Por Fernando Rosa, no blog Senhor X:
O Exército Brasileiro designou o general de brigada Alcides Valeriano de Faria Júnior para ocupar o cargo de subcomandante de interoperabilidade do Comando Sul. O Comando Sul, atualmente chefiado pelo almirante Craig Faller, é uma unidade militar dos Estados Unidos responsável por coordenar os interesses estratégicos do país na América do Sul, na América Central e no Caribe. “É uma coisa tão insólita, tão inusitada, que eu não me lembro de nenhuma situação semelhante, a não ser em tempo de guerra”, alertou o ex-chanceler Celso Amorim.
A participação do militar brasileiro feita por Faller no Congresso dos EUA é o coroamento do processo de militarização do poder no Brasil e, ao mesmo tempo, da tutela norte-americana sobre o governo Bolsonaro. Por baixo dessa decisão, um batalhão de militares ocupou o primeiro, o segundo e, mesmo, o terceiro escalão do governo, em ministérios, autarquias e estatais. Interessante observar que os principais cargos foram ocupados por generais oriundos da missão do Haiti, patrocinada pela ONU, atendendo interesses dos Estados Unidos e da França, entre 2004 e 2017.
O processo de militarização que culminou na formação do “Partido do Exército”, no entanto, vem de antes do golpe de Estado, em 2016, que já contou com a participação ativa de setores militares. É também fruto da retomada de valores antidemocráticos e antinacionais professados por herdeiros do coronel Brilhante Ustra e, principalmente, do general Sylvio Frota, histórico adversário do general Ernesto Geisel, nos anos setenta. A “parceria” com o “agitador das massas“, como definiu o general Hamilton Mourão, referindo-se ao ex-capitão Jair Bolsonaro, promoveu a aliança entre o “vivandeirismo” político e a conspiração militar intramuros.
Em maio de 2016, a mídia divulgou áudios de conversas entre os personagens que tramavam o golpe de Estado, que resultou no impeachment da presidenta Dilma Rousseff. “Estou conversando com os generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os caras dizem que vão garantir. Estão monitorando o MST, não sei o quê, para não perturbar”, dizia Romero Jucá ao seu interlocutor, o ex-peessedebista e, na época, no PMDB, Sérgio Machado. Os áudios registravam conversas ocorridas em março entre os articuladores do golpe de Estado, dois meses antes da votação do impeachment no Senado Federal, em 12 de maio.
Em 2 de janeiro de 2019, durante a cerimônia de transmissão de cargo no Ministério da Defesa, o capitão-presidente agradeceu publicamente ao ex-comandante do Exército, general Villas Bôas, por sua eleição. “O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”, discursou o presidente eleito, emendando que “o que já conversamos morrerá entre nós”. Agora, nomeado assessor especial do Palácio do Planalto, o general Villas Bôas, por sua vez, afirmou que Bolsonaro “tirou o país da amarra ideológica que sequestrou o livre pensar” e “do pensamento único e nefasto”.
O registro da conversa não deixa dúvidas sobre a participação dos militares, mais exatamente dos “comandantes militares” no processo que terminou afastando ilegalmente a presidente recém-eleita do Brasil. A partir de então, acelerou-se a conspiração intramuros dos quartéis que evoluiu para a eleição do capitão Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. Este fato, seguido de uma sequência de outras ocorrências, não deixa qualquer dúvida de que o papel do Exército foi, e segue sendo, maior do que apenas “tutelar” um presidente destrambelhado.
Naquele momento, a conspiração ainda corria em duas frentes, uma linha “oficialista” tendo à frente o general Villas Bôas e, outra, mas não contraditória, liderada pela turma do Haiti, herdeiros do general Silvio Frota e da linha dura. O grupo do Haiti, sob “comando” do general Augusto Heleno, inicialmente apostou na quartelada, mas em 2017 embarca na campanha do capitão Bolsonaro. O comandante do Exército, general Villas Bôas investiu na chantagem “democrática”, buscando a construir uma “saída” pelo centro em torno do candidato Geraldo Alckim, mas sucumbiu às ameaças dos generais Heleno e Mourão.
