Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena:
A mídia comercial, a direita e a extrema direita não cansam de repetir que há muitas “mentiras” no filme da Petra Costa sobre o golpe, Democracia em Vertigem, indicado ao Oscar de melhor documentário. Um dos grupos que acusa a cineasta de mentir é o MBL (Movimento Brasil Livre), que ajudou a consolidar a farsa do impeachment levando gente cúmplice ou desavisada às ruas a partir da reeleição de Dilma Rousseff, em 2014.
O MBL também fez um documentário sobre o golpe, disponibilizado às vésperas da cerimônia de premiação em Hollywood na página do deputado Mamãe Falei no youtube. Mamãe Falei chegou a publicar um vídeo apontando “todas as mentiras” do filme de Petra. Pois bem: decidi fazer o sacrifício de assistir ao doc do MBL para ver quantos erros factuais eles utilizaram para montar sua “realidade”.
Assim como o filme de Petra Costa é narrado por ela mesma, o do MBL é narrado por um dos fundadores do MBL, Alexandre Henrique Ferreira dos Santos, o “Salsicha”. As coincidências param aí: enquanto o filme da Petra traz uma visão feminista do golpe contra a primeira mulher presidenta do Brasil, o documentário do MBL só tem homem. Contei cinco mulheres dando entrevista no meio da macharada, sendo uma delas Janaina Paschoal, uma das autoras do pedido de impeachment.
Os erros que encontrei no filme:
1. O Foro de São Paulo é de extrema esquerda e foi criado depois da vitória de Lula, em 2002: o Foro foi criado em 1990, quando Fernando Collor ainda era presidente, como uma iniciativa contra as políticas neoliberais em nosso continente. À exceção do Partido Comunista Cubano, todos os partidos filiados ao Foro são de esquerda, social-democratas ou de centro esquerda. Chegaram ao poder não por luta armada, o que os caracterizaria como de “extrema esquerda”, e sim democraticamente, pelas urnas.
2. As Farc se aliaram ao foro de São Paulo: essa é uma fake news várias vezes repetida para que se torne verdade, como ensinava o nazista Joseph Goebbels. As Farc não só nunca integraram o Foro de São Paulo como, em 2005, o PT barrou a entrada de representantes das Farc em um encontro do grupo.
3. Lula “usava os cofres do BNDES para financiar seus amigos ditadores”: essa mentira foi desmontada totalmente por uma auditoria feita pelo próprio BNDES . O banco torrou nada menos que 48 milhões de reais de dinheiro público para chegar à conclusão que nunca existiu uma “caixa preta” e que não houve nenhuma irregularidade nos empréstimos durante os governos Lula e Dilma.
4. Alexandre Borges, um dos gurus do MBL, é “cientista político”: não é, é publicitário, segundo o perfil dele no Linkedin. Borges não tem formação em Ciência Política para ser apresentado como “cientista”, como faz o filme. Ele próprio se apresenta como “analista”, não como cientista.
5. O MBL conseguiu levar gente para as ruas apenas com a ajuda do Vem Pra Rua: na verdade, a mídia comercial passou a divulgar todas as manifestações contra o governo Dilma, funcionando como divulgadora dos protestos. A Globo anunciava em seus noticiários os protestos com data e hora, convocando as pessoas para as ruas.
6. O PT pediu o impeachment de FHC: isso nunca aconteceu formalmente. Alguns setores do partido fizeram de fato esta proposta, mas, em 1999, o líder máximo do PT, Lula, manifestou com todas as letras ser contrário ao impeachment de FHC. “Se eu achar que, porque as coisas estão ruins, o presidente tem de renunciar, daqui a pouco vai ter gente defendendo a renúncia dos governadores do PT. Aí, vai virar moda no Brasil”, declarou Lula.
7. A “marcha” do MBL a Brasília em maio de 2015 para pedir o impeachment de Dilma foi um sucesso: a real é que foi um fiasco. Não teve cobertura dos veículos de comunicação e as “milhares de pessoas” que eles esperavam que se unissem à marcha nunca apareceram.
