Por Fernando Nogueira da Costa, no site Carta Maior:
O vício de desejos materiais resulta em um estado de insatisfação contínua em lugar de uma boa vida. Quem continuamente almeja mais riqueza e status, comparando-se com outros (e “quem compara sempre perde”), tem sintomas de comportamento viciado: esse estado psicológico não melhora com maior capacidade de gastar e exibir.
Para a Economia da Felicidade, são necessárias políticas públicas para diminuir os índices de divórcio, desemprego, saúde física e mental. Eles dão mais pistas sobre o bem-estar social em lugar do PIB. Descobriu uma separação conjugal ter efeito tão negativo sobre o bem-estar quanto a perda de 2/3 de seus rendimentos. Quando eu disse isso, um aluno me retrucou: – O que é isso, professor?! É perda total!
S.nob era a sigla ao lado do nome de cada aluno, nas listas de presença de Cambridge/Oxford, não pertencente à nobreza inglesa. Invertendo o sentido, passou a designar a pessoa com sentimento exacerbado de ser superior às demais, desprezando o convívio com quem é humilde. Geralmente, copia ou mimetiza os hábitos de quem tem prestígio social por ser membro da “classe alta”. Os esnobes humilham o povo.
Gastos esnobes são destinados a destacar a posição social. Classificam-se os bens adquiridos sob três critérios de acordo com a “idade mental” dos consumidores.
Primeiro, típicos da idade infantil, estão os “bens da moda”. São desejados porque outros já os possuem, ou seja, em função de inveja: querer ter igual aos outros.
Depois, referentes à idade adolescente, estão os “bens esnobes”. São desejados porque os outros não os possuem. Trata-se do desejo de ser diferente, exclusivo, de se “destacar da multidão” pelo gosto peculiar.
Finalmente, ligados à idade senil, estão os “bens de consumo conspícuo”, facilmente notados. A designação aparece na Teoria da Classe Ociosa, livro de autoria de Thorstein Veblen (1857-1929), cuja primeira edição é de 1899, na Era dos Barões Ladrões nos Estados Unidos. São desejados porque são reconhecidos como caros.
Os “economistas pesquisadores da felicidade” dizem o maior estado de felicidade ser proporcionado pelos relacionamentos afetivos pessoais, ou seja, com a família, o(a) companheiro(a), os filhos e os amigos. O sentimento de fazer algo de útil ou altruísta também é muito gratificante. O amor desinteressado ao próximo aparece, por exemplo, em uma relação professor/mestre/mentor e aluno/discípulo/seguidor. Quando as perdemos, percebemos a importância crucial da liberdade e da saúde.
Para uma vida boa duradoura, são necessários para todos os cidadãos em todo mundo:
1. Saúde: não ter impedimento físico do corpo;
2. Segurança: não sofrer por violência física ou econômica;
3. Personalidade: ter espaço privado para se assumir plenamente;
4. Respeito: ser mútuo, com tolerância e civilidade nas relações interpessoais;
5. Harmonia com a Natureza: fundamental ao animal humano para sua transcendência;
6. Amizade: afeto desinteressado, com igualdade e solidariedade;
7. Lazer: atividade criativa em lugar de trabalho alienante.
Transcendente e imanente são conceitos antagônicos. Transcendente seria aquilo além do estado material, pertencente ao mundo espiritual, cujo fim seria externo a si mesmo. Imanente, por sua vez, representa uma realidade material. Ela é conhecida e experimentada de imediato. Nós a explicamos com a utilização dos nossos sentidos.
Finanças Comportamentais alertam contra o Viés da Auto Atribuição de Riqueza. Ao se priorizar o dinheiro acima de tudo, querendo ter mais para gastar em consumo de luxo, as pessoas fazem escolhas equivocadas, inclusive financeiras, de modo sistemático.
A Heurística da Afeição aparece em investimentos passionais. Trata-se do apego irracional em relação a qualquer propriedade de coleção. Surge por conta da memória afetiva, porque as respostas sentimentais à determinada possibilidade da perda da posse ocorrem rápida e automaticamente. O Efeito da Dotação é exigir para vender valor mais alto em relação ao disposto a pagar para comprar.