A turma do Haiti começou a operar/conspirar mais efetivamente em setembro de 2017, quando o general Oswaldo Ferreira foi convidado para participar do programa de governo de Bolsonaro. As reuniões do grupo fechado, formado basicamente por militares do Exército, ocorriam às quartas-feiras, combinando com a agenda parlamentar de Bolsonaro, que assim participava das reuniões. O caráter “militar” e conspiratório das reuniões foi lembrado em recentes áudios do ex-presidente do PSL, Gustavo Bebianno, no bate-boca travado com o presidente Bolsonaro.
Gustavo Bebianno, ex-presidente do PSL – “O senhor se lembra que, no início, eu não poderia participar das reuniões de quarta-feira, porque os generais teriam restrições contra mim? Eu não entendia que restrições eram aquelas, se eles nem me conheciam. O senhor hoje pergunte para eles qual o conceito que eles têm a meu respeito, sabe, capitão?
A “alternativa” trilhada pelo comandante do Exército, por sua vez, tinha origem “orgânica” no golpe, urdido pelo Departamento de Estado dos EUA e suas agências, iniciado com as escutas telefônicas, depois com a Operação Lava Jato e, por fim, operado pelo PSDB e o PMDB, “com o STF, com tudo”. Em 25 de Maio de 2017, o general Villas Bôas participou de evento na Fundação Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo, onde debateu o papel do Exército, em especial o Artigo 142 da Constituição Federal. Na mesma época, compareceu a um ato público junto do governador Alckmin, com Bolsonaro presente, em que defendeu a volta do “espírito de 1932” para liderar “um processo de resgate, com capacidade de mobilizar as energias nacionais”.
Em 3 de abril de 2018, os dois centros da conspiração convergem definitivamente, em conjunto com o comando da Operação Lava Jato, quando, sob pressão da corrente da quartelada, o comandante do Exército, general Villas Bôas, em parceria com a Rede Globo, afasta Lula da eleição. Nesse dia, ogeneral Villas Bôas publica dois tweets, com exposição no Jornal Nacional, ameaçando os ministros do STF, em especial a ministra Rosa Weber. Com isso, rompia com um dos preceitos básicos do Artigo 142 da Constituição Federal, ou seja, abandonava os princípios da hierarquia e da disciplina das FFAA, cedendo à pressão dos generais de pijama.
O enquadramento final da aliança militares-Bolsonaro coube à CIA que, em 10 de maio de 2018, disparou suas bombas midiáticas contra a memória do general Ernesto Geisel, com uma extemporânea divulgação de documentos do período da ditadura. Para bloquear qualquer eventual resistência “nacionalista” no interior das FFAA, investiu contra o general Ernesto Geisel, acusando-o de ter sido o ditador mais radical da ditadura, fraude histórica “comprada” por boa parte da esquerda caipira e amplificada pela mídia subordinada ao Pentágono. “Em memorando, diretor da CIA diz que Geisel autorizou execução de opositores durante ditadura”, trombetou a Rede Globo, em seu online e no Jornal Nacional.
A contradição histórica com o pensamento do general Ernesto Geisel unifica o Partido do Exército, encabeçado por herdeiros do general Sylvio Frota e do coronel Brilhante Ustra, adversários do ex-presidente, nos anos setenta. Em especial o general Sylvio Frota simboliza a visão superada de um Brasil alinhado servilmente aos Estados Unidos, pautado por uma visão “anticomunista ficcional” e isolacionista. Ex-combatente ao lado das forças de Getúlio Vargas em 1932, e dono de uma visão ampla do papel do Estado, a memória do general Ernesto Geisel certamente também desagrada ao general Villas Bôas e sua expressa profissão de fé na “locomotiva” quatrocentona.
O então capitão Augusto Heleno, nos anos setenta, foi ajudante de ordens do general Sylvio Frota, segundo o jornalista e escritor Elio Gaspari, em artigo publicado na Folha, em 28 de novembro de 2018. Já o general Hamilton Mourão, em sua despedida do Exército, em fevereiro de 2018, declarou ter sido comandado por Brilhante Ustra, a quem chamou de “herói”. A turma do Haiti, em resumo, significa um retrocesso não apenas ao passado antidemocrático do Brasil, mas principalmente às teses antinacionais derrotadas durante o governo do general Ernesto Geisel que, além disso, mais tarde, chamou o deputado Bolsonaro de “vivandeira” e “mau militar”.
