Por Agnes Franco, no site da Fundação Perseu Abramo:
A COP-25 foi muito aquém do esperado. E, diferentemente de um passado pouco distante, em que o Brasil impulsionava as metas mais ambiciosas em favor da redução da emissão de Gases do Efeito Estufa (GEEs), desta vez o protagonismo foi às avessas: tratado como “párea” ou “uma ameaça à vida”, o Brasil foi o maior destaque negativo desta Conferência das Partes (COP), a órgão máximo e decisório da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC).
Contexto
Hoje, a Terra está 1°C mais quente do que estava no período pré-industrial, graças a fatores antrópicos, em especial ao aumento da emissão de GEEs (Gases do Efeito Estufa), principalmente do CO2 (carbono) e do CH4 (metano) e N²O (óxido nitroso, muito presente nos fertilizantes). Dentre as principais causas que contribuem estão: queima de combustível fóssil (petróleo, carvão e gás natural), atividades industriais e de transporte, conversão do uso do solo, agropecuária, descarte de resíduos sólidos (lixo) e desmatamento(1). No Brasil, o que mais contribui com a emissão de gases é a derrubada das florestas.
Relatórios científicos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) alertam para a possibilidade de 120 milhões de pessoas a mais na linha de pobreza por consequência das mudanças climáticas, milhões de mortos pela fome e aumento do nível dos mares, além dos quase dois bilhões de seres humanos que deverão enfrentar escassez hídrica. Isso sem citar a já constatada alta na acidez dos oceanos, que, somada a seu aquecimento, pode resultar no breve fim de cerca de 30% de todas as espécies, além da extinção completa de todos os recifes de corais em um período que pode variar de vinte a setenta anos. Isso causaria uma extinção ainda maior da vida marinha, e, portanto, de toda a cadeia ecológica do globo.
Relatórios científicos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) alertam para a possibilidade de 120 milhões de pessoas a mais na linha de pobreza por consequência das mudanças climáticas, milhões de mortos pela fome e aumento do nível dos mares, além dos quase dois bilhões de seres humanos que deverão enfrentar escassez hídrica. Isso sem citar a já constatada alta na acidez dos oceanos, que, somada a seu aquecimento, pode resultar no breve fim de cerca de 30% de todas as espécies, além da extinção completa de todos os recifes de corais em um período que pode variar de vinte a setenta anos. Isso causaria uma extinção ainda maior da vida marinha, e, portanto, de toda a cadeia ecológica do globo.
Para estas e outras catástrofes já vividas (como redução de pescados, tempestades e temperaturas mais extremas, por exemplo), o mundo precisa fazer um esforço conjunto para segurar a temperatura em até 1,5°C acima da medição durante o período pré-industrial até 2030 (apesar de ser quase consenso na comunidade científica de que este cenário ainda é bastante arriscado). O Acordo de Paris, assinado em 2015, projetava a contenção da temperatura em até 2°C, entretanto, as recentes pesquisas são categóricas prevendo que se passar de 1,5°C, a vida e a sociedade humana como se conhece estarão inviabilizadas.
E foi neste clima de incertezas - e de indecisões - que se realizou a COP-25, do dia 1o a 15 de dezembro em Madri, Espanha, ainda sob a Presidência do Chile que, três semanas antes do encontro mundial. alegou impossibilidade de acolher a COP-25 devido a instabilidade política e social. Vale lembrar que a conferência, inicialmente, era para ter ocorrido no Brasil, que declinou quase que imediatamente após a posse de Bolsonaro.
O Brasil e a COP-25
O Brasil e a COP-25
Premiado com o “Fóssil do Ano” (simbolicamente atribuído por acadêmicos e ONGs ao país que mais atrapalhou os avanços nas negociações), o Brasil agiu de forma pouco diplomática e imatura, e foi digno do prêmio. Enquanto uma multidão de jornalistas seguia Greta Thunberg, ativista sueca de 16 anos considerada a personalidade do ano pela revista Time, o presidente brasileiro presenteava a jovem liderança com adjetivo pouco polido: “pirralha”.
Seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, participava de reuniões extremamente técnicas, destinadas a especialistas (geralmente convidados pelos países para ajudar nessas negociações, e que neste ano o Brasil dispensou) pedindo dinheiro onde e com quem não se deveria tratar de finanças (nas negociações da COP as reuniões tratam de assuntos muito específicos). Agia, como disse Márcio Astrini, coordenador de políticas públicas do Greenpeace – Brasil, como um sequestrador que exige dinheiro em troca da segurança da vítima – nesse caso, a Amazônia.
O problema é que o Brasil tinha dinheiro, mas Ricardo Salles abriu mão. Em um passado pouco distante, no ano de 2014, com Dilma na Presidência, o Brasil foi premiado pela ONU por redução de desmatamento. Durante os governos petistas reduziu em 80% a derrubada de florestas, conforme lembrado por Marina Silva durante a Conferência. A conquista se deu por meio de diversas políticas implementadas, entre elas, o Fundo da Amazônia, por meio do qual o Brasil recebeu cerca de três bilhões de reais da Alemanha e Noruega, recurso recusado por Salles e que havia promovido centenas de artigos científicos, geração de trabalho e renda, e muitas, muitas espécies preservadas. Paradoxalmente, da boca de Salles o que se ouvia era sempre relacionado a recursos e mercado de carbono. E da comunidade internacional, infinitos questionamentos acerca do assassinato de líderes indígenas e dos retrocessos na agenda ambiental brasileira.
Ademais, pela primeira vez em 24 anos de COPs o Brasil abriu mão de ter um estande institucional. Já era tradição que os conferencistas visitassem o estande do país que a cada ano mais se destacava nas negociações. Para que a vergonha não fosse completa, e também sinalizando ao mundo que, apesar do governo, a sociedade civil resistia, o Instituto Clima e Sociedade (ICS) organizou um estande dentro da área oficial dos encontros, a zona azul (em referência à cor das vestes que seguranças da ONU usam). O Brazil Climate Action Hub acolheu centenas de brasileiros que compartilharam dados científicos, experiências socioambientais bem sucedidas e políticas públicas. Prefeitas amazonenses, Fórum Popular da Natureza, Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), povos indígenas; coletivas de imprensa, mesa de debate, palestras: absolutamente todos foram acolhidos prontamente pelo único “ponto de encontro” com brasileiros nesta conferência.
O próprio ministro do Meio Ambiente, que jamais poupou ONGs de críticas, usou o espaço, e, mais uma vez, agiu de forma nada diplomática: a atividade que fora anunciada pela imprensa como “diálogo” entre o ministro e a sociedade civil teve a presença de Salles por pouco mais que dez minutos. Aparentemente, nem a presença de duas ex-ministras (Izabella Teixeira e Marina Silva), ou dos líderes parlamentares da Comissão e da Frente de Meio Ambiente da Câmara Federal (Rodrigo Agostinho, PSB, e Nilto Tatto, PT), tampouco de pessoas como Márcio Astrini (Greenpeace), Mário Mantovani (SOS Mata Atlântica) ou Sonia Guajajara (Psol) fizeram o ministro enfrentar o tal diálogo.
O mercado de carbono
O problema é que o Brasil tinha dinheiro, mas Ricardo Salles abriu mão. Em um passado pouco distante, no ano de 2014, com Dilma na Presidência, o Brasil foi premiado pela ONU por redução de desmatamento. Durante os governos petistas reduziu em 80% a derrubada de florestas, conforme lembrado por Marina Silva durante a Conferência. A conquista se deu por meio de diversas políticas implementadas, entre elas, o Fundo da Amazônia, por meio do qual o Brasil recebeu cerca de três bilhões de reais da Alemanha e Noruega, recurso recusado por Salles e que havia promovido centenas de artigos científicos, geração de trabalho e renda, e muitas, muitas espécies preservadas. Paradoxalmente, da boca de Salles o que se ouvia era sempre relacionado a recursos e mercado de carbono. E da comunidade internacional, infinitos questionamentos acerca do assassinato de líderes indígenas e dos retrocessos na agenda ambiental brasileira.