8. O “Revoltados Online” não participou ao lado do MBL dos protestos contra Dilma: logo no início, o documentário afirma que os dois grupos se afastaram imediatamente, porque os Revoltados tinham bandeiras com as quais o MBL não concordava, como “intervenção militar”. Segundo o filme, a intenção do MBL era “isolar” o líder dos Revoltados, Marcello Reis. No entanto, durante o decorrer do documentário, Marcello aparece várias vezes lado a lado com o MBL. Eles só começam a se distanciar de fato em outubro de 2015.
9. A economia ia mal no governo Dilma em 2015: segundo o insuspeito Jornal da Globo, em janeiro de 2015, antes de os golpistas desestabilizarem o país, o desemprego era o menor da História. “O Brasil fechou 2014 com a menor taxa de desemprego já registrada. Na média do ano, ficaram sem trabalho 4,8% dos brasileiros pesquisados pelo IBGE”, dizia a reportagem. O desemprego está hoje em 11%, sendo que a informalidade tem atingido níveis recordes: 41,1% da população ocupada não têm carteira assinada.
10. Helio Bicudo, um dos autores do processo de impeachment, é “fundador do PT”: o próprio Bicudo desmentia essa informação. “Não participei da sua fundação”, disse Bicudo em entrevista em 2001, informando que só se filiaria ao partido mais tarde, em 1982, três anos depois da fundação do partido, quando se candidatou a vice de Lula na campanha pelo governo de São Paulo.
11. O movimento pró-impeachment era “apartidário”: a frase tantas vezes dita por Kataguiri e outros membros do MBL é desmentida pela História. O impeachment não teria acontecido se o PSDB, derrotado nas urnas em 2014, não tivesse pago 45 mil reais a Janaína Paschoal e Miguel Reale Junior para fazer o pedido. E se Eduardo Cunha, o presidente da Câmara, do PMDB, não tivesse acatado. Em maio de 2016, vieram à tona áudios com um dos fundadores do MBL, Renan Antônio Ferreira dos Santos (irmão do narrador do doc), mostrando que os partidos financiaram os atos contra Dilma.
12. As “pedaladas fiscais” constituem crime de responsabilidade, o que legitimaria o impeachment: nunca houve consenso jurídico a este respeito. Enquanto os juristas ligados ao PSDB diziam que é crime de responsabilidade, outros afirmavam que não. Uma perícia feita por especialistas do Senado mostrou que não houve crime de responsabilidade nas pedaladas. Portanto, o amparo da Constituição ao impeachment não existiu, daí a esquerda falar em “golpe”.
13. O golpe foi dado para “restaurar a democracia” e “interromper um projeto autoritário” no Brasil: essa é a tese central do documentário do MBL. “O nascimento de um Brasil livre”, diz o subtítulo do filme. Mas, quase quatro anos após Dilma deixar o poder, a democracia no país nunca esteve tão ameaçada. Censura de obras de arte (o próprio MBL começou com isso ao impedir a exposição Queermuseu em Porto Alegre, em 2017), ameaças à imprensa e a jornalistas, uso de dinheiro público para atacar adversários (como a cineasta Petra Costa, alvo do perfil oficial da Secom nas redes sociais), ameaça de “novo AI-5” por parte dos filhos do presidente e seus auxiliares… O próprio Kim Kataguiri, o “apartidário” eleito deputado federal pelo DEM, ataca Carlos Bolsonaro, dizendo que “é um perigo para a democracia”, e que seu irmão Eduardo é “um Che Guevara de sinal trocado”. Que “Brasil livre” é esse? Hoje, ao contrário da época do PT, não temos nem sequer segurança de que haverá eleições presidenciais em 2022.
E a omissão: O documentário do MBL, diferentemente do de Petra, omite os votos mais ridículos dados pela turma em favor do impeachment na Câmara, em que a grande maioria repete por que está tomando a decisão: “pela minha família”. Apenas os votos mais “patrióticos” e fundamentados entram no filme, escondendo dos espectadores o circo lamentável e constrangedor que resultou na destituição que ajudaram a engendrar, não se sabe com que dinheiro, já que o documentário tampouco deixa claro quem financiou ou financia o MBL.
