Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:
Desprezar o conhecimento parece ser a inspiração dos governos autoritários. Afinal, nada mais transformador e comprometedor que a verdade. Por isso, acompanhamos cenas lamentáveis e repetidas de desprezo pela educação, pela ciência, pelo meio ambiente e pelos dados estatísticos que ajudam a compreender a realidade. No Brasil e em Minas Gerais. Quando o saber é deixado de lado, abre-se terreno para todas as formas de mistificação, do autoritarismo ao preconceito.
Na educação, o governador Romeu Zema cortou milhares de vagas do ensino integral das escolas públicas estaduais, e ainda teve a insensibilidade de comemorar sua ação destrutiva como um passo para a melhoria do setor. Enquanto isso, o Ministério da Educação acaba de apresentar um plano privatista para a gestão das instituições públicas de ensino e pesquisa, sem qualquer consulta à comunidade acadêmica. E com ataques frontais e grosseiros à história da universidade brasileira.
O mesmo projeto federal vincula a ciência aos interesses do mercado, retirando verbas de pesquisa básica e de destinação social para favorecer a estratégia produtivista com fins comerciais. As universidades seriam entregues ao comando dos interesses econômicos, geridas por empresas criadas para esse fim, na lógica da competição por verbas. Os centros de ensino se tornam marcas empresariais. Nada mais distante de sua raiz histórica: a unidade na diversidade. A partir de agora, é cada um por si.
No meio ambiente, temos seguido uma trilha que tem trazido prejuízos imediatos e apontado riscos gravíssimos para o futuro. O ministro Ricardo Salles tem traduzido com eficiência a perspectiva inculta de Bolsonaro, atacando conquistas ambientais, desprestigiando especialistas e criando impasses com países que financiam projetos de preservação no Brasil. Ninguém quer se associar a um defensor do desmatamento, grilagem, mineração predatória e desprezo pelos direitos de quilombolas e povos originários.
Se a retirada de financiamento por parte de alguns países do Fundo Amazônia, como Alemanha e Noruega, é um risco muito próximo, desmobilizando projetos reconhecidos pela ONU entre outras entidades, o pior ainda está por vir. Ao se firmar internacionalmente como país que despreza tratados sobre o clima, que coloca os interesses imediatos das empresas tóxicas à frente do meio ambiente e ao atacar populações e culturas locais – algumas delas ancestrais – o Brasil tem tudo para se isolar nos acordos comerciais. Desponta como candidato a pária no mercado internacional, cada vez mais exigente de certificação ambiental e ética.
Em Minas Gerais, a atitude pouco firme do governo estadual frente aos crimes ambientais de Mariana e Brumadinho parece igualmente submetida aos interesses das empresas. Sob o discurso cada vez mais choroso e pouco criativo acerca da crise fiscal herdada, o executivo mineiro apela para a recuperação da atividade minerária com sua melhor cartada, inclusive com flexibilização de licenças. Publicamente, o governador tem se mostrado muito mais próximo dos empresários e de suas entidades do que das populações atingidas pelos crimes por eles cometidos.
Em relação às estatísticas públicas, a estratégia de fugir da verdade tem recebido especial atenção. O ministro da Economia Paulo Guedes quer desidratar o IBGE e tirar do Censo questões fundamentais para o planejamento consistente do país, numa lógica absurda de economizar no presente para matar o futuro. Bolsonaro critica metodologia que mede índices de desemprego (“uma farsa”), questiona informações documentadas sobre desmatamento no país e duvida até mesmo do aquecimento global. Há quem diga que ele considera que a Terra é plana.
