Há incríveis 35 partidos legais no Brasil. Vinte e quatro têm representação no Congresso Nacional, um recorde mundial. Mas fica pior. Mais de cinquenta partidos estão em formação em busca de legalização. Por exemplo, o pitoresco Partido Nacional Corinthiano (PNC), o darwiniano Partido da Evolução Democrática (PED) e o misterioso Partido Nacional Social Democrático Cristão (PNSDC). Além do sinistro Aliança pelo Brasil de Bolsonaro, o partido das milícias neofascistas.
A imensa maioria é de partidos de aluguel. Os partidos de aluguel são uma “jabuticaba” brasileira. Não existem, evidentemente, trinta e cinco diferentes programas, ideologias ou visões de país. Então a pergunta que se coloca é por quê. Existem, porque podem existir, ou a lei permite. E podem porque são úteis e até funcionais para a representação política burguesa.
Partidos de aluguel são uma deformação peculiar do regime eleitoral: financiados por um fundo público são satélites de partidos maiores, oferecem sublegendas para carreiras solo de aventureiros que querem “furar a fila”. Em resumo: são um bom negócio. Líderes com vocação caudilhesca rejeitam instrumentos políticos coletivos. Jair Bolsonaro é um campeão da poligamia política: em nove mandatos passeou por oito partidos, e namorou o Prona e o Patriotas. E pretende criar mais um.
O partido Novo se apresentou pela primeira vez nas eleições de 2016, quando elegeu quatro vereadores, em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, e Belo Horizonte. Mas nas eleições de 2018 elegeu o governador de Minas Gerais, o desconhecido Romeu Zema, e 11 deputados estaduais e 8 federais. Na candidatura à presidência, João Amoêdo, um milionário que foi vice-presidente do Unibanco, ficou em 5° lugar, atrás somente de Geraldo Alckmin, Ciro Gomes, Fernando Haddad e Jair Bolsonaro.
O partido Novo foi uma pequena novidade quando surgiu por duas razões: (a) tinha um programa: a defesa da inviolabilidade da propriedade privada como um mantra de utopia capitalista dura; (b) a rejeição do financiamento público. Mas isso não permite julgar que não seja um partido de aluguel. Desde o princípio tinha mais que um chefe político, tinha um dono muito rico, que resolveu fundar e financiar um partido. Desde a posse de Bolsonaro o partido dos liberais radicais passou a ser base do governo de extrema-direita.
A ideologia do partido Novo é muito velha. O argumento que defende a justiça da propriedade privada foi sempre a pedra angular do liberalismo arcaico. Se o direito à propriedade privada fosse ameaçado, a liberdade seria destruída. Se a possibilidade de acumulação ilimitada de capital fosse reduzida, ou o direito de herança condicionado, as restrições à busca do enriquecimento teriam consequências catastróficas: o crescimento econômico seria sacrificado, a inovação tecnológica inibida e o espírito de iniciativa amputado.
A sociedade estaria condenada ao atraso, à estagnação e até à preguiça. O liberalismo do partido Novo é a defesa do Estado mínimo, ou seja, contra impostos sobre a riqueza, e a meritocracia. Cada um por si, todos contra todos.
Muita gente na esquerda interpreta a defesa da meritocracia apenas como um argumento de defesa da ideologia liberal. Mas a tirania do mérito é reacionária porque defende que é necessário tratar todos de forma igual. A igualdade formal diante da lei continua sendo somente uma utopia capitalista, evidentemente. Não existe. Quem controla a riqueza tem privilégios na relação com o poder.
Mas, ainda que viesse a existir, só poderia resultar na reprodução da desigualdade social que fratura a sociedade brasileira. E a conservação da desigualdade social, porque seria natural, ou até necessária para impulsionar a competição na luta pela sobrevivência é o cerne de qualquer pensamento reacionário.
O critério socialista é tratar os desiguais de forma desigual, favorecendo mais oportunidades para os que nunca tiveram oportunidade alguma. A ideologia meritocrática não somente aceita, mas defende que a desigualdade social tem um fundamento racional e, portanto, necessário. Classes sociais diferentes seriam um resultado natural de um processo de diferenciação que repousaria na desigualdade natural. Esta conclusão é falsa.
O lugar de cada um na sociedade corresponderia, ou deveria corresponder ao vigor ou ao talento. Os meritocráticos sublinham o papel da educação, mas também da vocação. A hierarquia social seria justa, desde que ordenada pela meritocracia.