Em sua biografia, publicada nos anos noventa, o general Ernesto Geisel detalha as disputas políticas em torno de temas como a relação com os Estados Unidos, o “comunismo” e a visão de Estado Nacional. O estabelecimento de relações diplomáticas do Brasil com a China e com Angola, durante o governo do general Ernesto Geisel, estiveram no centro do embates. Na época, as mesmas forças que hoje se alinham automaticamente aos EUA posicionaram-se contra a decisão de Geisel – por ser a China e Angola “países comunista”.
General Ernesto Geisel – “O primeiro problema que tive (com a área militar) foi quando se resolveu reatar relações diplomáticas com a China, no começo do meu governo. Silveira tinha conversado sobre o assunto e, após analisá-lo, acabei concordando. O Frota (Silvio Frota) veio a mim, manifestar-se contrário: achava que não era conveniente. Outro que no começo também foi contrário foi o Henning, da Marinha. O Araripe, da Aeronáutica, era mais ou menos contra e chegou a conversar ligeiramente sobre o assunto. Todos traziam opiniões e o pensamento de escalões hierarquicamente inferiores. Reuni os três e lhes perguntei: “Por que nós não vamos reatar relações com a China?”. A resposta foi que a China era um país comunista. “Por que, então, vocês não vêm me propor romper relações com a Rússia?”. “Se vocês querem ser coerentes, então vamos cortar relações com a Rússia também e vamos nos isolar, vamos virar mesmo uma colônia dos Estados Unidos”.
Fiel às origens e ao passado, durante a campanha o general Mourão chamou os países emergentes de “mulambada”, em especial os africanos, asiáticos e latinos. “Partimos para aquela diplomacia que foi chamada de Sul-Sul, e aí nos ligamos com toda a mulambada do outro lado do oceano e do lado de cá, que não resultou em nada, só em dívidas”, disse o general Mourão. O resultado dessa visão é o afastamento do Mercosul, a estupidez de apoiar uma intervenção militar dos EUA na Venezuela, a ameaça de romper com o Oriente Médio, por conta da mudança da embaixada de Tel Aviv para Jerusalém e, principalmente, o risco de perder o mercado da China.
General Ernesto Geisel – “O mesmo problema surgiu quando reatei relações com Angola. A mesma história: “É um país comunista, os Estados Unidos estão subsidiando a revolução contra o governo de Angola, e nós somos solidários com os Estados Unidos!”. Respondi: “Não, nesse ponto eu não sou solidário. Acho que os Estados Unidos são têm o direito de fomentar a revolução em outro país. Não concordo com esse posicionamento. E tem mais: Angola é fronteira marítima com o Brasil. Nossa fronteira oriental é toda a costa oeste da África. Então não vamos ter relações com um país fronteiriço? Além disso, Angola é descendente de Portugal, fala como nós, a mesma língua!. E há outro interesse: as perspectivas são de que o litoral angolano tenha petróleo, e nós poderemos obter suprimento em Angola”. Respondiam: “Mas o governo é comunista!” E eu: “É, é subsidiado pela Rússia, mas a revolução que existe em Angola é subsidiada pelo americano. O americano está financiando uma revolução lá dentro!”. A Unita até hoje é subsidiada pelo americano em armamentos, em munição, em dinheiro e tudo mais. “Que direito têm os Estados Unidos de intervir em país e lá provocar uma revolução? Não temos nada com isso, não temos nada com a Unita. No passado, sempre transacionávamos com Angola e agora temos interesse em trazer petróleo de lá.” Foi outra discussão. Eu dizia: “Vocês têm que abrir os olhos, o mundo é outro! Vocês não podem ficar nesse círculo estreito!”. Eles engoliram a solução, mas evidentemente resmungando”.
O resmungo regurgitado por quase meio século ganhou voz ativa em pleno 2019, com a adesão à agenda de Donald Trump de “maneira mecânica e caudatária”, como definiu o diplomata Rubens Ricupero. “Fica-se com a impressão de que, na relação com os EUA, o céu é o limite ou, mais apropriadamente, que não existe nessa relação nenhum limite, nem o da decência, nem o da soberania ou do patriotismo”, continuou. Segundo Ricupero, “por motivação puramente ideológica e a fim de agradar os americanos, a diplomacia atual está disposta a sacrificar interesses brasileiros concretos”.