Minas Gerais, sob Zema, dá agora sua contribuição ao jogo feito para iludir o cidadão e se esquivar de responsabilidades. Dados sobre a criminalidade, divulgados esta semana pela Polícia Civil do estado, comemoram a diminuição da violência no primeiro semestre de governo. No entanto, embora tendo disponíveis as informações sobre feminicídios, essa modalidade de violência não foi incluída no relatório. É bom frisar: os feminicídios aumentaram 3,2% no primeiro semestre de 2019, em relação ao mesmo período do ano passado. E, como explicam os especialistas, trata-se de dados subnotificados. A realidade, certamente, é ainda mais grave.
Há pelo menos três consequências dessa atitude de mascaramento dos dados da realidade. Em primeiro lugar, a busca de acentuar bons resultados, o que demonstra pouca responsabilidade com a gestão pública. O papel do governo não é celebrar o fato de fazer seu trabalho – o que não é mais que obrigação – mas se planejar para prevenir e enfrentar problemas reais. Na área da segurança pública, sabemos que atitudes de combate e repressão ao crime só são sustentáveis quando combinadas com o enfrentamento das causas.
E é exatamente aí que está o segundo aspecto problemático da exclusão dos dados de feminicídio do balanço sobre a criminalidade. Nesse caso, as políticas públicas são fundamentais para a reversão dos riscos. Divulgar honestamente os dados, inclusive se esforçando para vencer a subnotificação, é atitude essencial em favor do estímulo à transformação cultural, única ação capaz de enfrentar o monstro do preconceito, do machismo, do patriarcado e da misoginia. Um governo que despreza a educação não tem como se dar bem nesse desafio.
A terceira consequência da omissão dos dados é a naturalização da violência contra as mulheres. E exatamente por se tratar de uma modalidade própria, com suas regras e estratégias cruéis também muito peculiares, que o feminicídio exige uma mudança estrutural nas formas de combate e controle. É preciso investir muito mais – e é papel do Estado – tanto nas políticas públicas de natureza cultural como na criação de novas estruturas, legislação, profissionais capacidade, conhecimento e mobilização social.
Resumindo: educação sem conhecimento crítico; meio ambiente considerado obstáculo ao desenvolvimento; ciência sem compromisso com o saber e com a sociedade; desrespeito aos dados da realidade em nome da propaganda ideológica. Trazemos na consciência a vergonha histórica de ser um país injusto. Agora chegamos ao pior dos mundos: o orgulho de ser uma nação de idiotas.
Na educação, o governador Romeu Zema cortou milhares de vagas do ensino integral das escolas públicas estaduais, e ainda teve a insensibilidade de comemorar sua ação destrutiva como um passo para a melhoria do setor. Enquanto isso, o Ministério da Educação acaba de apresentar um plano privatista para a gestão das instituições públicas de ensino e pesquisa, sem qualquer consulta à comunidade acadêmica. E com ataques frontais e grosseiros à história da universidade brasileira.
O mesmo projeto federal vincula a ciência aos interesses do mercado, retirando verbas de pesquisa básica e de destinação social para favorecer a estratégia produtivista com fins comerciais. As universidades seriam entregues ao comando dos interesses econômicos, geridas por empresas criadas para esse fim, na lógica da competição por verbas. Os centros de ensino se tornam marcas empresariais. Nada mais distante de sua raiz histórica: a unidade na diversidade. A partir de agora, é cada um por si.
No meio ambiente, temos seguido uma trilha que tem trazido prejuízos imediatos e apontado riscos gravíssimos para o futuro. O ministro Ricardo Salles tem traduzido com eficiência a perspectiva inculta de Bolsonaro, atacando conquistas ambientais, desprestigiando especialistas e criando impasses com países que financiam projetos de preservação no Brasil. Ninguém quer se associar a um defensor do desmatamento, grilagem, mineração predatória e desprezo pelos direitos de quilombolas e povos originários.