O MBL também fez um documentário sobre o golpe, disponibilizado às vésperas da cerimônia de premiação em Hollywood na página do deputado Mamãe Falei no youtube. Mamãe Falei chegou a publicar um vídeo apontando “todas as mentiras” do filme de Petra. Pois bem: decidi fazer o sacrifício de assistir ao doc do MBL para ver quantos erros factuais eles utilizaram para montar sua “realidade”.
Assim como o filme de Petra Costa é narrado por ela mesma, o do MBL é narrado por um dos fundadores do MBL, Alexandre Henrique Ferreira dos Santos, o “Salsicha”. As coincidências param aí: enquanto o filme da Petra traz uma visão feminista do golpe contra a primeira mulher presidenta do Brasil, o documentário do MBL só tem homem. Contei cinco mulheres dando entrevista no meio da macharada, sendo uma delas Janaina Paschoal, uma das autoras do pedido de impeachment.
Os erros que encontrei no filme:
1. O Foro de São Paulo é de extrema esquerda e foi criado depois da vitória de Lula, em 2002: o Foro foi criado em 1990, quando Fernando Collor ainda era presidente, como uma iniciativa contra as políticas neoliberais em nosso continente. À exceção do Partido Comunista Cubano, todos os partidos filiados ao Foro são de esquerda, social-democratas ou de centro esquerda. Chegaram ao poder não por luta armada, o que os caracterizaria como de “extrema esquerda”, e sim democraticamente, pelas urnas.
2. As Farc se aliaram ao foro de São Paulo: essa é uma fake news várias vezes repetida para que se torne verdade, como ensinava o nazista Joseph Goebbels. As Farc não só nunca integraram o Foro de São Paulo como, em 2005, o PT barrou a entrada de representantes das Farc em um encontro do grupo.
3. Lula “usava os cofres do BNDES para financiar seus amigos ditadores”: essa mentira foi desmontada totalmente por uma auditoria feita pelo próprio BNDES . O banco torrou nada menos que 48 milhões de reais de dinheiro público para chegar à conclusão que nunca existiu uma “caixa preta” e que não houve nenhuma irregularidade nos empréstimos durante os governos Lula e Dilma.
4. Alexandre Borges, um dos gurus do MBL, é “cientista político”: não é, é publicitário, segundo o perfil dele no Linkedin. Borges não tem formação em Ciência Política para ser apresentado como “cientista”, como faz o filme. Ele próprio se apresenta como “analista”, não como cientista.
5. O MBL conseguiu levar gente para as ruas apenas com a ajuda do Vem Pra Rua: na verdade, a mídia comercial passou a divulgar todas as manifestações contra o governo Dilma, funcionando como divulgadora dos protestos. A Globo anunciava em seus noticiários os protestos com data e hora, convocando as pessoas para as ruas.
6. O PT pediu o impeachment de FHC: isso nunca aconteceu formalmente. Alguns setores do partido fizeram de fato esta proposta, mas, em 1999, o líder máximo do PT, Lula, manifestou com todas as letras ser contrário ao impeachment de FHC. “Se eu achar que, porque as coisas estão ruins, o presidente tem de renunciar, daqui a pouco vai ter gente defendendo a renúncia dos governadores do PT. Aí, vai virar moda no Brasil”, declarou Lula.
7. A “marcha” do MBL a Brasília em maio de 2015 para pedir o impeachment de Dilma foi um sucesso: a real é que foi um fiasco. Não teve cobertura dos veículos de comunicação e as “milhares de pessoas” que eles esperavam que se unissem à marcha nunca apareceram.
