Por Paulo Moreira Leite, no site Brasil-247:
Uma das mais populares atrizes da história da TV brasileira, Regina Duarte levou anos para deixar a condição de talento valorizado mas descartável de nossos folhetins eletrônicos. Em 1979/1980, rompendo com a condição de rosto bonito, ela fez o seriado Malu Mulher, encarnando a primeira personagem feminina da TV capaz de assumir abertamente sua liberdade sexual.
Num país onde a Globo era campeã da audiência, referência ideológica e de comportamento para milhões de brasileiros e brasileiras, Regina Duarte sinalizou uma travessia fundamental da emancipação feminina - o direito ao orgasmo, assumido de forma explícita ao longo do seriado.
Numa história que os contemporâneos dificilmente esquecerão, em cenas escritas com sensibilidade por Glória Perez e dirigidas com delicadeza por Daniel Filho, atriz e personagem se uniram para ensinar que as mulheres tinham direito à própria felicidade, inclusive fora do casamento - verdade crucial num país que apenas três anos antes havia aprovado o divórcio.
Quatro décadas depois, a caminho da Secretaria da Cultura do governo Jair Bolsonaro, Regina Duarte ameaça completar um percurso regressivo iniciado há vários anos. Cumpriu uma trajetória por todos conhecida. Abandonou as diversas causas progressistas e democráticas que assumiu ao longo da carreira, até chegar a 2018 como cabo eleitoral do bolsonarismo.
Num governo empenhado em retirar direitos e liberdades das mulheres, que cultiva uma visão obsessiva e perversa da liberdade sexual - a ponto de estimular uma campanha a favor do sexo só depois do casamento - o percurso inevitável de Regina Duarte é de retrocesso e submissão.
Seu destino será desdizer o que disse, desfazer o que fez, numa sequência que lhe permitiu tornar-se admirada por brasileiros e brasileiras, gerando uma duradoura empatia popular que, no terrível Brasil de 2020, Bolsonaro pretende alugar para servir a um um governo em estado de colapso moral.
Não por acaso, o cidadão que ocupava a cadeira que Jair Bolsonaro reservou para Regina Duarte era um admirador de Goebbels. Queria formatar a cultura brasileira na modelagem do nazismo, onde o lugar da mulher é ser boa mãe, criar os filhos e, acima de tudo, obedecer ao marido.
Os bons observadores da história humana ensinam que é possível medir o grau de civilização de uma sociedade pelo tratamento que dispensa às mulheres.
Pai de quatro filhos, o presidente jamais perdeu uma chance de mostrar desprezo pelos avanços da emancipação feminina. Já foi capaz de referir-se a única filha como fruto de uma "fraquejada". Também disse à deputada Maria do Rosário que ela era "muito feia para ser estuprada". A lista é maior mas podemos ficar por aqui.
Atriz experiente, Regina Duarte sabe que até podem ocorrer mudanças de nomes e alterações do cenário, mas o enredo do espetáculo permanece em linha com o espírito macabro do antecessor -- até porque, minutos antes do escândalo produzido pela encarnação Goebbels, o dono da festa disse que enfim havia encontrado um "secretário de cultura de verdade".
Esse traço definidor inclui um empenho geral de ataque às liberdades, um vale tudo selvagem, sem distinção de credo, origem ou gênero. O que se quer é uma cultura postiça, do Estado, a serviço da propaganda política.
Um levantamento do Artigo 5o, movimento que reúne intelectuais e artistas mobilizados em defesa da liberdade de expressão, indica 115 casos de censura, ameaças e atos de intimidação ocorridos no país desde a posse de Bolsonaro - sejam decisões que partiram de diversas instâncias do Estado, de entidades particulares ou mesmo intervenções de bandos truculentos contra eventos públicos.
Mesmo admitindo que as pessoas mudam de ponto de vista e mesmo de ideologia ao longo da existência, num mundo onde não faltam decepções e sobram oportunidades para tropeços, não há muito para Regina Duarte fazer neste ambiente.
Pela formação, pela experiência e, acima de tudo, pela realidade do universo político, na melhor das hipóteses seu lugar será decorativo como uma modelo de publicidade: dona da imagem mas não do próprio texto.
