Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, declarou quinta-feira, dia 9 de julho, que considera “ofensivo” que os servidores públicos defendam seus direitos num momento particularmente difícil para os trabalhadores de outras categorias. Em razão da pandemia, quando muitos perderam empregos, os funcionários estaduais deveriam, segundo ele, parar de olhar “para o próprio umbigo”. Para o governante do Novo, precisamos de “um mundo mais solidário”.
O julgamento “humanista” e inclemente dos servidores veio a reboque da reforma previdenciária enviada à Assembleia Legislativa por Zema. Como é próprio de todas as propostas do gênero, o foco é cortar conquistas trabalhistas, reduzir os proventos, atrasar o período para início da aposentadoria e aumentar as contribuições. O servidor deveria ser “solidário” com um projeto que tira direitos, acena com a perda de qualidade de vida no futuro, adia a concessão do benefício e corrói seu salário atual.
O argumento do governador foi apresentado durante a inauguração de leitos de UTI para Covid-19 em um hospital público. O estado, como todos sabem, decolou em número de casos e óbitos da doença nas últimas semanas. A assistência começa a entrar em alerta perigoso. O governo mudou os critérios de contagem de leitos (reduzindo o déficit sem aumentar a oferta de serviços), mantém os testes guardados no armário e adia a abertura do hospital de campanha construído com dinheiro da sociedade.
A atuação do governador não parece ideal para cobrar solidariedade do outro. Ele não parece ter feito sua parte e distribui responsabilidades para todo lado, do governo federal que não mandou testes suficientes, a prefeitos que não aderiram a seu protocolo. Zema adora protocolos, que são normas que enfileiram ações que geralmente eximem o Estado de execução. A culpa é sempre do outro. A diferença entre o estadista e o burocrata reside nesse expediente.
O que o governador parece ter se esquecido – ou preferido não destacar – é que tudo que diz respeito ao combate à pandemia é realizado exatamente pelos portadores dos umbigos que ele tanto despreza. A atenção à saúde é feita por gente que se dedicou a cuidar do outro, recebendo pouco e parcelado, e agora é acusado de egoísta. Os investimentos para montagem das estruturas vêm do povo, outros umbigos que têm a condenável mania de cobrar competência e responsabilidade dos gestores.
A afirmação do governador não destoa de sua formação de comerciante e defensor do livre mercado, mais mercado que livre. Na lógica do lucro não cabem serviços que não são traduzíveis em tabelas. Vida não tem preço. Educação de qualidade não pode ser traduzida em conquista de habilidades profissionais. Saneamento básico não é mercadoria para ser jogada de grila aos investidores. Na lógica ultraliberal, o que não tem preço não tem valor.
Zema, justiça seja feita, não olha para o próprio umbigo. Desde a campanha, tem mirado sempre no umbigo de Bolsonaro. Sua aliança com o presidente já cumpriu vários estágios, inclusive o negacionismo da pandemia, quando sugeriu que o vírus passeasse. Do mesmo modo que o ex-capitão usa da doença para militarizar seu governo, abrir guerra com a ciência e lançar sua âncoras de ódio ao gado cativo, o governador mineiro aprofunda sua gestão feita de negaceios e esquivas.
Sua frase infeliz reedita, com outro estilo, o conselho do ministro Ricardo Salles, que sugeriu que se aproveitasse do coronavírus para “passar a boiada” das normas danosas ao meio ambiente. A estratégia de utilizar a crise sanitária como cortina de fumaça para aprofundar a política de entreguismo e destruição tem trazido prejuízos internacionais e perda de confiança externa. O cálculo não é apenas equivocado, mas contraproducente, levando o país à posição da pária ambiental.
O método é igual: aproveitar a situação de desvantagem, crise ou calamidade para avançar na destruição das conquistas sociais, trabalhistas, ambientais, de direitos humanos, de equidade e por aí vai. Algo que vem sendo chamado de capitalismo de catástrofe. Depois de lucrar com a exploração do trabalho, a destruição do meio ambiente e a financerização da economia, o produto da vez são os despojos das crises e as guerras de toda natureza. Inclusive contra os vírus.
Assim como Bolsonaro, outro useiro da tática é o presidente Donald Trump, que tem feito da pandemia sua plataforma de lançamento de ideias isolacionistas e prepotentes. O republicano tem aproveitado a pandemia para passar sua boiada racista e xenofóbica. Sem falar na continuidade do isolamento internacional, que vem excluindo o país dos fóruns multilaterais e, mais recentemente, até mesmo da Organização Mundial da Saúde. Com tempo, a proposta de América em primeiro lugar será traduzida por uma América sem lugar.
Zema também toca sua boiada com o umbigo, mas é de outro jaez. Não tem a grosseria de Bolsonaro, a insensatez de Salles ou a arrogância de Trump. Tudo nele é contido, menos a incompreensão do valor da coisa pública, que se expressa em todos os momentos e atos. Em seu mundo não cabem interesse público, servidores de carreira, direitos trabalhistas e justiça social. Tudo isso para ele é ofensivo. Algo inaceitável e estapafúrdio. Como um vírus estacionário, uma aposentadoria justa ou um hospital fechado em meio à maior crise sanitária do século.
