Por Paulo Nogueira Batista Jr., na revista CartaCapital:
Quero dar mais alguns tecos num dos meus alvos prediletos – o rotineiro e paquidérmico presidente do Banco Central do governo Temer, Ilan Goldfajn. Há um “gancho”, como dizem os jornalistas, talvez o último: ele acaba de deixar o cargo. A sua gestão, que ora termina, vem sendo celebrada em prosa e verso pelo mercado e pela mídia tradicional. Como sempre, quem presta serviços à turma da bufunfa é tratado a pão de ló. São os mitos que se cultivam e que ajudam a perpetuar o subdesenvolvimento.
Tenho, devo admitir, certa marcação com Goldfajn. Mas a implicância não me impede de reconhecer suas qualidades. O problema, leitor, é que não as encontro.
Outro dia, por acaso, peguei pelo meio uma entrevista dele na televisão. A entrevistadora fazia o possível para ajudá-lo. Quase desempenhava o papel de entrevistadora e entrevistada ao mesmo tempo. Não só fazia perguntas previsíveis, como insinuava as respostas, buscando torná-las um pouco mais rápidas e menos monótonas. Lutava persistentemente com a lerdeza do entrevistado, sem perturbá-lo, porém, com perguntas inconvenientes.
Não adiantou. Jogando em casa, com torcida e juiz a favor, Goldfajn não saiu do zero a zero.
Muito pior, claro, foi a sua lerdeza na gestão da política monetária. Um dos seus erros clamorosos foi a demora em diminuir a taxa básica de juros, contribuindo para que a economia continuasse deprimida e com elevado desemprego. A recuperação econômica em 2017 e 2018 acabou sendo pífia. A inflação não alcançou o centro da meta e, em alguns períodos, nem o limite inferior do intervalo estabelecido pelo Conselho Monetário.
A recuperação a passo de cágado, diga-se de passagem, acabou de inviabilizar as candidaturas da direita tradicional nas eleições de 2018. Não digo a do ex-ministro Meirelles, que era um defunto difícil de ressuscitar, mas todas as outras – mesmo aquelas que podiam, com alguma plausibilidade, dissociar-se de Temer. O governo Bolsonaro deveria, portanto, dar uma medalha a Goldfajn.
É mais fácil, reconheço, perceber o erro ex post. As decisões de política monetária são sempre tomadas em ambiente de incerteza. Nesse caso, o quadro era, porém, bem claro ex ante. Multiplicavam-se, desde ao menos o início de 2018, indicações de tibieza da recuperação. As expectativas de inflação estavam bem ancoradas e situavam-se, não raro, abaixo da meta.
A inflação corrente fechou um pouco aquém do piso da meta em 2017 e, apesar de choques adversos (câmbio e caminhoneiros), bem abaixo do centro da meta em 2018. Ao longo de todo esse período, as medidas de núcleo da inflação, que excluem itens de maior volatilidade e são indicadores de tendência, foram sempre inferiores ao piso da meta. Havia, em suma, diversas evidências contemporâneas de que a taxa básica de juros estava alta demais.
Outro fator que explica a pífia recuperação foi a lentidão da redução dos spreads bancários (a diferença entre as taxas que os bancos cobram e as que pagam a seus depositantes). No Brasil, esses spreads estão entre os mais altos do mundo. São realmente pornográficos. O assunto é da alçada do Banco Central. O que fez o nosso paquiderme para enfrentar a questão?
Com a contração nos anos recentes do crédito oferecido pelos bancos públicos – Banco do Brasil, Caixa Econômica e BNDES –, uma forma de dar algum alento à recuperação teria sido a expansão do crédito dos bancos privados. Não aconteceu, ao menos não de forma a ocupar o espaço deixado pelas instituições públicas. A contenção destas últimas só veio reforçar o poder do oligopólio formado pelos grandes bancos privados – o Itaú (de onde vem e para onde possivelmente voltará Goldfajn), o Bradesco e o Santander.
O baixo grau de competição é, há tempos, uma das mazelas de vários segmentos do sistema financeiro brasileiro. O que fez o nosso paquiderme para enfrentar a questão?
Para coroar a sua gestão, o Banco Central apresentou, em janeiro, uma proposta curiosa para consulta pública. Sugeriu que parentes de primeiro grau de autoridades e políticos sejam retirados da lista de monitoramento obrigatório das instituições financeiras.
Propôs também remover a exigência de que as transações financeiras acima de 10 mil reais sejam notificadas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), deixando aos bancos a identificação de casos suspeitos. Até mesmo o ministro da Justiça, que não prima pela ética, estranhou as sugestões e levantou publicamente dúvidas sobre a sua pertinência. Recorde-se que o Coaf foi o órgão que se tornou célebre por sua atuação no caso Bolsonaro-Queiroz.
O paquiderme merece ou não uma medalha?
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