Foto: Luiza Castro/Sul21 |
“De boas intenções o inferno está cheio”
O governador Eduardo Leite, um jovem político que se preparou para ser um gestor diferenciado, tem usado a transparência e o diálogo, marcas da sua curta e profícua carreira política, para justificar os sacrifícios que pretende impor aos servidores públicos estaduais. E faz isto expondo os números da crise financeira do erário para deputados, sindicatos e imprensa. “É hora de mudar”, diz o documento publicitado pelo Palácio Piratini e denominado de Reforma Estrutural do Estado. E o material não deixa dúvidas sobre o foco de interesse e forma de atuação: o equilíbrio das contas públicas mediante a redução dos gastos com a folha de pagamento dos servidores públicos estaduais ativos e inativos e o aumento das suas alíquotas previdenciárias.
Pois bem, o que pretende ser uma ação saneadora e modernizadora tem feições de uma reprise de um filme que os gaúchos já assistiram em outros governos. Ou melhor, a continuidade de uma série de eventos malsucedidos. É o caso do aumento das alíquotas da previdência estadual, da extinção de estatais, da privatização de serviços públicos, da supressão de conquistas trabalhistas e tantas outras medidas impostas sob o argumento de serem imprescindíveis para a recuperação das finanças do Estado.
Foi assim em todos os governos com feições neoliberais. De Antônio Britto, passando por Germano Rigotto, Yeda Crusius, Sartori e, agora, Eduardo Leite. Mas não foi esta a única coincidência. Outra, importante, foi a de que todos eles tentaram a reeleição e não conseguiram. Com certeza por não terem cumprido com o que prometeram, equilibrar as contas do Estado. Mas deixaram seus legados de canibalização da máquina pública.
Pois é sobre esse espólio que o atual governo foca a sua mira impiedosa. Exagero? Pois essa foi a impressão deixada pelo presidente do Tribunal de Justiça, Carlos Duro, após ouvir o detalhamento das medidas que o Piratini pretende enviar à Assembleia Legislativa, classificando-as como “pesadas” e sugerindo o seu abrandamento.
Embora o governador se diga determinado a ouvir sugestões que contribuam com o texto original dos projetos de lei que serão propostos, são vários os indícios de que ele fala sério quando se refere a sua obstinação por cortar gastos com pessoal. A começar pelo momento em que se processa a tal reforma administrativa.
Propor a retirada de vantagens de servidores que há cinco anos tem seus salários congelados e pagos parceladamente, e com atraso, não pode ser considerado como algo normal, corriqueiro. Aliás, é bom lembrar ao governador que restam apenas dois meses para o término do prazo dado por ele para a regularização do pagamento dos salários dos servidores do Executivo.
Outro sintoma de que os fins justificam os meios é o fato de que a coordenação da reforma ter sido feita por técnicos de fora do estado, mais especificamente, pelos secretários da Fazenda, Marco Aurélio Cardoso, e do Planejamento, Leany Lemos. E que não chamem isso de preconceito ou de discriminação. É que para propor a mudança do plano de carreira do magistério, por exemplo, é preciso conhecer com profundidade os meandros históricos que resultaram naquela que é considerada pelos professores da rede pública estadual a sua maior conquista. Sem falar que o Estado não cumpre com sua obrigação de pagar o teto nacional para a categoria.
Como então podem então tratar a tal reforma como uma simples conta de chegada? Usar a frieza dos números para prejudicar quem já sofreu e perdeu tanto é mais do que uma prova de insensibilidade humana ou um ato de covardia, é uma crueldade desmesurada.
Adiciona-se a isto a intenção declarada do governador de atender as exigências do Tesouro Nacional para adesão do Rio Grande do Sul ao Regime de Recuperação Fiscal, todas elas afeitas ao perfil de um governo que defende o liberalismo econômico e que pouco se identifica com questões de ordem social. As reformas trabalhista e previdenciária são exemplos disso.
Para que não reste dúvida sobre sua obstinação reformadora, o governador reitera, a todo momento, que em hipótese alguma irá concorrer à reeleição. O equivale a dizer que pretende concluir o “serviço” nos seus quatro anos de governo. E pelo que estamos observando trata-se de uma meta passível de ser atingida, haja visto o apoio que vem recebendo da maioria dos deputados estaduais, da mídia e dos grandes empresários.
O curioso e inaceitável é que estes mesmos apoiadores são aqueles que usam o dinheiro público em benefício próprio, seja para pagar seus altos salários ou patrocinar suas campanhas eleitorais; seja para economizar no pagamento de impostos e tributos, mediante isenções e incentivos fiscais; ou seja para se beneficiarem das polpudas verbas da propaganda governamental.
Triste a sina dos servidores públicos. Primeiro tiraram-lhes o orgulho. Depois o entusiasmo. Extinguiram seus empregos. Subtraíram suas conquistas. Reduziram seus salários, que passam a ser pagos com atraso e parceladamente. E agora querem acabar com a sua dignidade, transformando-os em sobreviventes do serviço público. E ainda tem quem os classifique de algozes, responsáveis pelo caos financeiro do Estado, quando na verdade não passam de vítimas de um sistema onde o “vil metal” vale mais do que uma vida humana. E preservar e melhorar a vida das pessoas é o que dá sentido e justifica a existência do serviço e do servidor público.
Como alento, os servidores públicos do Rio Grande do Sul tem a seu favor a tradição de luta da categoria. Outros tentaram acabar com o serviço público e encontraram no trabalhador um obstáculo intransponível. Não será desta vez que isso acontecerá. Bom combate.
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