No poder, o Partido do Exército retoma as teses derrotadas da Guerra Fria, do “anticomunismo ficcional”, do alinhamento servil aos Estados Unidos e da visão de Estado anti-povo do tempo da Lei de Segurança Nacional. E fazem isso no momento em que o mundo unipolar esboroa-se dramaticamente, com a irrupção de um multilateralismo liderado pelos países do BRICS, com China e Russia à frente. Pela primeira vez na história, abrindo mão de sua soberania e independência, e por motivos ideológicos, o Brasil se alia ao lado perdedor da guerra em curso no planeta.
A participação do militar brasileiro feita por Faller no Congresso dos EUA é o coroamento do processo de militarização do poder no Brasil e, ao mesmo tempo, da tutela norte-americana sobre o governo Bolsonaro. Por baixo dessa decisão, um batalhão de militares ocupou o primeiro, o segundo e, mesmo, o terceiro escalão do governo, em ministérios, autarquias e estatais. Interessante observar que os principais cargos foram ocupados por generais oriundos da missão do Haiti, patrocinada pela ONU, atendendo interesses dos Estados Unidos e da França, entre 2004 e 2017.
O processo de militarização que culminou na formação do “Partido do Exército”, no entanto, vem de antes do golpe de Estado, em 2016, que já contou com a participação ativa de setores militares. É também fruto da retomada de valores antidemocráticos e antinacionais professados por herdeiros do coronel Brilhante Ustra e, principalmente, do general Sylvio Frota, histórico adversário do general Ernesto Geisel, nos anos setenta. A “parceria” com o “agitador das massas“, como definiu o general Hamilton Mourão, referindo-se ao ex-capitão Jair Bolsonaro, promoveu a aliança entre o “vivandeirismo” político e a conspiração militar intramuros.
Em maio de 2016, a mídia divulgou áudios de conversas entre os personagens que tramavam o golpe de Estado, que resultou no impeachment da presidenta Dilma Rousseff. “Estou conversando com os generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os caras dizem que vão garantir. Estão monitorando o MST, não sei o quê, para não perturbar”, dizia Romero Jucá ao seu interlocutor, o ex-peessedebista e, na época, no PMDB, Sérgio Machado. Os áudios registravam conversas ocorridas em março entre os articuladores do golpe de Estado, dois meses antes da votação do impeachment no Senado Federal, em 12 de maio.
Em 2 de janeiro de 2019, durante a cerimônia de transmissão de cargo no Ministério da Defesa, o capitão-presidente agradeceu publicamente ao ex-comandante do Exército, general Villas Bôas, por sua eleição. “O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”, discursou o presidente eleito, emendando que “o que já conversamos morrerá entre nós”. Agora, nomeado assessor especial do Palácio do Planalto, o general Villas Bôas, por sua vez, afirmou que Bolsonaro “tirou o país da amarra ideológica que sequestrou o livre pensar” e “do pensamento único e nefasto”.
O registro da conversa não deixa dúvidas sobre a participação dos militares, mais exatamente dos “comandantes militares” no processo que terminou afastando ilegalmente a presidente recém-eleita do Brasil. A partir de então, acelerou-se a conspiração intramuros dos quartéis que evoluiu para a eleição do capitão Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. Este fato, seguido de uma sequência de outras ocorrências, não deixa qualquer dúvida de que o papel do Exército foi, e segue sendo, maior do que apenas “tutelar” um presidente destrambelhado.
Naquele momento, a conspiração ainda corria em duas frentes, uma linha “oficialista” tendo à frente o general Villas Bôas e, outra, mas não contraditória, liderada pela turma do Haiti, herdeiros do general Silvio Frota e da linha dura. O grupo do Haiti, sob “comando” do general Augusto Heleno, inicialmente apostou na quartelada, mas em 2017 embarca na campanha do capitão Bolsonaro. O comandante do Exército, general Villas Bôas investiu na chantagem “democrática”, buscando a construir uma “saída” pelo centro em torno do candidato Geraldo Alckim, mas sucumbiu às ameaças dos generais Heleno e Mourão.
A turma do Haiti começou a operar/conspirar mais efetivamente em setembro de 2017, quando o general Oswaldo Ferreira foi convidado para participar do programa de governo de Bolsonaro. As reuniões do grupo fechado, formado basicamente por militares do Exército, ocorriam às quartas-feiras, combinando com a agenda parlamentar de Bolsonaro, que assim participava das reuniões. O caráter “militar” e conspiratório das reuniões foi lembrado em recentes áudios do ex-presidente do PSL, Gustavo Bebianno, no bate-boca travado com o presidente Bolsonaro.