Se a retirada de financiamento por parte de alguns países do Fundo Amazônia, como Alemanha e Noruega, é um risco muito próximo, desmobilizando projetos reconhecidos pela ONU entre outras entidades, o pior ainda está por vir. Ao se firmar internacionalmente como país que despreza tratados sobre o clima, que coloca os interesses imediatos das empresas tóxicas à frente do meio ambiente e ao atacar populações e culturas locais – algumas delas ancestrais – o Brasil tem tudo para se isolar nos acordos comerciais. Desponta como candidato a pária no mercado internacional, cada vez mais exigente de certificação ambiental e ética.
Em Minas Gerais, a atitude pouco firme do governo estadual frente aos crimes ambientais de Mariana e Brumadinho parece igualmente submetida aos interesses das empresas. Sob o discurso cada vez mais choroso e pouco criativo acerca da crise fiscal herdada, o executivo mineiro apela para a recuperação da atividade minerária com sua melhor cartada, inclusive com flexibilização de licenças. Publicamente, o governador tem se mostrado muito mais próximo dos empresários e de suas entidades do que das populações atingidas pelos crimes por eles cometidos.
Em relação às estatísticas públicas, a estratégia de fugir da verdade tem recebido especial atenção. O ministro da Economia Paulo Guedes quer desidratar o IBGE e tirar do Censo questões fundamentais para o planejamento consistente do país, numa lógica absurda de economizar no presente para matar o futuro. Bolsonaro critica metodologia que mede índices de desemprego (“uma farsa”), questiona informações documentadas sobre desmatamento no país e duvida até mesmo do aquecimento global. Há quem diga que ele considera que a Terra é plana.
Minas Gerais, sob Zema, dá agora sua contribuição ao jogo feito para iludir o cidadão e se esquivar de responsabilidades. Dados sobre a criminalidade, divulgados esta semana pela Polícia Civil do estado, comemoram a diminuição da violência no primeiro semestre de governo. No entanto, embora tendo disponíveis as informações sobre feminicídios, essa modalidade de violência não foi incluída no relatório. É bom frisar: os feminicídios aumentaram 3,2% no primeiro semestre de 2019, em relação ao mesmo período do ano passado. E, como explicam os especialistas, trata-se de dados subnotificados. A realidade, certamente, é ainda mais grave.
Há pelo menos três consequências dessa atitude de mascaramento dos dados da realidade. Em primeiro lugar, a busca de acentuar bons resultados, o que demonstra pouca responsabilidade com a gestão pública. O papel do governo não é celebrar o fato de fazer seu trabalho – o que não é mais que obrigação – mas se planejar para prevenir e enfrentar problemas reais. Na área da segurança pública, sabemos que atitudes de combate e repressão ao crime só são sustentáveis quando combinadas com o enfrentamento das causas.
E é exatamente aí que está o segundo aspecto problemático da exclusão dos dados de feminicídio do balanço sobre a criminalidade. Nesse caso, as políticas públicas são fundamentais para a reversão dos riscos. Divulgar honestamente os dados, inclusive se esforçando para vencer a subnotificação, é atitude essencial em favor do estímulo à transformação cultural, única ação capaz de enfrentar o monstro do preconceito, do machismo, do patriarcado e da misoginia. Um governo que despreza a educação não tem como se dar bem nesse desafio.
A terceira consequência da omissão dos dados é a naturalização da violência contra as mulheres. E exatamente por se tratar de uma modalidade própria, com suas regras e estratégias cruéis também muito peculiares, que o feminicídio exige uma mudança estrutural nas formas de combate e controle. É preciso investir muito mais – e é papel do Estado – tanto nas políticas públicas de natureza cultural como na criação de novas estruturas, legislação, profissionais capacidade, conhecimento e mobilização social.
Resumindo: educação sem conhecimento crítico; meio ambiente considerado obstáculo ao desenvolvimento; ciência sem compromisso com o saber e com a sociedade; desrespeito aos dados da realidade em nome da propaganda ideológica. Trazemos na consciência a vergonha histórica de ser um país injusto. Agora chegamos ao pior dos mundos: o orgulho de ser uma nação de idiotas.
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