8. O “Revoltados Online” não participou ao lado do MBL dos protestos contra Dilma: logo no início, o documentário afirma que os dois grupos se afastaram imediatamente, porque os Revoltados tinham bandeiras com as quais o MBL não concordava, como “intervenção militar”. Segundo o filme, a intenção do MBL era “isolar” o líder dos Revoltados, Marcello Reis. No entanto, durante o decorrer do documentário, Marcello aparece várias vezes lado a lado com o MBL. Eles só começam a se distanciar de fato em outubro de 2015.
9. A economia ia mal no governo Dilma em 2015: segundo o insuspeito Jornal da Globo, em janeiro de 2015, antes de os golpistas desestabilizarem o país, o desemprego era o menor da História. “O Brasil fechou 2014 com a menor taxa de desemprego já registrada. Na média do ano, ficaram sem trabalho 4,8% dos brasileiros pesquisados pelo IBGE”, dizia a reportagem. O desemprego está hoje em 11%, sendo que a informalidade tem atingido níveis recordes: 41,1% da população ocupada não têm carteira assinada.
10. Helio Bicudo, um dos autores do processo de impeachment, é “fundador do PT”: o próprio Bicudo desmentia essa informação. “Não participei da sua fundação”, disse Bicudo em entrevista em 2001, informando que só se filiaria ao partido mais tarde, em 1982, três anos depois da fundação do partido, quando se candidatou a vice de Lula na campanha pelo governo de São Paulo.
11. O movimento pró-impeachment era “apartidário”: a frase tantas vezes dita por Kataguiri e outros membros do MBL é desmentida pela História. O impeachment não teria acontecido se o PSDB, derrotado nas urnas em 2014, não tivesse pago 45 mil reais a Janaína Paschoal e Miguel Reale Junior para fazer o pedido. E se Eduardo Cunha, o presidente da Câmara, do PMDB, não tivesse acatado. Em maio de 2016, vieram à tona áudios com um dos fundadores do MBL, Renan Antônio Ferreira dos Santos (irmão do narrador do doc), mostrando que os partidos financiaram os atos contra Dilma.
12. As “pedaladas fiscais” constituem crime de responsabilidade, o que legitimaria o impeachment: nunca houve consenso jurídico a este respeito. Enquanto os juristas ligados ao PSDB diziam que é crime de responsabilidade, outros afirmavam que não. Uma perícia feita por especialistas do Senado mostrou que não houve crime de responsabilidade nas pedaladas. Portanto, o amparo da Constituição ao impeachment não existiu, daí a esquerda falar em “golpe”.
13. O golpe foi dado para “restaurar a democracia” e “interromper um projeto autoritário” no Brasil: essa é a tese central do documentário do MBL. “O nascimento de um Brasil livre”, diz o subtítulo do filme. Mas, quase quatro anos após Dilma deixar o poder, a democracia no país nunca esteve tão ameaçada. Censura de obras de arte (o próprio MBL começou com isso ao impedir a exposição Queermuseu em Porto Alegre, em 2017), ameaças à imprensa e a jornalistas, uso de dinheiro público para atacar adversários (como a cineasta Petra Costa, alvo do perfil oficial da Secom nas redes sociais), ameaça de “novo AI-5” por parte dos filhos do presidente e seus auxiliares… O próprio Kim Kataguiri, o “apartidário” eleito deputado federal pelo DEM, ataca Carlos Bolsonaro, dizendo que “é um perigo para a democracia”, e que seu irmão Eduardo é “um Che Guevara de sinal trocado”. Que “Brasil livre” é esse? Hoje, ao contrário da época do PT, não temos nem sequer segurança de que haverá eleições presidenciais em 2022.
E a omissão: O documentário do MBL, diferentemente do de Petra, omite os votos mais ridículos dados pela turma em favor do impeachment na Câmara, em que a grande maioria repete por que está tomando a decisão: “pela minha família”. Apenas os votos mais “patrióticos” e fundamentados entram no filme, escondendo dos espectadores o circo lamentável e constrangedor que resultou na destituição que ajudaram a engendrar, não se sabe com que dinheiro, já que o documentário tampouco deixa claro quem financiou ou financia o MBL.
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