Como tentativa de medição desse Viés da Auto Atribuição de Riqueza, pesquisei quantas pessoas se sentem milionárias no Brasil pela posse de suas moradias. Esse item é descartado nos rankings internacionais de riqueza pessoal por não representar liquidez imediata e/ou comando de decisões econômico-financeiras. Quando se vende a residência principal, em geral, se tem o propósito de substituí-la.
No dia 6 de dezembro de 2019, registravam-se 660.490 imóveis à venda no ZapImóveis com valor a partir de um milhão de reais. Comparei com o registrado na última DIRPF 2018 AC 2017: 672.578 milionários em bens e direitos per capita correspondentes à faixa mensal acima de 30 salários mínimos, ou seja, ao 1% mais rico no Brasil.
Porém, há a seguinte observação crucial: apartamentos e casas foram declarados em valores históricos de R$ 2,325 trilhões pelos 29 milhões declarantes, equivalendo a 26% do total de R$ 8,918 trilhões em bens e serviços. Junto com outros imóveis somavam 38%. Veículos (R$ 599 bilhões) representavam 7%. Portanto, o restante (R$ 4,9 trilhões), classificado latu sensu como ativos financeiros, equivalia a 55% dos bens.
Comparativamente, joia, quadro, objeto de arte, de coleção, antiguidade, etc. somados foram declarados valer R$ 14,3 bilhões. Socialmente, são inexpressivos na função “reserva de valor” como se prestam os produtos financeiros. Mas servem para esnobar!
No Viés de Auto Atribuição de Riqueza é necessário sempre um discurso justificador de seu valor fictício ou imaginário. Atribuir um valor para um bem supérfluo tem a função psicossocial de esnobar.
O Éthos dos brasileiros, aparentemente, seria a mistura. No entanto, o Éthos dos ricaços, historicamente, é a busca de exclusividade. Obtida a mobilidade social, eles desejam se distinguir da “plebe rude”.
No passado, esta era escrava, fazia o trabalho manual. Hoje, os ricaços tentam passar um verniz “cultural” em rápidas pinceladas de consumo de luxo para demonstrar uma distinção em lugar de ter consciência social, altruísmo e empatia com os mais pobres.
O Éthos também exprime o conjunto de valores característicos de um movimento cultural ou de uma obra de arte. Nesse caso, os multimilionários buscam curadores para adquirir pinturas decorativas de suas mansões de luxo. Além disso, alguns as usam para “lavar dinheiro-sujo” ou sonegado ao fisco.
A desaceleração econômica levou à queda do número de milionários e bilionários no mundo no ano passado. Encolheu 4,3%, e a fortuna ficou em US$ 8,5 trilhões, segundo pesquisa global PwC-UBS. No Brasil, o número de afortunados avançou de 42 para 58 pessoas e a fortuna somada avançou de US$ 176 bilhões para US$ 180 bilhões.
Pela Forbes, o número de bilionários brasileiros em reais se elevou de 180 em 2018 para 206 em 2019. A fortuna deles passou de R$ 975,6 bilhões para R$ 1.205,8 bilhões. Compara-se com a riqueza financeira dos 118 mil clientes Private Banking precificada em R$ 1,225 trilhão pela ANBIMA. O Itaú lidera, detendo mais de 30% desse mercado.
O acúmulo de fortunas avança devido a operações de fusões e aquisições de empresas, abertura de capital (IPO) e empreendedorismo de alto impacto como o das startups e das fintechs. Mas, na verdade, cresce mais o número pela morte de velhos bilionários e fracionamento de seus bilhões entre os herdeiros.
A nova geração de milionários em renda vem especialmente de pequenos empresários, médicos, herdeiros e executivos de grandes companhias. Os millennials, nascidos entre 1981 e 1996, representam 27% do mercado global de luxo. A expectativa é eles corresponderem a 40% da clientela desse universo em 2025. A autoimagem almejada pelos novos ricos é eles terem mais consciência social, ambiental e ética de consumo.
O segmento do mercado de consumo de luxo passou ao largo da crise. Tem comportamento descolado. Um dos motivos foi o crescimento de 8,4% do rendimento médio do grupo 1% mais rico, segundo o IBGE. No ano passado, 14 mil brasileiros entraram para o grupo dos possuidores patrimônio superior a US$ 1 milhão, conforme a consultoria Capgemini. Hoje, há 186 mil milionários em dólares no Brasil.