Gustavo Bebianno, ex-presidente do PSL – “O senhor se lembra que, no início, eu não poderia participar das reuniões de quarta-feira, porque os generais teriam restrições contra mim? Eu não entendia que restrições eram aquelas, se eles nem me conheciam. O senhor hoje pergunte para eles qual o conceito que eles têm a meu respeito, sabe, capitão?
A “alternativa” trilhada pelo comandante do Exército, por sua vez, tinha origem “orgânica” no golpe, urdido pelo Departamento de Estado dos EUA e suas agências, iniciado com as escutas telefônicas, depois com a Operação Lava Jato e, por fim, operado pelo PSDB e o PMDB, “com o STF, com tudo”. Em 25 de Maio de 2017, o general Villas Bôas participou de evento na Fundação Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo, onde debateu o papel do Exército, em especial o Artigo 142 da Constituição Federal. Na mesma época, compareceu a um ato público junto do governador Alckmin, com Bolsonaro presente, em que defendeu a volta do “espírito de 1932” para liderar “um processo de resgate, com capacidade de mobilizar as energias nacionais”.
Em 3 de abril de 2018, os dois centros da conspiração convergem definitivamente, em conjunto com o comando da Operação Lava Jato, quando, sob pressão da corrente da quartelada, o comandante do Exército, general Villas Bôas, em parceria com a Rede Globo, afasta Lula da eleição. Nesse dia, ogeneral Villas Bôas publica dois tweets, com exposição no Jornal Nacional, ameaçando os ministros do STF, em especial a ministra Rosa Weber. Com isso, rompia com um dos preceitos básicos do Artigo 142 da Constituição Federal, ou seja, abandonava os princípios da hierarquia e da disciplina das FFAA, cedendo à pressão dos generais de pijama.
O enquadramento final da aliança militares-Bolsonaro coube à CIA que, em 10 de maio de 2018, disparou suas bombas midiáticas contra a memória do general Ernesto Geisel, com uma extemporânea divulgação de documentos do período da ditadura. Para bloquear qualquer eventual resistência “nacionalista” no interior das FFAA, investiu contra o general Ernesto Geisel, acusando-o de ter sido o ditador mais radical da ditadura, fraude histórica “comprada” por boa parte da esquerda caipira e amplificada pela mídia subordinada ao Pentágono. “Em memorando, diretor da CIA diz que Geisel autorizou execução de opositores durante ditadura”, trombetou a Rede Globo, em seu online e no Jornal Nacional.
A contradição histórica com o pensamento do general Ernesto Geisel unifica o Partido do Exército, encabeçado por herdeiros do general Sylvio Frota e do coronel Brilhante Ustra, adversários do ex-presidente, nos anos setenta. Em especial o general Sylvio Frota simboliza a visão superada de um Brasil alinhado servilmente aos Estados Unidos, pautado por uma visão “anticomunista ficcional” e isolacionista. Ex-combatente ao lado das forças de Getúlio Vargas em 1932, e dono de uma visão ampla do papel do Estado, a memória do general Ernesto Geisel certamente também desagrada ao general Villas Bôas e sua expressa profissão de fé na “locomotiva” quatrocentona.
O então capitão Augusto Heleno, nos anos setenta, foi ajudante de ordens do general Sylvio Frota, segundo o jornalista e escritor Elio Gaspari, em artigo publicado na Folha, em 28 de novembro de 2018. Já o general Hamilton Mourão, em sua despedida do Exército, em fevereiro de 2018, declarou ter sido comandado por Brilhante Ustra, a quem chamou de “herói”. A turma do Haiti, em resumo, significa um retrocesso não apenas ao passado antidemocrático do Brasil, mas principalmente às teses antinacionais derrotadas durante o governo do general Ernesto Geisel que, além disso, mais tarde, chamou o deputado Bolsonaro de “vivandeira” e “mau militar”.
Em sua biografia, publicada nos anos noventa, o general Ernesto Geisel detalha as disputas políticas em torno de temas como a relação com os Estados Unidos, o “comunismo” e a visão de Estado Nacional. O estabelecimento de relações diplomáticas do Brasil com a China e com Angola, durante o governo do general Ernesto Geisel, estiveram no centro do embates. Na época, as mesmas forças que hoje se alinham automaticamente aos EUA posicionaram-se contra a decisão de Geisel – por ser a China e Angola “países comunista”.