Não surpreende que ela seja uma ideologia tão poderosa na classe média da sociedade contemporânea. A classe média se reconhece a si própria como um grupo social que ascendeu em função do mérito. Os pequeno-burgueses que têm seus próprios negócios e que são muito dedicados ao seu trabalho e, por isso, têm orgulho da sua dedicação reivindicam, furiosamente, a meritocracia. Furiosamente, porque resistem às políticas compensatórias, e se opõem ao direito dos trabalhadores de usarem a sua força social para se defender com seus métodos de luta, como a greve.
As novas camadas médias urbanas que ascenderam em função da elevação da escolaridade são, também, orgulhosas dos sacrifícios que fizeram para se educar. Acreditam que o Brasil seria o melhor dos mundos, não fosse a corrupção. As classes médias no mundo contemporâneo são muito heterogêneas, e não têm e não podem ter um projeto para sociedade. Seguirão uma das duas classes mais fortes: capital ou trabalho.
No Brasil, ao final da década de 1970, elas se inclinaram à esquerda, embora com oscilações. Mas depois do fim da ditadura, com as ilusões em relação ao Plano Cruzado em 1986, ou o apoio ao Plano Real entre 1994/98, seus humores políticos traduziam um crescente mal-estar diante da estagnação prolongada da economia, o enrijecimento do processo de mobilidade social, o custo dos impostos depois da Constituição de 1988, a inflação dos serviços como ensino, saúde, e segurança privatizados e, sobretudo, a corrupção crônica.
A partir dos anos 1990 a classe média passou a temer, com a mesma intensidade com que se deslocou para a oposição à ditadura, o peso dos impostos, o castigo do desemprego dos filhos, e se ressentiu pela insegurança crescente e pelo perigo da delinquência. O intervalo da década passada, uma fase de crescimento econômico e maior colaboração de classes trouxe uma sensação de alívio que ficou no passado. Por isso se deslocou para a extrema-direita e foi às ruas para apoiar o golpe do impeachment.
Nesse contexto, um setor mais jovem e instruído das camadas médias, que tinha repulsa por Bolsonaro, um primitivo dependente do messianismo evangélico, se sentiu atraída pelo apelo do partido Novo: burgueses como Amoedo, sem intermediários, deveriam governar. Mas o partido Novo é o liberalismo arcaico, senil, caduco. Mais um dos satélites do bolsonarismo.
A imensa maioria é de partidos de aluguel. Os partidos de aluguel são uma “jabuticaba” brasileira. Não existem, evidentemente, trinta e cinco diferentes programas, ideologias ou visões de país. Então a pergunta que se coloca é por quê. Existem, porque podem existir, ou a lei permite. E podem porque são úteis e até funcionais para a representação política burguesa.
Partidos de aluguel são uma deformação peculiar do regime eleitoral: financiados por um fundo público são satélites de partidos maiores, oferecem sublegendas para carreiras solo de aventureiros que querem “furar a fila”. Em resumo: são um bom negócio. Líderes com vocação caudilhesca rejeitam instrumentos políticos coletivos. Jair Bolsonaro é um campeão da poligamia política: em nove mandatos passeou por oito partidos, e namorou o Prona e o Patriotas. E pretende criar mais um.
O partido Novo se apresentou pela primeira vez nas eleições de 2016, quando elegeu quatro vereadores, em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, e Belo Horizonte. Mas nas eleições de 2018 elegeu o governador de Minas Gerais, o desconhecido Romeu Zema, e 11 deputados estaduais e 8 federais. Na candidatura à presidência, João Amoêdo, um milionário que foi vice-presidente do Unibanco, ficou em 5° lugar, atrás somente de Geraldo Alckmin, Ciro Gomes, Fernando Haddad e Jair Bolsonaro.
O partido Novo foi uma pequena novidade quando surgiu por duas razões: (a) tinha um programa: a defesa da inviolabilidade da propriedade privada como um mantra de utopia capitalista dura; (b) a rejeição do financiamento público. Mas isso não permite julgar que não seja um partido de aluguel. Desde o princípio tinha mais que um chefe político, tinha um dono muito rico, que resolveu fundar e financiar um partido. Desde a posse de Bolsonaro o partido dos liberais radicais passou a ser base do governo de extrema-direita.