A alta gastronomia e os hotéis de luxo representam apenas 4% do mercado de luxo. Só acima de champanhes, vinhos finos e destilados premium, correspondentes a 3%. Responsável por 51% desse universo, o segmento maior é o de carros de luxos. As marcas de roupas, sapatos, joias, óculos, relógios, canetas e cosméticos respondem pelos 42% restantes.
A indústria do luxo brasileira, segundo a Euromonitor International, tem faturamento anual de R$ 28,5 bilhões. É um “arredondamento” nominal do estoque de R$ 1,225 trilhão do estoque de riqueza financeira do Private. Impressiona só em termos micros.
O resultado representa crescimento de 13,5% em comparação a 2014. O desempenho foi alavancado principalmente pela indústria automotiva e pelo segmento do qual a moda faz parte, sobretudo em razão das vendas de perfumes e peças de roupa.
“Cultura” exibicionista também é a enogastronomia com direito a selfie para mostrar aos outros. Ponto de convergência entre os prazeres da mesa, o senso de aventura e a conexão com a natureza, visitar e comer em lugar exótico é a tendência em alta. Em roteiro de 12 dias, a parte terrestre fica a partir de U$ 14,7 mil por pessoa.
O mercado de turismo de luxo faturou no ano passado R$ 870 milhões no Brasil. Só.
Para comparar, o mercado mundial de vinhos premium é estimado em US$ 71 bilhões por ano, pela consultoria inglesa Bain & Company. Virou moda entre novos ricos mimetizar, ou melhor, macaquear os sommeliers.
Os automóveis representam metade da receita total das vendas no segmento de luxo, mas apenas 2% das vendas totais de veículos no país são de premium como Mercedes-Benz, BMW, Audi, Kia, Volvo, Land Rover, Mini, Porsche, Jaguar e Lexus. No ano de 2018, a Mercedes-Benz emplacou 12.131 unidades no país. Foram vendidos 11.375 de carros BMW, custando entre R$ 165.950 e R$ 799.950. Cada uma dessas duas marcas responde por cerca de 25% do segmento das montadoras de luxo.
O conceito de “segunda residência” se refere à casa para fins de semana e férias. Além de contar com todo o complexo de lazer de uma fazenda de luxo – cavalos, trilhas, campos de golfe, de polo, quadra de tênis, espaço para triatlo, ciclismo e lago voltado para natação –, há a novidade de piscina com ondas de até 2,70 metros de altura. Um achado para os surfistas do campo esnobarem!
É para quem pode dispor de, no mínimo, R$ 2,5 milhões para viver uma experiência capaz de ultrapassar o simples ato de comprar um bom imóvel. Almeja ter uma casa exibicionista de um estilo de vida de luxo e glamour, diferenciada da medíocre vidinha besta da plebe rude.
Iates e lanchas custam a partir de R$ 3 milhões. Há estaleiro cujo ticket médio está em torno de R$ 6,5 milhões. Quanto mais caro, melhor é para exibir!
Na aviação executiva, o luxo é uma marca para se distinguir. Por exemplo, o Phenom 100, jatinho da Embraer mais usado no país, com 86 unidades voando, custa US$ 4,5 milhões. O cliente tem 11 opções de design de interior para se distinguir dos outros.
Dos 5.570 municípios do país, 1.110 são acessíveis por jatinhos particulares. A aviação comercial atende pouco mais de 140 cidades. No total, são cerca de 11.800 aeronaves executivas em operação, a terceira maior frota do mundo. Depois da turbulência da crise golpista, quando o segundo lugar foi para o México – a maior frota é a dos EUA –, o agronegócio é o principal propulsor do avanço nesse setor, seguido por varejistas como Magazine Luiza, Havan e jogadores de futebol. Neymar optou pelo helicóptero ACH145, com preço básico de US$ 11 milhões. Gente de bens...
Enfim, o mercado de luxo impressiona em termos individuais, mas é irrisório em comparação com agregados macroeconômicos. É “queima” de reserva de valor para os ricaços, mas pouco agrega socialmente. É muito inferior ao potencial de uma economia de escala com mercado de consumo massivo constituído pela quinta maior população do mundo, caso houvesse menor concentração de renda e riqueza.
