dos Dallangoll. Suas incursões pela iniciativa privada, com consultorias de compliance e o escambau, serão acompanhadas minuciosamente.
Tudo isso por uma lógica fatal. Como operações dessa natureza dão celebridade imediata a pessoas sem história, não há como conter o excesso de ambição que sempre atinge esses tipos.
E a ambição da Lava Jato foi gigantesca, de R$ 2,5 bilhões.
As ondas de terror costumam ter ciclo intenso, porém curto. Surgem, conquistam fígados e mentes das turbas das ruas, são impulsionadas pela mídia – por ideologia ou a reboque da opinião pública.
No ciclo inicial, conferem uma sensação inédita de onipotência aos provocadores, sejam chefes de torcida organizada, insufladores de linchamento, políticos medíocres, ou, no caso da Lava Jato, procuradores e juízes do interior, alçados de repente ao Olimpo das celebridades.
Em todas essas pessoas, o perfil psicológico é o mesmo. São personagens sem biografia anterior, sem grande destaque, que ganham a sorte grande de protagonizar o sacrifício ritual alimentado pela sede de sengue das bestas das ruas.
O roteiro exige como protagonistas pessoas amorais, despidas de sentimento de compaixão, da piedade, de senso de justiça, de responsabilidade pública, sem pudor de praticar ao máximo a crueldade física ou psicológica, exercitar a covardia em todas as instâncias, porque sua base de sobrevivência é o ódio difuso que, de repente, ganha um foco, ao se lhe apontar um inimigo real ou imaginário.
O que estão fazendo com Lula há muito ultrapassou os limites da mera severidade. Bloquearam todos os seus recursos, deixando familiares passando necessidade, sendo amparados por amigos. Impediram-no de prantear o irmão morto e tentaram impor condições indignas para ir ao funeral do neto, que foi tratado em hospital de terceira linha, por falta de recursos da família, bloqueados pela crueldade extrema da Lava Jato e dos desembargadores do TRF4.
A indignidade com que um dos grandes personagens da história foi tratado pela juíza Gabriela Hardt ainda há de figurar nos futuros compêndios da psicologia do fascismo, como o exemplo mais deformado do que essas situações criam em pessoas médias, pelo prazer sádico de poder se impor sobre vultos da história.
Mas, como não há mal que sempre dure, em algum momento esse ciclo de ódio tem uma inflexão. Foi assim com Jean-Paul Marat na Revolução Francesa, com Joseph McCarthy, quando decidiu estender a caça às bruxas ao Exército. No caso da Lava Jato, foi essa tentativa de se apropriar de R$ 2,5 bilhões de recursos do Tesouro para uma fundação de direito privado controlada por eles próprios.
Ai quebrou a blindagem.
Para avaliar os próximos passos, é necessário entender a lógica jornalística.
A imprensa é pró-cíclica – ou seja, tende a potencializar movimentos da opinião pública. Quando um ciclo começa a esgotar, há a necessidade de criar novos ciclos, nos quais se dará a disputa entre os jornais.
Foi assim em todos os episódios de linchamento midiático desde a campanha do impeachment de Fernando Collor à Escola Base – tenho mais de vinte casos narrados no livro “O jornalismo dos anos 90”.
A campanha de ódio, que resultou na Lava Jato, teve três motivações. Uma delas, de ordem política, contra Lula e o PT. A segunda, a competição pelos “furos” da Lava Jato, em um episódio grotesco de antijornalismo, com todos os jornais comendo na mão dos procuradores e delegados, sem nenhum esforço de checar as informações. A terceira, indo a reboque da besta das ruas, o ódio dos leitores.
Agora, o jogo começa a inverter.
Primeiro, há o desgaste natural das operações de impacto da Lava Jato. Quanto mais o tempo passa, menos novidade existe. Quando se enredou com o governo Bolsonaro, a Polícia Federal de Sérgio Moro montou duas operações de impacto, inclusive prendendo o presidente da Confederação Nacional da Indústria. A notícia ficou um dia nos jornais. Do jeito que as coisas caminham, nem a prisão de José Serra merecerá manchetes.
O fator Palocci – soltar trechos da delação do ex-Ministro como antídoto para crises – é cada vez menos eficaz. Já saiu das manchetes principais e começa a cair para o pé de páginas internas dos jornais.
Agora, vem o episódio da fundação de R$ 2,5 bilhões.
Nas redes sociais, a condenação é quase unânime. Os únicos defensores da fundação são os próprios membros da Lava Jato, com campanhas bisonhas, lembrando que as multas de um caso permitiram construir uma sede para uma APAE, ou reformar seis escolas, como justificativa para a apropriação de R$ 2,5 bilhões (!). Pela primeira vez, colegas procuradores põem a cabeça para fora e começam a externar o incômodo que acompanhou parte da categoria com os abusos reiterados da Lava Jato.
Em breve terá início o novo ciclo. E agora será de caça à Lava Jato.
Como ocorre em todo final de ciclo, a imprensa vai apalpando aos poucos o novo terreno, para ver se há terra firme para começar a nova etapa. Depois que se divulgou aqui a fundação de R$ 2,5 bi, levou alguns dias para começar a repercussão. Era um escândalo óbvio, mas os jornalistas precisam saber se já existe apoio tácito para a mudança na cobertura.
O apoio veio, as matérias começam a pipocar. Não virá de uma só vez, porque os jornais teriam que explicar a parceria de tantos anos com esse grupo. Mas a arte e o engenho jornalístico encontrarão narrativas adequadas. Colocarão lupa nas parcerias entre Rosângela Moro e Carlos Zucolotto, esmiuçarão os honorários dos advogados da delação, levantarão o aumento de patrimônio de Deltan Dallagnol, com as palestras pagas, cobrarão dele a fundação que disse que iria constituir com dinheiro das palestras, e que sumiu do noticiário, checarão o caso Tacla Duran, e a proposta de tacada de Zucolotto, falando em nome da Lava Jato.
Tudo isso já foi levantado por veículos independentes, furando a barreira de silêncio da mídia. Portanto, haverá apenas o trabalho de aprofundar as pautas.
Em um ponto qualquer do futuro, é possível até que divulguem o martírio de Lula, as humilhações impostas a ele e Marisa, a perseguição implacável que atingiu os familiares e pode ter sido causa da morte do neto. E alguma reportagem lembrará que, com uma entrevista, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, decretou o fim de qualquer possibilidade de salvar as empresas de engenharia brasileira. Já existem levantamentos criteriosos sobre os prejuízos trazidos à economia. E serão cobrados, também, o ex-Procurador Geral Rodrigo Janot, e seu companheiro de noitadas Ministro José Eduardo Cardozo, pela falta de coragem de enfrentar as turbas, em um tema de interesse nacional.
Haverá perfis detalhados sobre o deslumbramento das Hardt, dos Dallangoll. Suas incursões pela iniciativa privada, com consultorias de compliance e o escambau, serão acompanhadas minuciosamente.
Tudo isso por uma lógica fatal. Como operações dessa natureza dão celebridade imediata a pessoas sem história, não há como conter o excesso de ambição que sempre atinge esses tipos.
E a ambição da Lava Jato foi gigantesca, de R$ 2,5 bilhões.
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