O julgamento “humanista” e inclemente dos servidores veio a reboque da reforma previdenciária enviada à Assembleia Legislativa por Zema. Como é próprio de todas as propostas do gênero, o foco é cortar conquistas trabalhistas, reduzir os proventos, atrasar o período para início da aposentadoria e aumentar as contribuições. O servidor deveria ser “solidário” com um projeto que tira direitos, acena com a perda de qualidade de vida no futuro, adia a concessão do benefício e corrói seu salário atual.
O argumento do governador foi apresentado durante a inauguração de leitos de UTI para Covid-19 em um hospital público. O estado, como todos sabem, decolou em número de casos e óbitos da doença nas últimas semanas. A assistência começa a entrar em alerta perigoso. O governo mudou os critérios de contagem de leitos (reduzindo o déficit sem aumentar a oferta de serviços), mantém os testes guardados no armário e adia a abertura do hospital de campanha construído com dinheiro da sociedade.
A atuação do governador não parece ideal para cobrar solidariedade do outro. Ele não parece ter feito sua parte e distribui responsabilidades para todo lado, do governo federal que não mandou testes suficientes, a prefeitos que não aderiram a seu protocolo. Zema adora protocolos, que são normas que enfileiram ações que geralmente eximem o Estado de execução. A culpa é sempre do outro. A diferença entre o estadista e o burocrata reside nesse expediente.
O que o governador parece ter se esquecido – ou preferido não destacar – é que tudo que diz respeito ao combate à pandemia é realizado exatamente pelos portadores dos umbigos que ele tanto despreza. A atenção à saúde é feita por gente que se dedicou a cuidar do outro, recebendo pouco e parcelado, e agora é acusado de egoísta. Os investimentos para montagem das estruturas vêm do povo, outros umbigos que têm a condenável mania de cobrar competência e responsabilidade dos gestores.
A afirmação do governador não destoa de sua formação de comerciante e defensor do livre mercado, mais mercado que livre. Na lógica do lucro não cabem serviços que não são traduzíveis em tabelas. Vida não tem preço. Educação de qualidade não pode ser traduzida em conquista de habilidades profissionais. Saneamento básico não é mercadoria para ser jogada de grila aos investidores. Na lógica ultraliberal, o que não tem preço não tem valor.
Zema, justiça seja feita, não olha para o próprio umbigo. Desde a campanha, tem mirado sempre no umbigo de Bolsonaro. Sua aliança com o presidente já cumpriu vários estágios, inclusive o negacionismo da pandemia, quando sugeriu que o vírus passeasse. Do mesmo modo que o ex-capitão usa da doença para militarizar seu governo, abrir guerra com a ciência e lançar sua âncoras de ódio ao gado cativo, o governador mineiro aprofunda sua gestão feita de negaceios e esquivas.
Sua frase infeliz reedita, com outro estilo, o conselho do ministro Ricardo Salles, que sugeriu que se aproveitasse do coronavírus para “passar a boiada” das normas danosas ao meio ambiente. A estratégia de utilizar a crise sanitária como cortina de fumaça para aprofundar a política de entreguismo e destruição tem trazido prejuízos internacionais e perda de confiança externa. O cálculo não é apenas equivocado, mas contraproducente, levando o país à posição da pária ambiental.
O método é igual: aproveitar a situação de desvantagem, crise ou calamidade para avançar na destruição das conquistas sociais, trabalhistas, ambientais, de direitos humanos, de equidade e por aí vai. Algo que vem sendo chamado de capitalismo de catástrofe. Depois de lucrar com a exploração do trabalho, a destruição do meio ambiente e a financerização da economia, o produto da vez são os despojos das crises e as guerras de toda natureza. Inclusive contra os vírus.
Assim como Bolsonaro, outro useiro da tática é o presidente Donald Trump, que tem feito da pandemia sua plataforma de lançamento de ideias isolacionistas e prepotentes. O republicano tem aproveitado a pandemia para passar sua boiada racista e xenofóbica. Sem falar na continuidade do isolamento internacional, que vem excluindo o país dos fóruns multilaterais e, mais recentemente, até mesmo da Organização Mundial da Saúde. Com tempo, a proposta de América em primeiro lugar será traduzida por uma América sem lugar.
Zema também toca sua boiada com o umbigo, mas é de outro jaez. Não tem a grosseria de Bolsonaro, a insensatez de Salles ou a arrogância de Trump. Tudo nele é contido, menos a incompreensão do valor da coisa pública, que se expressa em todos os momentos e atos. Em seu mundo não cabem interesse público, servidores de carreira, direitos trabalhistas e justiça social. Tudo isso para ele é ofensivo. Algo inaceitável e estapafúrdio. Como um vírus estacionário, uma aposentadoria justa ou um hospital fechado em meio à maior crise sanitária do século.
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