* Fernando Nogueira da Costa é professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018).
O vício de desejos materiais resulta em um estado de insatisfação contínua em lugar de uma boa vida. Quem continuamente almeja mais riqueza e status, comparando-se com outros (e “quem compara sempre perde”), tem sintomas de comportamento viciado: esse estado psicológico não melhora com maior capacidade de gastar e exibir.
Para a Economia da Felicidade, são necessárias políticas públicas para diminuir os índices de divórcio, desemprego, saúde física e mental. Eles dão mais pistas sobre o bem-estar social em lugar do PIB. Descobriu uma separação conjugal ter efeito tão negativo sobre o bem-estar quanto a perda de 2/3 de seus rendimentos. Quando eu disse isso, um aluno me retrucou: – O que é isso, professor?! É perda total!
S.nob era a sigla ao lado do nome de cada aluno, nas listas de presença de Cambridge/Oxford, não pertencente à nobreza inglesa. Invertendo o sentido, passou a designar a pessoa com sentimento exacerbado de ser superior às demais, desprezando o convívio com quem é humilde. Geralmente, copia ou mimetiza os hábitos de quem tem prestígio social por ser membro da “classe alta”. Os esnobes humilham o povo.
Gastos esnobes são destinados a destacar a posição social. Classificam-se os bens adquiridos sob três critérios de acordo com a “idade mental” dos consumidores.
Primeiro, típicos da idade infantil, estão os “bens da moda”. São desejados porque outros já os possuem, ou seja, em função de inveja: querer ter igual aos outros.
Depois, referentes à idade adolescente, estão os “bens esnobes”. São desejados porque os outros não os possuem. Trata-se do desejo de ser diferente, exclusivo, de se “destacar da multidão” pelo gosto peculiar.
Finalmente, ligados à idade senil, estão os “bens de consumo conspícuo”, facilmente notados. A designação aparece na Teoria da Classe Ociosa, livro de autoria de Thorstein Veblen (1857-1929), cuja primeira edição é de 1899, na Era dos Barões Ladrões nos Estados Unidos. São desejados porque são reconhecidos como caros.
Os “economistas pesquisadores da felicidade” dizem o maior estado de felicidade ser proporcionado pelos relacionamentos afetivos pessoais, ou seja, com a família, o(a) companheiro(a), os filhos e os amigos. O sentimento de fazer algo de útil ou altruísta também é muito gratificante. O amor desinteressado ao próximo aparece, por exemplo, em uma relação professor/mestre/mentor e aluno/discípulo/seguidor. Quando as perdemos, percebemos a importância crucial da liberdade e da saúde.
Para uma vida boa duradoura, são necessários para todos os cidadãos em todo mundo:
1. Saúde: não ter impedimento físico do corpo;
2. Segurança: não sofrer por violência física ou econômica;
3. Personalidade: ter espaço privado para se assumir plenamente;
4. Respeito: ser mútuo, com tolerância e civilidade nas relações interpessoais;
5. Harmonia com a Natureza: fundamental ao animal humano para sua transcendência;
6. Amizade: afeto desinteressado, com igualdade e solidariedade;
7. Lazer: atividade criativa em lugar de trabalho alienante.
Transcendente e imanente são conceitos antagônicos. Transcendente seria aquilo além do estado material, pertencente ao mundo espiritual, cujo fim seria externo a si mesmo. Imanente, por sua vez, representa uma realidade material. Ela é conhecida e experimentada de imediato. Nós a explicamos com a utilização dos nossos sentidos.
Finanças Comportamentais alertam contra o Viés da Auto Atribuição de Riqueza. Ao se priorizar o dinheiro acima de tudo, querendo ter mais para gastar em consumo de luxo, as pessoas fazem escolhas equivocadas, inclusive financeiras, de modo sistemático.
A Heurística da Afeição aparece em investimentos passionais. Trata-se do apego irracional em relação a qualquer propriedade de coleção. Surge por conta da memória afetiva, porque as respostas sentimentais à determinada possibilidade da perda da posse ocorrem rápida e automaticamente. O Efeito da Dotação é exigir para vender valor mais alto em relação ao disposto a pagar para comprar.