General Ernesto Geisel – “O primeiro problema que tive (com a área militar) foi quando se resolveu reatar relações diplomáticas com a China, no começo do meu governo. Silveira tinha conversado sobre o assunto e, após analisá-lo, acabei concordando. O Frota (Silvio Frota) veio a mim, manifestar-se contrário: achava que não era conveniente. Outro que no começo também foi contrário foi o Henning, da Marinha. O Araripe, da Aeronáutica, era mais ou menos contra e chegou a conversar ligeiramente sobre o assunto. Todos traziam opiniões e o pensamento de escalões hierarquicamente inferiores. Reuni os três e lhes perguntei: “Por que nós não vamos reatar relações com a China?”. A resposta foi que a China era um país comunista. “Por que, então, vocês não vêm me propor romper relações com a Rússia?”. “Se vocês querem ser coerentes, então vamos cortar relações com a Rússia também e vamos nos isolar, vamos virar mesmo uma colônia dos Estados Unidos”.
Fiel às origens e ao passado, durante a campanha o general Mourão chamou os países emergentes de “mulambada”, em especial os africanos, asiáticos e latinos. “Partimos para aquela diplomacia que foi chamada de Sul-Sul, e aí nos ligamos com toda a mulambada do outro lado do oceano e do lado de cá, que não resultou em nada, só em dívidas”, disse o general Mourão. O resultado dessa visão é o afastamento do Mercosul, a estupidez de apoiar uma intervenção militar dos EUA na Venezuela, a ameaça de romper com o Oriente Médio, por conta da mudança da embaixada de Tel Aviv para Jerusalém e, principalmente, o risco de perder o mercado da China.
General Ernesto Geisel – “O mesmo problema surgiu quando reatei relações com Angola. A mesma história: “É um país comunista, os Estados Unidos estão subsidiando a revolução contra o governo de Angola, e nós somos solidários com os Estados Unidos!”. Respondi: “Não, nesse ponto eu não sou solidário. Acho que os Estados Unidos são têm o direito de fomentar a revolução em outro país. Não concordo com esse posicionamento. E tem mais: Angola é fronteira marítima com o Brasil. Nossa fronteira oriental é toda a costa oeste da África. Então não vamos ter relações com um país fronteiriço? Além disso, Angola é descendente de Portugal, fala como nós, a mesma língua!. E há outro interesse: as perspectivas são de que o litoral angolano tenha petróleo, e nós poderemos obter suprimento em Angola”. Respondiam: “Mas o governo é comunista!” E eu: “É, é subsidiado pela Rússia, mas a revolução que existe em Angola é subsidiada pelo americano. O americano está financiando uma revolução lá dentro!”. A Unita até hoje é subsidiada pelo americano em armamentos, em munição, em dinheiro e tudo mais. “Que direito têm os Estados Unidos de intervir em país e lá provocar uma revolução? Não temos nada com isso, não temos nada com a Unita. No passado, sempre transacionávamos com Angola e agora temos interesse em trazer petróleo de lá.” Foi outra discussão. Eu dizia: “Vocês têm que abrir os olhos, o mundo é outro! Vocês não podem ficar nesse círculo estreito!”. Eles engoliram a solução, mas evidentemente resmungando”.
O resmungo regurgitado por quase meio século ganhou voz ativa em pleno 2019, com a adesão à agenda de Donald Trump de “maneira mecânica e caudatária”, como definiu o diplomata Rubens Ricupero. “Fica-se com a impressão de que, na relação com os EUA, o céu é o limite ou, mais apropriadamente, que não existe nessa relação nenhum limite, nem o da decência, nem o da soberania ou do patriotismo”, continuou. Segundo Ricupero, “por motivação puramente ideológica e a fim de agradar os americanos, a diplomacia atual está disposta a sacrificar interesses brasileiros concretos”.
No poder, o Partido do Exército retoma as teses derrotadas da Guerra Fria, do “anticomunismo ficcional”, do alinhamento servil aos Estados Unidos e da visão de Estado anti-povo do tempo da Lei de Segurança Nacional. E fazem isso no momento em que o mundo unipolar esboroa-se dramaticamente, com a irrupção de um multilateralismo liderado pelos países do BRICS, com China e Russia à frente. Pela primeira vez na história, abrindo mão de sua soberania e independência, e por motivos ideológicos, o Brasil se alia ao lado perdedor da guerra em curso no planeta.
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