A ideologia do partido Novo é muito velha. O argumento que defende a justiça da propriedade privada foi sempre a pedra angular do liberalismo arcaico. Se o direito à propriedade privada fosse ameaçado, a liberdade seria destruída. Se a possibilidade de acumulação ilimitada de capital fosse reduzida, ou o direito de herança condicionado, as restrições à busca do enriquecimento teriam consequências catastróficas: o crescimento econômico seria sacrificado, a inovação tecnológica inibida e o espírito de iniciativa amputado.
A sociedade estaria condenada ao atraso, à estagnação e até à preguiça. O liberalismo do partido Novo é a defesa do Estado mínimo, ou seja, contra impostos sobre a riqueza, e a meritocracia. Cada um por si, todos contra todos.
Muita gente na esquerda interpreta a defesa da meritocracia apenas como um argumento de defesa da ideologia liberal. Mas a tirania do mérito é reacionária porque defende que é necessário tratar todos de forma igual. A igualdade formal diante da lei continua sendo somente uma utopia capitalista, evidentemente. Não existe. Quem controla a riqueza tem privilégios na relação com o poder.
Mas, ainda que viesse a existir, só poderia resultar na reprodução da desigualdade social que fratura a sociedade brasileira. E a conservação da desigualdade social, porque seria natural, ou até necessária para impulsionar a competição na luta pela sobrevivência é o cerne de qualquer pensamento reacionário.
O critério socialista é tratar os desiguais de forma desigual, favorecendo mais oportunidades para os que nunca tiveram oportunidade alguma. A ideologia meritocrática não somente aceita, mas defende que a desigualdade social tem um fundamento racional e, portanto, necessário. Classes sociais diferentes seriam um resultado natural de um processo de diferenciação que repousaria na desigualdade natural. Esta conclusão é falsa.
O lugar de cada um na sociedade corresponderia, ou deveria corresponder ao vigor ou ao talento. Os meritocráticos sublinham o papel da educação, mas também da vocação. A hierarquia social seria justa, desde que ordenada pela meritocracia.
Não surpreende que ela seja uma ideologia tão poderosa na classe média da sociedade contemporânea. A classe média se reconhece a si própria como um grupo social que ascendeu em função do mérito. Os pequeno-burgueses que têm seus próprios negócios e que são muito dedicados ao seu trabalho e, por isso, têm orgulho da sua dedicação reivindicam, furiosamente, a meritocracia. Furiosamente, porque resistem às políticas compensatórias, e se opõem ao direito dos trabalhadores de usarem a sua força social para se defender com seus métodos de luta, como a greve.
As novas camadas médias urbanas que ascenderam em função da elevação da escolaridade são, também, orgulhosas dos sacrifícios que fizeram para se educar. Acreditam que o Brasil seria o melhor dos mundos, não fosse a corrupção. As classes médias no mundo contemporâneo são muito heterogêneas, e não têm e não podem ter um projeto para sociedade. Seguirão uma das duas classes mais fortes: capital ou trabalho.
No Brasil, ao final da década de 1970, elas se inclinaram à esquerda, embora com oscilações. Mas depois do fim da ditadura, com as ilusões em relação ao Plano Cruzado em 1986, ou o apoio ao Plano Real entre 1994/98, seus humores políticos traduziam um crescente mal-estar diante da estagnação prolongada da economia, o enrijecimento do processo de mobilidade social, o custo dos impostos depois da Constituição de 1988, a inflação dos serviços como ensino, saúde, e segurança privatizados e, sobretudo, a corrupção crônica.
A partir dos anos 1990 a classe média passou a temer, com a mesma intensidade com que se deslocou para a oposição à ditadura, o peso dos impostos, o castigo do desemprego dos filhos, e se ressentiu pela insegurança crescente e pelo perigo da delinquência. O intervalo da década passada, uma fase de crescimento econômico e maior colaboração de classes trouxe uma sensação de alívio que ficou no passado. Por isso se deslocou para a extrema-direita e foi às ruas para apoiar o golpe do impeachment.
Nesse contexto, um setor mais jovem e instruído das camadas médias, que tinha repulsa por Bolsonaro, um primitivo dependente do messianismo evangélico, se sentiu atraída pelo apelo do partido Novo: burgueses como Amoedo, sem intermediários, deveriam governar. Mas o partido Novo é o liberalismo arcaico, senil, caduco. Mais um dos satélites do bolsonarismo.
0 comentários:
Postar um comentário