Como tentativa de medição desse Viés da Auto Atribuição de Riqueza, pesquisei quantas pessoas se sentem milionárias no Brasil pela posse de suas moradias. Esse item é descartado nos rankings internacionais de riqueza pessoal por não representar liquidez imediata e/ou comando de decisões econômico-financeiras. Quando se vende a residência principal, em geral, se tem o propósito de substituí-la.
No dia 6 de dezembro de 2019, registravam-se 660.490 imóveis à venda no ZapImóveis com valor a partir de um milhão de reais. Comparei com o registrado na última DIRPF 2018 AC 2017: 672.578 milionários em bens e direitos per capita correspondentes à faixa mensal acima de 30 salários mínimos, ou seja, ao 1% mais rico no Brasil.
Porém, há a seguinte observação crucial: apartamentos e casas foram declarados em valores históricos de R$ 2,325 trilhões pelos 29 milhões declarantes, equivalendo a 26% do total de R$ 8,918 trilhões em bens e serviços. Junto com outros imóveis somavam 38%. Veículos (R$ 599 bilhões) representavam 7%. Portanto, o restante (R$ 4,9 trilhões), classificado latu sensu como ativos financeiros, equivalia a 55% dos bens.
Comparativamente, joia, quadro, objeto de arte, de coleção, antiguidade, etc. somados foram declarados valer R$ 14,3 bilhões. Socialmente, são inexpressivos na função “reserva de valor” como se prestam os produtos financeiros. Mas servem para esnobar!
No Viés de Auto Atribuição de Riqueza é necessário sempre um discurso justificador de seu valor fictício ou imaginário. Atribuir um valor para um bem supérfluo tem a função psicossocial de esnobar.
O Éthos dos brasileiros, aparentemente, seria a mistura. No entanto, o Éthos dos ricaços, historicamente, é a busca de exclusividade. Obtida a mobilidade social, eles desejam se distinguir da “plebe rude”.
No passado, esta era escrava, fazia o trabalho manual. Hoje, os ricaços tentam passar um verniz “cultural” em rápidas pinceladas de consumo de luxo para demonstrar uma distinção em lugar de ter consciência social, altruísmo e empatia com os mais pobres.
O Éthos também exprime o conjunto de valores característicos de um movimento cultural ou de uma obra de arte. Nesse caso, os multimilionários buscam curadores para adquirir pinturas decorativas de suas mansões de luxo. Além disso, alguns as usam para “lavar dinheiro-sujo” ou sonegado ao fisco.
A desaceleração econômica levou à queda do número de milionários e bilionários no mundo no ano passado. Encolheu 4,3%, e a fortuna ficou em US$ 8,5 trilhões, segundo pesquisa global PwC-UBS. No Brasil, o número de afortunados avançou de 42 para 58 pessoas e a fortuna somada avançou de US$ 176 bilhões para US$ 180 bilhões.
Pela Forbes, o número de bilionários brasileiros em reais se elevou de 180 em 2018 para 206 em 2019. A fortuna deles passou de R$ 975,6 bilhões para R$ 1.205,8 bilhões. Compara-se com a riqueza financeira dos 118 mil clientes Private Banking precificada em R$ 1,225 trilhão pela ANBIMA. O Itaú lidera, detendo mais de 30% desse mercado.
O acúmulo de fortunas avança devido a operações de fusões e aquisições de empresas, abertura de capital (IPO) e empreendedorismo de alto impacto como o das startups e das fintechs. Mas, na verdade, cresce mais o número pela morte de velhos bilionários e fracionamento de seus bilhões entre os herdeiros.
A nova geração de milionários em renda vem especialmente de pequenos empresários, médicos, herdeiros e executivos de grandes companhias. Os millennials, nascidos entre 1981 e 1996, representam 27% do mercado global de luxo. A expectativa é eles corresponderem a 40% da clientela desse universo em 2025. A autoimagem almejada pelos novos ricos é eles terem mais consciência social, ambiental e ética de consumo.
O segmento do mercado de consumo de luxo passou ao largo da crise. Tem comportamento descolado. Um dos motivos foi o crescimento de 8,4% do rendimento médio do grupo 1% mais rico, segundo o IBGE. No ano passado, 14 mil brasileiros entraram para o grupo dos possuidores patrimônio superior a US$ 1 milhão, conforme a consultoria Capgemini. Hoje, há 186 mil milionários em dólares no Brasil.