A menos, claro, que, como um Mefisto de saias, esteja resolvida a oferecer sua alma ao demônio, como descreve Klaus Mann no grande romance de 1936, obra indispensável para se compreender a corrupção moral produzida pelo nazismo nos meios artísticos da Alemanha de Hitler e Goebbels.
Alguma dúvida?
Num país onde a Globo era campeã da audiência, referência ideológica e de comportamento para milhões de brasileiros e brasileiras, Regina Duarte sinalizou uma travessia fundamental da emancipação feminina - o direito ao orgasmo, assumido de forma explícita ao longo do seriado.
Numa história que os contemporâneos dificilmente esquecerão, em cenas escritas com sensibilidade por Glória Perez e dirigidas com delicadeza por Daniel Filho, atriz e personagem se uniram para ensinar que as mulheres tinham direito à própria felicidade, inclusive fora do casamento - verdade crucial num país que apenas três anos antes havia aprovado o divórcio.
Quatro décadas depois, a caminho da Secretaria da Cultura do governo Jair Bolsonaro, Regina Duarte ameaça completar um percurso regressivo iniciado há vários anos. Cumpriu uma trajetória por todos conhecida. Abandonou as diversas causas progressistas e democráticas que assumiu ao longo da carreira, até chegar a 2018 como cabo eleitoral do bolsonarismo.
Num governo empenhado em retirar direitos e liberdades das mulheres, que cultiva uma visão obsessiva e perversa da liberdade sexual - a ponto de estimular uma campanha a favor do sexo só depois do casamento - o percurso inevitável de Regina Duarte é de retrocesso e submissão.
Seu destino será desdizer o que disse, desfazer o que fez, numa sequência que lhe permitiu tornar-se admirada por brasileiros e brasileiras, gerando uma duradoura empatia popular que, no terrível Brasil de 2020, Bolsonaro pretende alugar para servir a um um governo em estado de colapso moral.
Não por acaso, o cidadão que ocupava a cadeira que Jair Bolsonaro reservou para Regina Duarte era um admirador de Goebbels. Queria formatar a cultura brasileira na modelagem do nazismo, onde o lugar da mulher é ser boa mãe, criar os filhos e, acima de tudo, obedecer ao marido.
Os bons observadores da história humana ensinam que é possível medir o grau de civilização de uma sociedade pelo tratamento que dispensa às mulheres.
Pai de quatro filhos, o presidente jamais perdeu uma chance de mostrar desprezo pelos avanços da emancipação feminina. Já foi capaz de referir-se a única filha como fruto de uma "fraquejada". Também disse à deputada Maria do Rosário que ela era "muito feia para ser estuprada". A lista é maior mas podemos ficar por aqui.
Atriz experiente, Regina Duarte sabe que até podem ocorrer mudanças de nomes e alterações do cenário, mas o enredo do espetáculo permanece em linha com o espírito macabro do antecessor -- até porque, minutos antes do escândalo produzido pela encarnação Goebbels, o dono da festa disse que enfim havia encontrado um "secretário de cultura de verdade".
Esse traço definidor inclui um empenho geral de ataque às liberdades, um vale tudo selvagem, sem distinção de credo, origem ou gênero. O que se quer é uma cultura postiça, do Estado, a serviço da propaganda política.
Um levantamento do Artigo 5o, movimento que reúne intelectuais e artistas mobilizados em defesa da liberdade de expressão, indica 115 casos de censura, ameaças e atos de intimidação ocorridos no país desde a posse de Bolsonaro - sejam decisões que partiram de diversas instâncias do Estado, de entidades particulares ou mesmo intervenções de bandos truculentos contra eventos públicos.
Mesmo admitindo que as pessoas mudam de ponto de vista e mesmo de ideologia ao longo da existência, num mundo onde não faltam decepções e sobram oportunidades para tropeços, não há muito para Regina Duarte fazer neste ambiente.
Pela formação, pela experiência e, acima de tudo, pela realidade do universo político, na melhor das hipóteses seu lugar será decorativo como uma modelo de publicidade: dona da imagem mas não do próprio texto.
A menos, claro, que, como um Mefisto de saias, esteja resolvida a oferecer sua alma ao demônio, como descreve Klaus Mann no grande romance de 1936, obra indispensável para se compreender a corrupção moral produzida pelo nazismo nos meios artísticos da Alemanha de Hitler e Goebbels.
Alguma dúvida?
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