Ademais, pela primeira vez em 24 anos de COPs o Brasil abriu mão de ter um estande institucional. Já era tradição que os conferencistas visitassem o estande do país que a cada ano mais se destacava nas negociações. Para que a vergonha não fosse completa, e também sinalizando ao mundo que, apesar do governo, a sociedade civil resistia, o Instituto Clima e Sociedade (ICS) organizou um estande dentro da área oficial dos encontros, a zona azul (em referência à cor das vestes que seguranças da ONU usam). O Brazil Climate Action Hub acolheu centenas de brasileiros que compartilharam dados científicos, experiências socioambientais bem sucedidas e políticas públicas. Prefeitas amazonenses, Fórum Popular da Natureza, Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), povos indígenas; coletivas de imprensa, mesa de debate, palestras: absolutamente todos foram acolhidos prontamente pelo único “ponto de encontro” com brasileiros nesta conferência.
O próprio ministro do Meio Ambiente, que jamais poupou ONGs de críticas, usou o espaço, e, mais uma vez, agiu de forma nada diplomática: a atividade que fora anunciada pela imprensa como “diálogo” entre o ministro e a sociedade civil teve a presença de Salles por pouco mais que dez minutos. Aparentemente, nem a presença de duas ex-ministras (Izabella Teixeira e Marina Silva), ou dos líderes parlamentares da Comissão e da Frente de Meio Ambiente da Câmara Federal (Rodrigo Agostinho, PSB, e Nilto Tatto, PT), tampouco de pessoas como Márcio Astrini (Greenpeace), Mário Mantovani (SOS Mata Atlântica) ou Sonia Guajajara (Psol) fizeram o ministro enfrentar o tal diálogo.
O mercado de carbono
Atrasando as negociações, o Brasil foi empecilho em diversos temas da redação final. A regulação do mercado de carbono (item 6 do Acordo de Paris) foi um dos principais pontos de divergência. O acordo internacional que regula esse mercado prevê que países que emitem mais carbono possam pagar para países que emitem menos como forma compensatória, ou, ainda, transferir os créditos de carbono de um país para outro, garantindo assim que cada nação mantenha suas metas. Na prática, é um mecanismo que, ao invés de promover alteração das matrizes energéticas, permite que países ricos sigam poluindo enquanto os mais pobres precisam se adequar.
Além disso, como todo mercado, oferece maior ou menor vantagem para cada país. O valor da tonelada de carbono pode ser até 150% maior ou menor em diferentes continentes, por exemplo. Nesse sentido, o Brasil defendeu em Madri a chamada “dupla contagem”, ou seja: que tanto os países que vendam os créditos, quanto os que compram, contabilizem o carbono. De fato, o acordo de Paris deixou uma brecha permitindo tal procedimento, mas há quase um consenso internacional de que este item precisa de alteração, visto que, se mantido, a contagem real será a metade da contagem oficial. Parafraseando Nilto Tatto, coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista na Câmara Federal, que acusou Ricardo Salles de ser “o novo bandeirante”, os defensores da dupla contagem se comportam de modo semelhante aos antigos escravagistas, argumentando que o investimento feito neste mercado precisa ser compensado e que, portanto, as regras não devem mudar – independentemente do quão antiético, antissocial e ecocida isso seja aos olhos de quase todo o planeta.
Ricardo Salles esteve em um encontro climático em nome do mercado financeiro. Conseguiu, junto a países como Estados Unidos e Índia, garantir por mais um ano esse modelo insustentável. Este ponto voltará à pauta em 2020, na Escócia, na COP-26, considerada a mais importante de toda a história, por ser a data limite para acordos mais “ambiciosos”, e que, ao que tudo indica, será fortemente cobrado pela sociedade civil e pesquisadores.
Conclusão
A COP-25 foi não foi bem sucedida e não sinalizou o que o mundo esperava, ao contrário: premiou 200 pessoas com a expulsão do evento após uma pacífica manifestação que não havia sido previamente aprovada. Os povos indígenas foram pouco ouvidos, mas, muito presentes. Um relatório publicado pelo IPCC em setembro deste ano reconhece, enfaticamente, a importância da integração dos estudos científicos com os conhecimentos dos povos tradicionais para conter as mudanças climáticas, e a sociedade civil vem cobrando das lideranças mundiais tal integração. Em Glasgow, na COP-26, os países devem apresentar metas mais ambiciosas. De modo geral, os mais otimistas comemoraram não ter havido retrocessos, e acreditam que em 2020 os países possam estar convencidos do que a ciência e os povos tradicionais vêm alertando há décadas: o modelo de nossa sociedade é uma bomba-relógio que precisa ser desativada.
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