A alta gastronomia e os hotéis de luxo representam apenas 4% do mercado de luxo. Só acima de champanhes, vinhos finos e destilados premium, correspondentes a 3%. Responsável por 51% desse universo, o segmento maior é o de carros de luxos. As marcas de roupas, sapatos, joias, óculos, relógios, canetas e cosméticos respondem pelos 42% restantes.
A indústria do luxo brasileira, segundo a Euromonitor International, tem faturamento anual de R$ 28,5 bilhões. É um “arredondamento” nominal do estoque de R$ 1,225 trilhão do estoque de riqueza financeira do Private. Impressiona só em termos micros.
O resultado representa crescimento de 13,5% em comparação a 2014. O desempenho foi alavancado principalmente pela indústria automotiva e pelo segmento do qual a moda faz parte, sobretudo em razão das vendas de perfumes e peças de roupa.
“Cultura” exibicionista também é a enogastronomia com direito a selfie para mostrar aos outros. Ponto de convergência entre os prazeres da mesa, o senso de aventura e a conexão com a natureza, visitar e comer em lugar exótico é a tendência em alta. Em roteiro de 12 dias, a parte terrestre fica a partir de U$ 14,7 mil por pessoa.
O mercado de turismo de luxo faturou no ano passado R$ 870 milhões no Brasil. Só.
Para comparar, o mercado mundial de vinhos premium é estimado em US$ 71 bilhões por ano, pela consultoria inglesa Bain & Company. Virou moda entre novos ricos mimetizar, ou melhor, macaquear os sommeliers.
Os automóveis representam metade da receita total das vendas no segmento de luxo, mas apenas 2% das vendas totais de veículos no país são de premium como Mercedes-Benz, BMW, Audi, Kia, Volvo, Land Rover, Mini, Porsche, Jaguar e Lexus. No ano de 2018, a Mercedes-Benz emplacou 12.131 unidades no país. Foram vendidos 11.375 de carros BMW, custando entre R$ 165.950 e R$ 799.950. Cada uma dessas duas marcas responde por cerca de 25% do segmento das montadoras de luxo.
O conceito de “segunda residência” se refere à casa para fins de semana e férias. Além de contar com todo o complexo de lazer de uma fazenda de luxo – cavalos, trilhas, campos de golfe, de polo, quadra de tênis, espaço para triatlo, ciclismo e lago voltado para natação –, há a novidade de piscina com ondas de até 2,70 metros de altura. Um achado para os surfistas do campo esnobarem!
É para quem pode dispor de, no mínimo, R$ 2,5 milhões para viver uma experiência capaz de ultrapassar o simples ato de comprar um bom imóvel. Almeja ter uma casa exibicionista de um estilo de vida de luxo e glamour, diferenciada da medíocre vidinha besta da plebe rude.
Iates e lanchas custam a partir de R$ 3 milhões. Há estaleiro cujo ticket médio está em torno de R$ 6,5 milhões. Quanto mais caro, melhor é para exibir!
Na aviação executiva, o luxo é uma marca para se distinguir. Por exemplo, o Phenom 100, jatinho da Embraer mais usado no país, com 86 unidades voando, custa US$ 4,5 milhões. O cliente tem 11 opções de design de interior para se distinguir dos outros.
Dos 5.570 municípios do país, 1.110 são acessíveis por jatinhos particulares. A aviação comercial atende pouco mais de 140 cidades. No total, são cerca de 11.800 aeronaves executivas em operação, a terceira maior frota do mundo. Depois da turbulência da crise golpista, quando o segundo lugar foi para o México – a maior frota é a dos EUA –, o agronegócio é o principal propulsor do avanço nesse setor, seguido por varejistas como Magazine Luiza, Havan e jogadores de futebol. Neymar optou pelo helicóptero ACH145, com preço básico de US$ 11 milhões. Gente de bens...
Enfim, o mercado de luxo impressiona em termos individuais, mas é irrisório em comparação com agregados macroeconômicos. É “queima” de reserva de valor para os ricaços, mas pouco agrega socialmente. É muito inferior ao potencial de uma economia de escala com mercado de consumo massivo constituído pela quinta maior população do mundo, caso houvesse menor concentração de renda e riqueza.
* Fernando Nogueira da Costa é professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018).
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